terça-feira, 1 de agosto de 2023

Querido diário - Auf wiedersehen 3

Público, 3/7/2013

Curiosa coincidência. 

No mesmo dia em que se noticiava a crise política gerada pela demissão de Paulo Portas - supostamente motivada pela substituição de Vítor Gaspar por Maria Luís Albuquerque, então secretária de Estado do Tesouro e das Finanças - o mesmo jornal referia outro fracasso deste ideário “todo o poder aos mercados”. 

A então recém-nomeada Maria Luís Albuquerque é apanhada em contrapé. 

Tinham passado dois anos de mandato do Governo PSD/CDS. Tinha havido um “resgate” da troica à banca portuguesa pago pelos trabalhadores e pensionistas. O Banco de Portugal “governado” por Carlos Costa ia deixando Ricardo Salgado à solta a gerir o maior banco privado nacional BES - que por sinal não aceitara o referido “resgate” da troica -  e a fazer transferências de milhões para offshores, não detectadas pela Autoridade Tributária (ver esta cronologia, nomeadamente sobre o que se passou no verão de 2013, numa saga que ainda terminará com o reforço do Santander, como sonham o BCE e a Comissão Europeia). Mas em 2013, o Governo ainda decide algo polémico. Negoceia com a banca e paga-lhe um conjunto de swaps contratados por empresas públicas no passado, transformando perdas potenciais em perdas efectivas. Tudo no valor de 1.000 milhões de euros em favor da banca. 

Os contratos swaps são usados como compensação de riscos financeiros de um dado contrato original, podendo integrar uma arriscada componente especulativa. São um tipo de produtos de financeirização das actividades económicas, fruto de um quadro ideológico europeu e nacional anti-Estado, marcado pela teoria (neo)liberal que impregnou as leis nacionais: os Estados passaram a estar proibidos de financiar as suas empresas - supostamente para não desvirtuar a concorrência com o sector privado -, obrigando-as a pagar custos financeiros mais elevados à banca ou aos mercados internacionais. E nem sempre isento de risco. 

Em Portugal, este quadro teórico foi abraçado pelo PS e pela direita desde a década de 90. E por isso os seus falhanços permitem a esses partidos culpar-se, ora uns ora outros, sem nunca ir à raiz da questão. Em Maio de 2013, PSD e o CDS decidem transformar o tema dos swaps numa arma contra o PS. E votam a criação de uma comissão parlamentar de inquérito, sobre a celebração de contratos e gestão de risco financeiro por empresas do sector público.

Em causa na CPI, um conjunto de 126 contratos swap com responsabilidades potenciais de 3 mil milhões de euros (a 31/12/2012). A ideia é provar que o Governo Sócrates deveria ter feito alguma coisa para anular estes riscos e nada fez.

Como se escrevia no pedido de inquérito assinado pelos deputados do PSD (com Luís Montenegro à cabeça) e do CDS, “face aos riscos concretos de essas responsabilidades potenciais se tornarem efetivas, foi também oficialmente divulgado que o Governo determinou ao Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP), durante o ano de 2012, uma análise aprofundada a estes contratos de derivados financeiros, na qual terão sido detetadas situações de natureza claramente especulativa e/ou contratualmente desequilibradas que antecipam grave lesão para o erário público”.  

Mas os trabalhos da CPI criam mais dores de cabeça ao Governo. 

Maria Luís Albuquerque gera polémica. Primeiro, porque para mostrar que fizera algo sobre o tema, acabou por assumir perdas de mil milhões de euros em favor da banca. Depois, prometeu que o que fizera, protegera o Estado e que os ganhos potenciais compensariam as perdas potenciais, mas a informação disponibilizada pelo IGCP à CPI mostrou que as perdas se elevaram em mais 300 milhões de euros (ver notícia em cima). Finalmente, porque deixou no ar que o Governo anterior nada lhe dissera sobre os riscos potenciais dos swaps, o que foi desmentido pelo anterior secretário de Estado Carlos Costa Pina: em Julho de 2011, um mês após a posse da secretária de Estado, toda a informação fora passada, com números empresa a empresa e onde se identificava as perdas potenciais dos contratos swap e que muito poderia ter sido feito desde 2011

