Vou cada vez mais frequentemente ao Douro, olho para as paisagens de cortar a respiração, que passam a correr de comboio ou de carro, paro, ganho fôlego, caminho e vou tentando ver e saber o que se passa numa região com desigualdades tão cavadas como os seus vales, inscritas nos corpos dos que a fizeram e fazem, dos que lá vivem, trabalham e criam tudo o que ali tem valor, dos que escreveram o tal “poema geológico” de que falou Torga.
Infelizmente, há jornalistas que por lá andam, mas que só olham para a classe dominante, como aqui já se denunciou. Isso é também visível em títulos recentes de dois jornais, que parecem refletir persistentes linhas editoriais de classe (como faz falta um jornalismo laboral): “Falta de trabalhadores perturba arranque da vindima no Douro” (Público) e “Falta de trabalhadores para a vindima é problema que se agrava no Douro” (DN). Proponho títulos mais rigorosos: falta de aumentos salariais perturba arranque da vindima no Douro e falta de salários decentes é problema que se agrava no Douro, por exemplo.
A vindima tem lugar cada vez mais cedo: “o atípico está a tornar-se normal” por obra e desgraça das alterações climáticas, do capitaloceno. “Fim do mundo, fim do mês”, isto anda mesmo tudo ligado na economia tão moral quanto política.
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