Público, 17/8/2013 |
Há dez anos, Pedro Passos Coelho foi à festa do Pontal para, aliviando-se “de um emaranhado de frases sem ordem, sem clareza e sem gramática” (Vasco Pulido Valente dixit, Público, 18/8/2013), pressionar o Tribunal Constitucional.
“Qualquer decisão constitucional não afectará simplesmente o Governo. Afectará o país. Esses riscos existem, eu tenho que ser transparente. Se esse risco se concretizar [o TC declarar a requalificação inconstitucional] alguns dos objectivos terão que andar para trás.”
Em causa, estavam diplomas para a requalificação/despedimento dos funcionários públicos e a perspectiva seria - como se imagina - não uma expansão do funcionalismo, com vista à prestação de melhores serviços públicos, mas a sua contracção - mesmo sem qualquer reforma do Estado (que Paulo Portas não conseguira mostrar) - visando apenas a estrita redução do défice orçamental.
Interessante verificar que, dez anos passados, o PSD - desta vez chefiados pelo então líder da bancada parlamentar de Passos Coelho - tenha gritado, na mesma festa do Pontal, contra os maus serviços públicos prestados apesar da dita elevada carga fiscal. Só faltou Montenegro defender - e imagina-se por que não o fez - que essa melhoria seria conseguida com uma redução do número de funcionários públicos. Não, o discurso agora é outro. Visa reduzir a carga fiscal, para se obter uma menor arrecadação de impostos que, por sua vez, levará a prazo... a uma redução da Função Pública.
Há dez anos e apesar dos abraços da praxe no local, Passos Coelho não convenceu. Eis o editorial do Público de há dez anos que reflecte essa descrença em Passos Coelho.
Público, 18/8/2013 |
E não convenceu, primeiro, porque trazia consigo um historial de incongruências e de previsões falhadas. Não por qualquer erro técnico, mas fruto de um grave erro teórico-político: o de pensar que a austeridade teria um efeito positivo e rendentor na actividade económica.
Público, 17/8/2013 |
Depois, porque o discurso de Passos Coelho reflecte a cabeça perdida de alguém que, apesar de ter cometido esse grave erro, cegamente, nem se apercebe que o cometeu. No fundo, não se apercebeu do hiato que vai entre uma teoria económica neoliberal montada com um fim - o da concentração da riqueza em alguns - e o discurso político subjacente - o de conseguir-se a prosperidade para todos (como se a riqueza de alguns transbordasse, a prazo, para a prosperidade de todos).
Aliás, tal como hoje: não bate certo o programa político da coligação PSD/CDS que sempre visou uma desvalorização salarial - aliás, conseguida! - com o atual discurso da direita e da extrema-direita que, face à realidade de baixos salários, chora e defende uma valorização salarial (embora apenas à custa do Estado). Tal como não bate certo o discurso político do PS que, contraditoriamente, mantém o edifício institucional criado pela direita para conseguir uma desvalorização salarial e, simultanemaente, defende como exaltante uma leve subida do peso dos salários no PIB, num contexto de elevada inflação não compensada por uma subida salarial, a qual redundou numa transferência do Trabalho para o Capital superior à aplicada por Passos Coelho e Paulo Portas no tempo da troica (imprescindível ler aqui o caderno nº18, de Diogo Martins e Vicente Ferreira).
É essa incongruência que talvez explique a atravessia no deserto da direita portuguesa, durante quase dez anos. Talvez seja um aviso para o actual PS. E para o seu eleitorado. E para todos nós.
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