terça-feira, 13 de maio de 2008
Especulação, crise alimentar, motins da fome: um debate a não perder
«Só que, desta vez, as fronteiras que desapareceram foram as da decência mínima: se for preciso condenar milhões à fome para obter ganhos na bolsa, não há que hesitar. Sobretudo se esses ganhos forem suficientemente tentadores para o capital financeiro poder compensar as perdas do subprime». José Manuel Pureza em colaboração com o Arrastão. Boaventura de Sousa Santos na Visão da semana passada: «a fome do mundo é a nova grande fonte de lucros do grande capital financeiro e os lucros aumentam na mesma proporção que a fome». O Financial Times de ontem tem um artigo onde se defende que a especulação «terá tendência a ter um papel cada vez maior na subida dos preços. E, claro, mais pessoas nos países pobres passarão fome. É uma situação potencialmente desastrosa e os ricos do mundo devem agir por isso com muita cautela». Por outras palavras: os ricos do mundo deverão moderar os seus ímpetos especulativos. Moderação só se for como resultado de uma decidida intervenção pública que termine com estes excessos. E, no entanto, ainda há quem diga que todos estes processos de mercado são simplesmente naturais e totalmente amorais. Neste preocupante quadro, o debate que a edição portuguesa do Le Monde Diplomatique vai organizar esta semana é muito oportuno: Fernando Nobre (presidente da AMI) e Nuno Teles trocarão umas ideias sobre «especulação, crise alimentar, motins da fome» no Instituto Franco-Português (Av. Luís Bivar, n.º 91, em Lisboa - junto ao Saldanha), dia 14 de Maio, quarta-feira, a partir das 21h30. A não perder.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
22 comentários:
Como muito bem escreveu JMPureza, podem apontar-se várias causas para a subida dos preços: aumento do consumo, más colheitas, especulação financeira para remediar outras perdas, etc. etc. Tudo junto contribuiu para esse aumento.
Afinal, quem acreditou piamente que “o mercado livre tudo resolve”, enganou-se. E foi enganando os outros. Primeiro não é tão livre como isso, veja-se o proteccionismo dos USA em relação à sua agricultura. O “laissez passer” é só para os outros, a revolta das tortillas é noutras paragens.
Por cá, o incentivo à cessação de actividade que tem vindo a ser apregoada pela UE, eliminando a pequena e média propriedade, coloca-nos definitivamente em situação de grande dependência. A grande propriedade também não é sinal de diversidade, bem pelo contrário (Alqueva!).
O emblema do governo?
O Alqueva, que leva a fatia de leão dos fundos comunitários. É bom para tudo o que “gravita” em torno do empreendimento; e muito bom para os proprietários que valorizaram as suas terras, arrecadando simplesmente chorudas mais valias (quem é amigo?) nas suas vendas aos vizinhos.
De circunstância ou não, é curioso o alerta deixado recentemente pelo PR:
“Portugal não deve olhar apenas com simpatia [...] para aqueles segmentos de produção de maiores vantagens", porque "nem sempre a competitividade pode ser o único aferidor do interesse nacional quando se trata de agricultura". E ainda “ é necessário garantir a segurança alimentar em geral e a qualidade e genuinidade dos produtos específicos de cada região”.
João podia me explicar de que maneira os especuladores actuam no caso dos cereais? Por exemplo Dando indicações a Monsanto para que esta retenha em armazem cereais?
Resumindo: quem investe em comida (e meios para a produzir) é culpado pela fome no mundo.
Não anónimo. Aqui não há investimento na “comida” como candidamente se afirma. Simplesmente investido nos mercados de derivados de produtos agrícolas. Instrumentos financeiros que supostamente servem para gerir o risco neste sector, mas que hoje são uma oportunidade para os fundos dos bancos e outras instituições cavalgarem a alta dos preços e assim contribuírem para tornar a sua subida ainda mais acentuada. Até o FMI reconhece isto dados os montantes inusitados envolvidos.
Portanto se eu investir em futuros do trigo (um papel emitido por um banco), impeço o produtor de produzir.
A respeito se a alta dos preços é especulativa ou não:
http://www.nytimes.com/2008/04/21/opinion/21krugman.html?_r=1&oref=slogin
http://krugman.blogs.nytimes.com/2008/04/20/commodities-and-speculation-metallic-evidence/
Oh sousa, a questão não está na produção, como bem sabe, mas sim em quem tem fome. O especulador não impede o produtor de produzir mas pode impedir quem já tem pouco de pôr comida na mesa.
Não que eu espere que isso o comova. Não escrevo para tentar argumentar consigo. É mais para tentar compensar o ruído...
"O especulador não impede o produtor de produzir mas pode impedir quem já tem pouco de pôr comida na mesa."
Pode, se ele estiver a especular com produtos "reais" - se o especulador comprar umas toneladas de trigo para revender mais tarde, efectivamente faz subir o preço.
Mas, ao que parece, os especuladores estão é a especular com produtos derivados, o que, à partida, não vejo como afecta os preços reais da comida.
Este artigo é sobre o petróleo, mas acho que o raciocinio se aplica exactamente da mesma maneira aos alimentos:
http://krugman.blogs.nytimes.com/2008/05/13/more-on-oil-and-speculation/
Agora já vendem a história de outra forma: como há falta é proibido comprar e guardar, pois isso é moralmente errado. Mais: quem compra e produz fa-lo em detrimento de quem não compra nem produz. Os primeiros são responsáveis pela fome dos segundos.
Lá me consigo surpreender com o que leio por aqui.
"Mais: quem compra e produz "
Quém é que, nesta caixa de comentários, está a falar de "quem produz"?
Que falta de raciocínio indutivo. Realmente temos uma geração escola-à-la-Maria-de-lurdes-rodrigues.
