A iniciativa do Banco Alimentar contra a Fome revela a extensão da pobreza, das escolhas trágicas e das desigualdades em Portugal. Neste contexto, o Banco Alimentar tem méritos assinaláveis: (1) mobiliza a disposição cooperativa de muitos, esse activo social potencial que é a base da acção colectiva imprescindível para construir uma sociedade decente; (2) mais importante, serve como mecanismo de provisão de bens alimentares a muitos que a eles não conseguem aceder (a exclusão pelo preço).
Há quem acredite que pode ser parte da solução para os problemas estruturais da pobreza e das desigualdades em Portugal. Por exemplo, Paulo Ferreira do Público, cuja análise sobre este assunto já aqui critiquei, afirma: «aqui está um exemplo de como a sociedade civil pode fazer tanto como o Estado por quem mais precisa». Isto é apenas uma perigosa ilusão. Julgo aliás que uma perspectiva demasiado entusiástica só pode conduzir a frustrações desmobilizadoras.
Vale a pena assinalar algumas limitações destas iniciativas: (1) são um paliativo, necessariamente tosco e incompleto, dada a sua natureza descentralizada e voluntária, revelando as fracturas sociais da nossa perniciosa variedade de capitalismo sem as poder superar (aliás os seus mais lúcidos activistas, é o caso Fernando Nobre, fazem questão de o assinalar quando defendem um Estado Social robusto); (2) a sua visibilidade mediática tende a alimentar um discurso demagógico que acha que a caridade pode ter a eficácia de uma política social de combate à pobreza assente em intervenções públicas bem organizadas e coordenadas que, no quadro de direitos de cidadania politicamente reconhecidos, mobilizem as competências e os recursos necessários.
Na realidade, o problema não está nas iniciativas da sociedade civil, mas nos discursos que as parasitam. Seja como for é sempre bom relembrar que os países mais bem sucedidos no combate à pobreza e às desigualdades (as duas coisas estão intimamente ligadas) são países com Estados fortes e políticas económicas e sociais bem afinadas que tenderam a eliminar a necessidade da caridade. Num certo sentido, ela é mais parte do problema do que da verdadeira solução.
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14 comentários:
Tive sempre dificuldade em compreender a caridade, a ocasionalidade de uma esmola, toda esta gente com os saquinhos à porta dos supermercados a fazerem boas acções.
«os países mais bem sucedidos no combate à pobreza e às desigualdades (as duas coisas estão intimamente ligadas) são países com Estados fortes e políticas económicas e sociais bem afinadas que tenderam a eliminar a necessidade da caridade.»
Muito gostam vocês da Coreia do Norte, pá!
Até são do Norte, mas nada têm que ver com a Coreia.
Os liberais gostam de se fazer de burros.
A verdade é que é uma estratégia que vai dando os seus frutos. Na nossa triste cultura o "boquista" da turma sempre foi mais popular do que o melhor aluno...
Ficámos sem argumentos foi? Até me espanta.
Aqui está uma análise lúcida acerca do problema da caridadezinha que merecia maior aprofundamento. É SÓ para manifestar a minha concordãncia global com a análise que faz e exortá-lo a aprofundar o assunto.
Tarzan: Chamar à colação a Coreia do Norte é apenas, ABSURDO
Dinis,
é um ABSURDO (é a gritar?) porque?...
Estes socialistas hoje estão muito mal-dispostos. Estão muito hostis.
Hoje faço questão de lhe deixar aqui manifesta a minha completa concordância com o que escreveu, caro João.
A caridade é um pobre e infelizmente necessário substituto da dignidade.
Tarzan,
É claro que não é a gritar. As evidências dizem-se baixinho...ganham loco eco por sí próprias. Só respondo porque também não gosto de maiúsculas, peço desculpa...
Cumprimentos
Dinis e bolonhado são uma e a mesma pessoa!
"Ficámos sem argumentos foi?"
Argumentos Tarzan? Não me pareceu que estivesse muito preocupado com isso.
Ou só quem não é liberal está obrigado a tal?
Invocar a Coreia do Norte neste contexto tem o mesmo valor argumentativo que escrever "pró caralho!", se os donos do blogue me perdoam o vernáculo.
Estou a ver que escrever "Coreia do Norte" nos comentários deste blogue é como escrever "Inquisição" nos de um blogue da Opus Dei.
Mas desculpai-me o sacrilégio.
Passo a explicitar a minha provocação, uma vez que não entenderam o que a mim me parece evidente. Se há exemplo supremo de um Estado forte com "políticas económicas e sociais bem afinadas" é a C... aquele país a Norte da Coreia do Sul. Logo, isso invalida que Estado forte e omnisciente seja a solução. É preciso algo mais. Ou algo menos...
Deixar as pessoas a passar fome talvez tornasse o problema mais evidente e poderia proporcionar leis mais justas no futuro.
Tarzan, é claro que era uma provocação. Mas argumentos, ainda népia. Porque não encontrará por aqui ou por onde houver gente com dois dedos de testa, quem considere a Coreia do Norte como modelo seja lá do que for.
Há suficientes exemplos de Democracias(!) com estados fortes (não confundir força com autoritarismo, já agora, obrigado) e politicas sociais afinadas.
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