quinta-feira, 3 de agosto de 2023

A política monetária não pode estar subordinada aos bancos


O Banco Central Europeu, na mesma reunião do dia 27 de Junho em que anunciou mais um, errado, aumento das taxas de juro, nuns adicionais 0,25%, anunciou também que vai, e bem, deixar de pagar aos bancos o dinheiro que estes são obrigados a manter na instituição sob a forma de reservas obrigatórias. 

Até esta sua decisão de ‘fixar a remuneração das reservas mínimas obrigatórias em 0%’ o BCE estava, por sua própria deliberação, obrigado a pagar por aquelas reservas o valor da taxa de juro da ‘facilidade permanente de depósito’, taxa esta que agora subiu para 3,75%.

Como em Junho passado o valor agregado daquelas reservas obrigatórias totalizava cerca de 165 mil milhões de euros, na ausência desta última medida, o erário público seria onerado com um custo anual em juros de cerca de 6,2 mil milhões de euros. Valor este que agora não engorda injustificadamente a banca privada. 

Contudo, o que os dois comunicados do BCE não dizem, mas nem por isso é menos verdade, ou menos importante, pelo contrário, é que em Junho passado o total das reservas, obrigatórias e não obrigatórias, totalizava 4,343 biliões de euros (29% do PIB nominal da zona euro) e que, assim sendo, as reservas não obrigatórias, obtidas pela diferença entre estas e as obrigatórias, atingem os 4,178 biliões. 

Reservas não obrigatórias que continuam a ser remuneradas, agora a 3,75%, o que significa que a banca comercial vai continuar a  apropriar-se do privilégio e monopólio soberano que representa a emissão monetária e que, assim, durante o próximo ano, se as taxas de juro não subirem, se fará remunerar nuns singelos 156,7 mil milhões de euros (valor que representa o equivalente ao extraordinário montante de 65% do PIB nominal de Portugal em 2022) por reservas que lhe foram previamente cedidas pelo BCE a taxas de juro que chegaram a atingir valores negativos. 

Neste contexto, surgem-me duas questões maiores. 

A primeira delas concerne ao calendário. Se agora é possível não remunerar reservas obrigatórias, por que razão o BCE esteve anteriormente a fazê-lo? 

A segunda questão está relacionada com o montante historicamente muito baixo das reservas obrigatórias - 1% do valor ‘de passivos específicos, principalmente depósitos de clientes’ -, valor este que em Portugal, por exemplo, antes do euro se situava nos 19%. 

Assim sendo, pergunto, o que impede o BCE de subir o nível de reservas obrigatórias dos atuais 1% para 26,3%, o que tornaria obrigatório o total das reservas atualmente em circulação, medida esta que não impediria o BCE de continuar a sua errada política de subida da taxa de juro mas que, pelo menos, colocaria um fim a esta pérfida e injustificada transferência de recursos públicos para o setor financeiro? Medida esta, sublinhe-se, que teria como efeito adicional obrigar a banca comercial a disputar depósitos de clientes e, assim, a subir a taxa de juro miserável que atualmente oferece por eles. 

Relativamente às duas questões que coloco, avanço uma explicação.

Este verdadeiro assalto ao interesse comum só é possível porque o BCE, uma instituição pública que goza de total discricionariedade para implementar políticas e, se necessário for, para o fazer ao arrepio da decisão democrática e sobrepondo-se a ela, se encontra capturado por interesses privados.   
 

1 comentário:

Anónimo disse...

A pergunta que se deve fazer é porque é que os políticos eleitos não se preocupam com a ditadura financeira instituída e na mesma linha devemos também de pensar sobre a falta de dignidade dos cidadãos desta Europa do Euro. Atenção que a normalização desta realidade abjecta é também da responsabilidade da esquerda, desde a mais instruída até à menos preparada.