Texto: A Maria foi à quinta da avó. Enquanto ela lá estava, mugia as vacas.
Pergunta de interpretação de texto: o que é que a Maria fazia enquanto estava na quinta da avó?
Não se pode pedir mais que isto aos meninos. Pedi-los para inferir que os accionistas são donos da empresa que produz, e logo produtores é um poder de abstracção que os transcede.
Pelo raciocinio do Sousa, qualquer day trader é produtor, nem que seja durante uns minutos enquanto compra e vende, na mesma medida em que alguém que trabalha a terra.
E as questões morais devem sempre ficar de fora, independente de haver sofrimento ou morte que podiam ser evitados.
"o que é que a Maria fazia enquanto estava na quinta da avó?"
Talvez olhasse para a avó a mugir as vacas (o texto de FMS não é lá muito claro sobre quem é o "ela")
"Pedi-los para inferir que os accionistas são donos da empresa que produz"
Mas quem é que está a falar dos acionistas das empresas agricolas?
Eu não duvido da especulação, eu queria era perceber melhor e explicar as pessoas de que maneira é feita a especulação. Por exemplo farinha é um derivado agricola, e como é que os investidores contribuem para a subida dos preços da farinha? Comprando acções? Como? Quero apenas ficar esclarecido.
"Eu não duvido da especulação"
Eu duvido - acho que a única maneira da especulação fazer subir o preço da farinha era comprando e armazenando farinha, o que parece não estar a acontecer.
Miguel Madeira,
também me parece que é um factor mal explicado, mas que colocado de lado parece deixar no vazio o papel dos fundos de commodities que, de acordo com alguns autores que presumo bem informados e insuspeitos (Bloomberg citada por William Pfaff) sofreram um "frenezim" de procura no mercado de investimentos, lá por Fevereiro.
"acho que a única maneira da especulação fazer subir o preço da farinha era comprando e armazenando farinha"
Não percebo porque é que está a deixar de fora os derivados. A pressão compradora ao criar a bolha não faz subir os preços dos produtos sobre os quais incide esse mesmo derivado??
"Mas, ao que parece, os especuladores estão é a especular com produtos derivados, o que, à partida, não vejo como afecta os preços reais da comida."
Os agentes que actuam neste mercado gostam de proteger as suas posições, e isso faz parte do risco que se reflecte no preço dos bens alimentares. Mantendo-se tudo o resto constante, um aumento da procura desses instrumentos de protecção faz aumentar o seu preço. O Aumento do preço desses instrumentos de protecção reflecte-se nos custos, e por sua vez, no preço final dos bens.
A especulação é óbvia, é ridículo tentar negá-lo, se o próprio sector produtivo especula imagine-se o sector financeiro (não produtivo).
Quantos de nós tem a informação rigorosa sobre o custo de produção de algo que compramos? Se nem aí existe transparência, porque havíamos de acreditar que num mercado onde o segredo é a chave do negócio haveria de haver transparência.
Eu tenho uma leitura simples sobre isto, para mim o mercado actual divide-se em dois grupos genéricos que são os bens/serviços essenciais e os bens/serviços acessórios. A especulação na realidade detesta o risco e é por isso mesmo que especula sobre fontes seguras, sobre os bens essenciais. O petróleo é fonte segura dado que empresas e consumidores tem já uma relação dependente sobre os mesmos, os cereais parecem ser o petróleo do futuro, o mercado financeiro domina o produtivo porque tem os bens essenciais cativos. A eclosão dos biocombustíveis alertou os especuladores para um negócio seguro do presente, o negócio é tão seguro que apresenta duas fontes seguras num só mercado...alimentação e energia.
Ressalve-se no entanto que me parece que é imperial e factor decisivo para a especulação a entrada dos biocombustíveis no mercado.
Repare-se que a especulação não é sobre o pão, não é sobre os biocombustíveis...é sobre as matérias primas em si. O mercado especulativo não tem interesse nenhum em produzir ou contribuir para a sociedade com o quer que seja, o objectivo é dominar a matéria prima, semelhante raciocínio pode-se exercer sobre o petróleo.
Quando se fala no "mercado livre" quase sempre se faz tábua rasa de ser esse mesmo mercado que é complacente com o aprisionamento do sector produtivo perante o controlo dos sectores estratégicos. O "mercado livre" mais do que um mito, é uma farsa, porque na realidade serve-se da captura de sectores estratégicos para controlar preços e controlar outros sectores do mercado. Os verdadeiros "liberais" nunca poderiam ser complacentes com este tipo de negócios, relembre-se que o liberalismo é contra o monopólio e defende a competição como mecanismo de manter os preços baixos para o consumidor.
Se não existisse especulação, o preço do arroz (ou doutro produto agricula qualquer)seria aquele em que a produção para venda fosse igual à procura para consumo.
Se a especulação fizesse o preço de mercado ser mais alto que isso, em principio isso faria que a procura para consumo fosse menor que a produção, logo originaria acumulação de stocks.
Assim, para ver se está a haver especulação ou não, é ver se os stocks de arroz (ou do produto agricola que estivermos a analisar) estão a subir (é sinal que há especulação) ou a descer (é sinal que não há).
A minha duvida é se o mercado de commodities uma vez alvo de inusitada atenção dos especuladores financeiros, não subverte essa lógica. Questão de resto levantada nos comentários aos textos de Krugman.
Eu estou longe de ser um entendido. A lógica estrita produção> armazenamento>consumo é clara, mas suspeito que nos dias de hoje uma colheita pode ser comprada e vendida várias vezes, com mais valias para intermediários, sem nunca sair sequer do campo, quanto mais ter que esperar em armazém.
Sem querer ser chato:
http://www.williampfaff.com/modules/news/article.php?storyid=314
Enviar um comentário