quarta-feira, 29 de maio de 2024
Integração europeia e governação económica: análise e política à esquerda
Como contributo para a reflexão sobre a integração económica europeia, o José Gusmão e eu próprio (declaração de interesses: somos ambos candidatos pelo Bloco de Esquerda a estas eleições, sendo ele eurodeputado desde 2019) escrevemos o seguinte texto em que abordamos a constitucionalização europeia do liberalismo, as regras de governação económica e a arquitetura monetária e financeira da UE.
A integração europeia poderia e deveria ser um processo de cooperação entre iguais, gerador de convergência, de prosperidade partilhada, de erradicação da pobreza e de nivelamento por cima dos direitos sociais e laborais. A realidade, porém, é que a cooptação política e ideológica do projeto de construção europeia pelo neoliberalismo, especialmente a partir do Tratado de Maastricht de 1992, converteu a UE num espaço de divergência entre países e regiões centrais e periféricos, um espaço de erosão de direitos laborais e sociais e de escasso dinamismo económico.
As pressões mais intensas para o aprofundamento da distopia neoliberal têm ocorrido em três grandes domínios: a constitucionalização do liberalismo nas políticas comercial e industrial; a adoção de uma arquitetura financeira não democrática e que asfixia as famílias, empresas e economias mais vulneráveis; e uma camisa-de-forças de regras orçamentais com um viés pró-cíclico e que muito dificulta investimentos críticos em áreas como as respostas à crise da habitação ou à emergência climática.
Ainda assim, a última década demonstrou que muitas regras e constrangimentos que eram apresentados como inexoráveis podem, assim haja vontade política, ser suspensos, contornados ou mesmo derrogados. No contexto da pandemia, foi possível suspender as regras orçamentais do pacto de estabilidade e crescimento e as regras relativas às ajudas de Estado. No âmbito dos programas de compras de ativos iniciados sob a governação de Draghi, o Banco Central Europeu passou a comprar títulos de dívida soberana, contribuindo decisivamente para a queda dos juros pagos pelos Estados e para a sustentabilidade financeira destes últimos. No contexto do Plano de Recuperação e Resiliência – NextGenerationEU, a União Europeia passou a emitir dívida comum, concretizando na prática os eurobonds que durante tanto tempo foram tão categoricamente rejeitados.
O Bloco de Esquerda não tem ilusões quanto ao caráter iníquo e gerador de desigualdades de muitos dos elementos do processo de integração económica europeia tal como tem sido construído nas últimas décadas. Porém, estes elementos são uma realidade em permanente mudança, que pode e deve ser disputada politicamente. A tarefa à nossa frente é a construção de maiorias sociais que permitam abrir mais brechas na muralha neoliberal, dirigindo o projeto europeu no sentido de mais solidariedade, mais justiça social e mais espaço de efetivo desenvolvimento.
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