domingo, 2 de julho de 2017
Não deveria, não poderia
A União Europeia deveria ser como o Canadá, onde a multiplicidade étnica é o factor determinante para a construção de uma identidade nacional. Onde todos os cidadãos, independentemente do seu país de origem, se identificam orgulhosamente como canadianos.
Respondo a Celso Felipe, inusitadamente insensato no Negócios: não sei se deveria e estou certo que não poderia. Não sei se deveria, porque na história do Canadá há vários detalhes esquecidos: do tratamento dado às nações originais, cujas populações ainda hoje são vítimas das mais severas discriminações, ao vulcão adormecido do nacionalismo no Québec.
Sei que não poderia, porque a Europa é um continente composto por múltiplos Estados nacionais consolidados, que continuam a ser as comunidades de destino mais relevantes para a esmagadora maioria. A sua tentativa de unificação degenera sempre em projetos imperiais, em autênticas prisões dos povos, onde impera a lógica disciplinar.
Hoje temos uma moeda funcional para o neoliberalismo, mas não teremos um orçamento federal que valha 15% do PIB da Zona, nem dívida pública comum, como no Canadá. Experimentem perguntar aos alemães se querem tal coisa, com as responsabilidades financeiras associadas. E eu sei que não quero as contrapartidas políticas que nos aproximem de tal coisa, não quero ser parte de uma nação original, cada vez mais condenada a viver da bondade de estranhos e de baixos salários, o lugar que nos cabe neste projecto.
Por cá, temos e teremos o uso dos instrumentos supranacionais para atentar economicamente contra a soberania dos Estados, e logo contra a democracia, aliás com o apoio de federalistas como Celso Filipe, que gostam de falar de liberdade, mas gostam também das chamadas reformas estruturais, impostas de fora, que diminuem as liberdades dos de baixo.
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6 comentários:
A dívida é o atentado à soberania.
Quem quer dívida quer dependência.
Há uma medida possível para a dívida? Há mas ninguém fala disso porque sabem o que é preciso fazer para lá chegar..
Um excelente e sereno post de João Rodrigues.
Parabéns pelo tom e pela pedagogia
Impressiona todavia o tom repetitivo, iterativo, cansativo e sempre propagandístico dum tal Jose a respeito do tema da dívida.
Já se falou aqui tanto da dívida. Já foi tanto escalpelizada. Já se confrontou as origens desta. Já se focou o papel desregulador iniciado à época por Reagan e Thatcher. Já se sublinharam os mecanismos pelos quais a banca, banqueiros, gestores,partiram à desfilada multiplicando os seus proventos duma forma tão néscia como absurda. Já se percebeu o papel da corrupção e do poder político aprisionado por um poder económico que tudo manda e a (quase) tudo submete. Já se revelou o papel do euro e da Comissão europeia e do FMI e do BCE e dos seus responsáveis. Até já foi sublinhada a tentativa de fazer retroceder civilizacionalmente o país para tempos abjectos, mercê do processo austeritário às ordens da troika.
Já se falou de tudo isto e de muito mais. E no entanto monotonamente e da mesma forma, o mesmo sujeito repete a cantilena sobre a dívida, tentando mais uma vez justificar a sua posição de vende-pátrias vulgar.
Antes era um adepto entusiasta do colonialismo e do patrioteirismo mais rasca. Agora deu nisto. E a sua "medida para a dívida" é a venda a retalho do país, o esmagamento do mundo do trabalho e o assumir o país o estatuto de país colonizado
O seu pai, ignorante do elo de ligação que estas duas atitudes aparentemente tão contraditórias têm, deve dar algumas voltas na tumba perante este adepto do Deutschland uberalles.
"Acerca da dívida diz-se que temos de "honrar os nossos compromissos". Trata-se do mesmo tipo de "honra" do servo na defesa do senhor feudal. Vejamos então em que consiste a dívida e o juro.
Quem paga a dívida? A dívida é impossível de pagar nas actuais condições. Marx cita o economista Hodgskin (1797-1869) que em vários textos adoptou "o ponto de vista proletário": "Nenhum trabalho, nenhuma força produtiva e nenhuma arte podem satisfazer as exigências dos juros compostos".
Tal é sabido desde a antiguidade, compreendendo que o juro era a forma dos grandes proprietários e grandes comerciantes expropriarem os pequenos, os plebeus, ou ainda apropriarem-se dessas pessoas. Por isso, legisladores de então fixaram limites ao juro e o cancelamento periódico de dívidas, para evitar a destruição da economia e a desestabilização social.
Para demonstrar como são impagáveis as dívidas na base de juros (acima do que a taxa de crescimento económico permita) o matemático Richard Price em 1769 calculou que 1 xelim à taxa de 6% ao ano daria desde o nascimento de Cristo até àquela data o equivalente a uma esfera de ouro com 1 780 milhões de milhas de diâmetro!
