segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Querido diário - Universidades de jovens calados

Público, 2023/8/28

Público, 2013/8/28

Várias leituras sobressaem destes dois cartoons separados por dez anos. A primeira, é que pouco mudou na cabeça do cartoonista quanto à forma como vê as "universidades de verão". Na verdade, trata-se de eventos sem relevo, uma forma de marcar a agenda mediática quando há pouco na agenda para marcar. E por isso os jovens que lá vão, também pouco têm a aprender. E pouco querem discutir.

Mas até parece que não há problemas juvenis bem reais, a discutir, nomeadamente com os convidados destas "universidades de verão", porque foram precisamente aqueles que estiveram na base das políticas que resultaram nos valores abaixo desenhados: 

Fonte: Dados estimados com base em Quadros de Pessoal (MTSSS); INE, IPC

Resumindo:

1. Nota prévia: os valores de cada ano foram actualizados aos valores de 2021, com base no IPC. 

2. A remuneração base média dos trabalhadores em Portugal subiu, em 14 anos (de 2007 a 2021) cerca de 7,8%. Ou seja, a um ritmo anual de 0,6%. Passou de 1004 euros em 2007 para 1082 euros em 2021. A remuneração base dos jovens entre 18 e 24 anos subiu 21,8%, muito influenciada pela valorização do salário mínimo nacional (SMN). Mesmo assim, a subida salarial correspondeu a um ritmo anual de 1,6%. Passou de 656 euros em 2007 para 799 euros em 2021. Já para os jovens de idades entre 25 e 34 anos subiu 6,7% em 14 anos, ou seja, a um ritmo anual de 0,5%. Passou de 934 euros em 2007 para 997 euros em 2021. 

Por outras palavras, a retribuição salarial pouco tem crescido. 

Primeiro, porque houve um período de política ostensiva de desvalorização salarial - durante o mandato PSD/CDS (2011/2014). Depois, por se seguiu um outro período de governo PS, de alguma valorização salarial, mas sobretudo fruto da subida do SMN, mas em que se mantiveram de pé muitos dos pilares da política de desvalorização salarial. Tudo isso fez com que os salários pouco tivessem ultrapassado os níveis pré-crise de 2007/8. 

3. O ganho médio dos trabalhadores em Portugal - ou seja, o conjunto das retribuições salariais, incluindo o pagamento por horas extraordinárias - subiu, em 14 anos (de 2007 a 2021) cerca de 7,8%. Ou seja, a um ritmo anual de 0,6%. Passou de 1200 euros em 2007 para 1294 euros em 2021. Para os jovens entre 18 e 24 anos, subiu 22,3%, ou seja a um ritmo anual de 1,6%. Passou de 776 euros em 2007 para 948 euros em 2021. Quanto aos jovens com idades entre 25 e 34 anos já só subiu 6,8% em 14 anos, ou seja, a um ritmo anual de 0,5%. Passou de 1109 euros em 2007 para 1182 euros em 2021. 

4. Por outras palavras, a retribuição salarial pouco tem crescido. E se os mais jovens foram mais favorecidos, foi apenas por que estão na cauda da distribuição salarial. 

5. E assinale-se que, em 2022, a situação se degradou, já que a evolução salarial foi contida, supostamente para não gerar uma "espiral inflacionista". Dada a sintomia de posições neste aspecto entre o PS e PSD,  o panorama não é de molde a sossegar os jovens. 

6. Por outro lado, a desigualdade salarial - de género - que existe para a generalidade dos trabalhadores nacionais, também se verifica entre os jovens, ainda que de forma mais atenuada. Na média nacional, os homens ganharam em 2007 mais 29% do que as mulheres; mas essa diferença desceu para 19% em 2021. Para os jovens entre 18 e 24 anos, a diferença era de quase 10% em 2007 e passou para 6,9% em 2021. E degradou-se para os jovens entre 25 e 34 anos - passou de 15,3% em  2007 para 10,9% em 2021. A perspectiva, pelos vistos, é a de - à medida que envelhecem - as mulheres serem cada vez mais exploradas. 

Por outras palavras: por que será que os jovens do PS e do PSD não se questionam e não discutem estes temas nas "universidades de verão"? Ou será - como parece dizer o bartoon - que se trata de universidades para jovens calados?   
   


3 comentários:

Anónimo disse...

Mas como é que os salários podem crescer de maneira significativa se - como o próprio blog tem dito - desde 2000/2001, com o euro, que o país está estagnado?
É, claro, há sempre a possibilidade de reajustar o tamanho das fatias do bolo. Só que se este não cresce as opções são sempre limitadas.

Óscar Pereira disse...

Caro anónimo das 08:23,

Não é o crescimento económico que está estagnado, mas sim o crescimento salarial, *precisamente* porque o último não acompanha o primeiro! Ou utilizando a sua analogia, o bolo cresce, mas há uma fatia -- salários -- que continua sempre igual...

http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2023/07/a-serio-professor-ricardo-reis.html

http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2023/07/lembrete-economico.html

TINA's Nemesis disse...

Os jovens que frequentam as “universidades de verão” sabem que vivem numa sociedade do vale tudo e salve-se quem puder, os chico-espertos não querem ter uma vida de sacrifícios e sofrimento.
Um jovem “comum” que não nasceu herdeiro se não quer ter uma vida de sacrifício e sofrimento, logicamente olha para a sociedade e identifica as opções que lhe permitam ter uma vida sem sacrifício e sofrimento.
O veraneante jovem universitário não se entretém com opções palermas como uma carreira profissional comum, isso é para os palermas sem visão que gostam de ser abusados.
O jovem formatado na universidade de verão do partido olha para os grandes exemplos de sucesso do alpinismo social, como António Costa, e pensa “Eu também quero ter várias casas e até um apartamento de luxo com piscina”, o jovem universitário de verão sabe que não se tornará num player do imobiliário com um empregozito mixuruca.
Claro que o jovem da universidade de verão do partido sabe que tem que servir os interesses da classe dominante para escapar a uma vida de sacrifício, sofrimento e abusos.

Gostavam que Portugal fosse um país onde o trabalho é valorizado e o florescimento humano uma possibilidade real? Então vamos ter que acabar com as “universidades de verão”...