terça-feira, 2 de julho de 2024

Poligrafar o polígrafo


Na versão inicial da publicação, a 21 de junho, o Polígrafo não tinha dúvidas: a frase proferida por Paulo Núncio na AR, segundo a qual «os socialistas já levaram o país três vezes à bancarrota», correspondia à verdade. Três dias depois, a 24 de junho, e muito provavelmente na sequência de reparos feitos pelos leitores, o Polígrafo corrige, reconhecendo «que um dos pedidos de assistência financeira do Estado Português, em 1983, não pode ser entendido como responsabilidade direta ou causado pelos “socialistas”», uma vez que esse pedido surge «na sequência de três anos de governação da Aliança Democrática». A frase de Paulo Núncio passa assim, e bem - no respeito pela verdade de factos que é suposto o Polígrafo assegurar -, de verdadeira a falsa.

Sucede, porém, que ainda há uma outra correção importante a fazer. A ideia de que foi o então governo socialista que levou o país a recorrer a uma assistência financeira em 2011, longe de ser inevitável, também não colhe, sendo impressionante como esta narrativa - que procura ofuscar a responsabilidade do sistema financeiro pela crise, convertendo-a, em termos de perceção pública, em crise das dívidas soberanas, para legitimar a austeridade -, suportada desde o início na comunicação social por um friso monolítico de economistas dispensados de contraditório, ainda persiste no espaço público.

De facto, como se procurou demonstrar por exemplo neste livro, a crise desencadeada em 2008 com o colapso do subprime nos Estados Unidos assumiu um impacto global, com particular intensidade numa Zona Euro disfuncional, obrigando os Estados a socorrer a banca e a conter os impactos da crise financeira na economia. E se num primeiro momento a Comissão Europeia aprovou um plano orientado para «evitar uma espiral de recessão e apoiar a atividade económica e o emprego», acabaria por impor a adoção de políticas de austeridade (como se a responsabilidade da crise fosse dos Estados), que apenas agravaram os problemas. Que isto ainda não seja hoje claro e cristalino é de facto espantoso. Como é espantoso que se continue a usar o termo bancarrota para descrever as finanças públicas de um Estado, como se este fosse uma empresa. Não é. Pode soberanamente decidir do seu destino em quaisquer circunstâncias. Existe para durar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não é nada cristalino. Sem dúvida, aconselhavam políticas tipo keynesiano - mas não do tipo das que foram feitas, com impacto nas contas públicas por anos e anos.

O que foi feito não foi keynesianismo. Foi socratismo, Lena, Vara e por aí.