Tal é mais que evidente no endividamento dos países ditos em desenvolvimento: entre 1970 e 2009 esses países pagaram como serviço de dívida 4 529 mil milhões de dólares, isto é, reembolsaram 98 vezes o que deviam em 1970, mas a dívida é 32 vezes maior, atingindo 1460 mil milhões de dólares. (Les Chiffres de la dette, 2011, CADTM)
Portugal, submetido à burocracia antidemocrática da UE, enveredou pela via do subdesenvolvimento, agravada com a troika. Entre 1999 e 2012, Portugal pagou de juros de dívida pública 65 716,8 milhões de euros, a soma dos défices do Estado foi de 112 117 milhões, porém a dívida pública passou de 58 657,1 para 204 485 milhões de euros à data(mais 145,8 mil milhões!). Ou seja, quanto mais se paga mais se deve. Em 2013, os juros atingiriam cerca de 100% do défice do Estado previsto pelo governo, como o défice aumentou representam agora 82% (contra 69% em 2012), cerca de 5% do PIB!
O aumento da dívida é devido à especulação financeira. Com as receitas a reduzirem-se devido à paragem do crescimento económico, com o grande capital exigindo partes crescentes do RN, através das privatizações, das PPP, dos SWAP, dos "resgates" e garantias financeiras à banca, o país, sem soberania financeira, ficou submetido "aos humores" da especulação e respectivos juros usurários.
Compreende-se assim como é importante manter as pessoas na ignorância, (destruir a escola pública e generalizar a pobreza – como no fascismo – ajuda…) propagandeando como um "êxito" a "ida aos mercados", na realidade um verdadeiro suicídio colectivo.
A riqueza criada no país vai servir para pagar juros e ser "livremente" transferida para centros financeiros.
O BCE está organizado para os Estados vergarem a sua soberania ao peso da dívida, constituindo uma reserva de mão-de-obra barata e sem reivindicações significativas de forma a garantirem a competitividade da UE no processo de "globalização" imperialista.
O endividamento do Estado é um alibi para impor esta estratégia assegurando a perpétua obtenção de rendas financeiras, através da austeridade, o eufemismo adoptado para designar a exploração generalizada e sem direitos, ou seja, um programa económico e social idêntico ao do fascismo.
(Daniel Vaz de Carvalho)
O fascínio que certa gente tem pelas construções políticas do além-Atlântico é verdadeiramente extraordinário. Se estivéssemos uns mesitos atrasados no calendário, essa gente não teria a mínima dúvida em apontar como o pináculo das virtudes sociopolíticas os... EUA. Mas-ó desgraça das desgraças!-sobreveio o Trump e a coisa já não encaixa bem dentro da agenda do politicamente correto. Não falta ao escoramento das hossanas a já corriqueira amnésia histórica: o Canadá, tal como os EUA, aliás, batizaram o seu nascimento no genocídio e no esclavagismo. Em tempos mais recentes, não faltaram as escolas indígenas que mais não pretendiam do que obliterar a cultura e a identidade dos povos ameríndios. Esquece-se essa gente que, se quisermos encontrar uma analogia histórica para essas realidades que são os EUA e o Canadá (podemos juntar-lhes a Austrália e a Nova Zelândia) teríamos de encontra-la numa outra independência bem mais fugaz e completamente falhada: a da Rodésia branca. O que essa gente não diz é que o diálogo intercultural e interétnico é sempre bem vindo nessas latitudes desde que ele não ponha seriamente em causa o monopólio do poder económico e político pela elite WASP. Digamos que os EUA e o Canadá são para essa gente um sonho húmido e o que ela mais gostaria de ver na UE era uma realidade política análoga na qual introduziria uma subtil mudança semântico-política: em vez de WASP escreveria e diria Alemães.
Mas quem produziu a dívida? Quem arruinou o nosso tecido produtivo?
E "quem paga a livre transferência de capitais (descapitalizando o país)? Os paraísos fiscais e a "concorrência fiscal" na UE? Quem paga os empréstimos do BCE não aos Estados, mas aos especuladores? Quem paga os excedentes comerciais da Alemanha e as taxas de juro negativas (abaixo da inflação) que obtém? Quem paga o Euro? Uma moeda imersa em capital fictício, com os bancos europeus a necessitar serem recapitalizados entre 500 e 1000 milhares de milhões de euros.
Quem paga? Os mais ricos não por certo, pois o dinheiro da oligarquia desaparece sem pagar impostos nos paraísos fiscais. Os propagandistas do sistema explicam: trata-se de "incentivos ao capital para captar investimento". Falso. Porque eles não investem: especulam com as dívidas.
Quem paga? A pergunta é ociosa, como se costuma dizer. Se a lei fundamental do sistema se baseia na maximização do lucro e na exploração da força de trabalho, resta alguma dúvida sobre quem recaem, todos os desmandos e contradições de um sistema que além do mais sofre do mal congénito da queda tendencial da taxa de lucro? Sabemos quem paga: são os trabalhadores e também os MPME."
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