terça-feira, 21 de maio de 2024

País merece explicações de Centeno sobre taxas dos depósitos



O Governador do Banco (que não é) de Portugal e anterior ministro das finanças, Mário Centeno afirmou publicamente querer explicações sobre as taxas dos depósitos bancários que a banca privada está a praticar. 

O que pretende Centeno com esta intervenção pública? 

Pretenderá acrescentar aos poderes do BCE a possibilidade deste fixar as taxas de juro com os quais o setor bancário privado remunera depósitos? 

Estará convencido que o simples enunciar público de uma exigência ('devem'), não suportada em força legal e ao arrepio da lógica mercantil sacrossanta na Zona Euro e na UE, obrigará a ultra poderosa banca privada a seja lá o que for? 

E se essa banca privada o deixar a falar sozinho? Deve o Governador colocar-se numa situação em que as suas exigências não são consideradas pelos actores que se espera que regule? 

Afinal por que razão está a banca privada, acumulando lucros sem qualquer justificação económica, a pagar às famílias e às empresas juros tão baixos pelos seus depósitos? 

Pedindo explicações, Centeno vai avançando algumas e 'admite' que o 'elevado nível de dinheiro nos bancos' é parte da explicação. 

Mas que dinheiro é este? De onde apareceu? 

Trata-se de dinheiro que foi sendo disponibilizado, sob a forma de reservas criadas do nada, à banca privada pelo BCE onde Centeno tem assento. 

A nadar neste dinheiro, a banca privada, no seu processo de criação de crédito não necessita de depósitos de famílias e empresas e, assim sendo, não os remunera. 

É inevitável que isto fosse assim? Obviamente que não

Como se isto não bastasse, esta hiper abundância de dinheiro na componente privada do sistema financeiro tem mais consequências muito nefastas. 

Repare-se que, numa economia monetária de produção, onde o preço também depende da procura e da oferta, estas quantidades fabulosas de dinheiro, esta não escassez, teria determinado taxas de juro zero. 

Como o BCE, onde o Centeno tem assento, decidiu, erradamente, que a inflação gerada por problemas de procura seria combatida com o aumento da taxa de juro, esta hiper abundância de dinheiro tornou-se um problema porque, não sendo escasso dentro do sistema financeiro, o dinheiro perderia o seu valor, ou seja, a taxa de juro seria tendencialmente zero, ou mesmo negativa, o que impossibilitaria esta política desastrosa de subida das taxas de juro. 

Solução encontrada pelo BCE, onde Centeno tem assento?

Remunerar com mais reservas criadas do nada o depósito no seu próprio balanço daquelas outras reservas excedentárias na posse da banca privada.

Qual é o objectivo? O objectivo é desincentivar a banca privada de fornecer crédito à economia a uma taxa inferior àquela a que o próprio BCE remunera aquelas reservas que anteriormente criou, disponibilizou e agora remunera quando as recebe de volta na forma de depósitos. 

Parece complicado mas a lógica é simples: Se o BCE garante uma remuneração mínima aos bancos privados, esses bancos não aplicarão as reservas de que dispõem, não fornecerão crédito à economia, por um proveito menor. O problema da não escassez do dinheiro, da taxa de juro tendencialmente zero ou negativa, é politicamente superado e o BCE pode agora impor à economia as taxas que desejar com a condição de remunerar os bancos privados com essa mesma taxa.   


Teria havido alternativa? Sim, teria havido alternativa e, para o futuro, continua a haver

Quem deve, afinal, explicações ao país? 

Os bancos que, previamente libertados de quaisquer exigências de bem comum, se aproveitam das condições da política monetária? 

O BCE que, com uma pós democrática total discricionariedade, decide esta política? 

Os sucessivos governos que aceitaram a delegação da política monetária em entidades externas pretensamente independentes?

E Centeno? Nas opacas reuniões do BCE, opôs-se a este estado de coisas? Ou não? É ouvido pelo seus pares? Ou não? 

Afinal quem deve explicações? Inegável, parece-me, é que o país a elas tem direito. Nada disto é natural. Tudo foi politicamente decidido por ação e inação dos atores envolvidos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente post. É a política monetária neoliberal da UE explicada às criancinhas. E também, já agora, ao Cotrim e ao Bugalho, embora se saiba que são calinas, gostam da balda e não se importam com as malfeitorias que o BCE inflige nas periferias. De caminho, pergunte-se ao PS se continua tranquilo com o seu Centeno e a dormir bem.