“Sabe-se agora que, no próprio dia em que tomou posse, 28/6/2011, a então secretária de Estado do Tesouro e Finanças tratou do tema em encontro com o director-geral do Tesouro e Finanças que, logo no dia seguinte, lhe deu a primeira informação solicitada sobre a matéria”, afirmou semanas mais tarde o deputado Carlos Zorrinho. “Tais factos demonstram à evidência que Maria Luís Albuquerque procedeu com reserva mental ao acusar o Governo anterior de nada ter feito, mas essa evidência é ainda mais agravada face ao seu procedimento posterior”, sustentava o PS. Além disso, o PS argumentava que Maria Luís Albuquerque “determinou à Direcção-Geral de Tesouro e Finanças que nada fizesse para fazer face às perdas potenciais reveladas, tal como veio a rejeitar uma proposta de actuação da nova directora-geral do Tesouro e Finanças, levando mais um ano a criar condições para que o IGCP pudesse intervir na matéria dos swaps”. Além disso, como directora financeira da REFER, tinha sido "responsável pela contratação de swaps na REFER e que, enquanto funcionária do IGCP, em Maio de 2011, quando já era candidata a deputada pelo PSD, se intrometera nas competências da DG Tesouro e Finanças junto de empresas públicas, à revelia e qualquer orientação que lhe tivesse sido dada. Os socialistas consideram que Maria Luís Albuquerque “construiu uma monumental mentira” ao ter afirmado que, na transição de pastas do Governo anterior para o actual, não lhe foi passado qualquer documento sobre os contratos de risco financeiro swap.

Como referia o Público: 

A ministra nunca disse que não tinha sido informada sobre o caso dos swaps, quando chegou ao Governo. E também nunca negou ter tido acesso ao valor das perdas potenciais acumuladas. À excepção da polémica empolada em redor da pasta de transição, a grande contradição da actual ministra das Finanças assenta no conhecimento que tinha sobre os riscos destes produtos. É que, ao contrário do que garantiu, foi alertada logo em Julho de 2011 para a existência de cláusulas de reembolso antecipado que implicariam pagamentos imediatos aos bancos. O PCP voltou na quinta-feira a chamá-la de urgência ao Parlamento. Só por si, os emails trocados entre 29 de Junho e 1 de Agosto de 2011 com o antigo director-geral do Tesouro não desmentem Maria Luís Albuquerque, visto que esta nunca negou a sua existência. Mas o facto de incluírem uma descrição dos swaps, com referência às tais opções de cancelamento unilateral por parte das instituições financeiras, contraria parte da sua versão desta história. Maria Luís Albuquerque foi sempre muito cuidadosa com as palavras. Sempre disse que o tema dos swaps não constava na pasta de transição que trocou com o ex-secretário de Estado do Tesouro Carlos Costa Pina. Versão que o próprio desmente, mas não há como determinar qual a versão verdadeira, porque se encontraram sem testemunhas. A ministra não mentiu, mas omitiu o facto de ter estado reunida e de ter trocado emails com o ex-director do Tesouro. 

A contradição de Maria Luís Albuquerque em CPI levaria o PS, Bloco de Esquerda e PCP a pedir a demissão da recém-empossada ministra. Mas não se demitiu. Apesar da polémica gerada em torno da verdade e da mentira, Passos Coelho defendeu-a e Montenegro apoiou essa decisão. 

Nada como um bom começo.


3 comentários:

Anónimo disse...

tenho uma questão aos autores do blog:
confirma-se a lei da redução da taxa de lucro global, de Marx?
confirma-se o que afirma Michael Roberts? https://www.resistir.info/m_roberts/t_lucro_22jan22.html
Obrigado

Anónimo disse...

Era interessante escalpelizar os contratos de swap celebrados com o Santander. Em causa estão nove contratos de 'swap' celebrados entre o Santander Totta e o Metropolitano de Lisboa, Carris, Metro do Porto e STCP, que, no início de 2013, seguindo orientações do Ministério das Finanças, as empresas públicas decidiram considerar inválidos, suspendendo os pagamentos previstos. Por incompetência da ex ministra das finanças Mª Luís Albuquerque que recusou o acordo proposto pelo Santander, acordo entretanto conseguido pelo governo da geringonça, é igual ao que foi proposto pelo banco ao anterior governo, mas a recusa em aceitar este acordo logo que ele foi proposto acrescenta custos de cerca de 500 milhões de euros. O Estado terá que pagar ao banco cerca de 1,7 mil milhões de euros mas a República receberá um empréstimo em condições bastante favoráveis.E repare-se, enquanto a banca em Portugal acumulou prejuízos enormíssimos ao longo dos últimos anos, o Santander foi o único banco a apresentar lucros sucessivos, quiçá à custa dos nossos impostos como facilmente se pode depreender.

Anónimo disse...

Mais barato que a TAP