87% na Alemanha, 80% na China, 78% nos EUA, 76% em Espanha. Maiorias esmagadoras afirmam: a desigualdade de rendimentos atingiu níveis excessivos. Sondagem internacional do Financial Times. O consenso é claro noutra área: a progressividade dos impostos deve aumentar. O FT sublinha os resultados para os EUA, país habitualmente mais tolerante em relação à desigualdade. Questão de preferências dizem os economistas ortodoxos. Ou de mitos. É o caso da suposta mobilidade social alimentada pelo sonho americano.
A opinião ainda pesa na condução dos assuntos humanos. E a opinião pública norte-americana parece estar a mudar. A realidade tem muita força. Um detalhado estudo do Economic Policy Institute acaba de revelar que o rendimento dos 20% mais pobres decaiu 2,5% desde o final dos anos noventa. Pauperização absoluta. O rendimento dos 20% mais ricos aumentou 9,1%. E isto está subestimado pelo facto de não terem sido contabilizados os ganhos de capital. O brutal aumento das desigualdades salariais dá um contributo de peso para este padrão. As instituições contam. Está tudo aqui. Com análises regionais detalhadas e propostas politicas sensatas de ruptura.
E em Portugal? Temos alguns bons estudos sobre pobreza e desigualdade. Mas precisamos de muitos mais. Estudos que analisem o papel da «neoliberalização» progressiva do país na consolidação e reforço de uma imensa fractura social. Estudos que mostrem como as desigualdades têm impacto em todas as dimensões que importam. Até na morte ou na dor. Estudos que mostrem como as desigualdades condicionam o desenvolvimento dos indivíduos desde muito cedo e como moldam as oportunidades que lhes estão abertas. Estudos que sejam acompanhados, em cada uma das áreas, por propostas políticas robustas. Um trabalho colectivo com fôlego. Não consigo imaginar tópico mais importante para a economia política como teoria social.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
17 comentários:
Vale a pena referir o peso que assume nesta escalada das desigualdades a erosão das "instituições partilhadas", correspondentes aos serviços públicos essenciais. No princípio dos anos 90, um tribunal Norueguês ainda considerava legítimo proibir a abertura de um hospital privado com o argumento de que «pobres e ricos devem frequentar os mesmos hospitais», sob pena de estes se transformarem em instrumentos de um assistencialismo pauperista. Entretanto, uma tal posição de princípio não só ultrapassou o foro da heresia, como se tornou mesmo sinónimo de pura estolidez para o pensamento dominante. Contudo, trata-se apenas de uma consideração de bom senso e de elementar justiça social perfeitamente sustentável, em termos jurídicos. Hoje, porém, uma equívoca proclamação da liberdade individual no plano do «ter», como se a autonomia humana se resolvesse no poder de escolher e comprar produtos detido pelo homo oeconomicus (ou consumericus, como diz agora o Lipovetsky), inquinou por completo qualquer proposta de solidariedade pública e minimamente coactiva, seja através de subvenções, seja sobretudo através da manutenção de instituições prestadoras de serviços de cariz social. Os economistas verberam-nas por ineficientes; os funcionalistas sistémicos acusam-nas de irrelevar a autopoiese dos sistemas regulandos e acabam por convergir com os economistas nas soluções de uma regulação reflexiva; certos defensores do terceiro sector querem substituí-las por uma caridade dependente do voluntariado, recusando a "indiferença social" criada pela distribuição pública anónima (sem rosto humano)
Temos de conceder na eventual ineficiência económica (que não ineficácia política ou social) destas soluções político-institucionais sobretudo se cotejadas com entidades cujo escopo é o lucro. Não podemos tão pouco recusar as dificuldades de um "domínio" e direcção jurídico-políticos dos diferentes subsectores sociais, mormente num contexto líquido ou mesmo gasoso, como é o da actual globalização. E reconhecemos enfim, que o Estado funcionou muitas vezes como um véu ocultador da relação que os cidadãos estabelecem entre si num estado social, transformando os princípios do suum cuique tribuere e dos direitos sociais em títulos de reclamação perante os poderes públicos, com mesnocabo dos compromissos pessoais, i.é., das responsabilidades correspondentes, de cada cidadão. Contudo, nenhuma destas constatações é suficiente para justificar o preconceito perante o serviço público, e a todas se pode tentar responder a partir de uma defesa dos princípios de uma intervenção social do estado (mediante desburocratização e agilização de procedimentos, recompreensão dos instrumentos jurídico-políticos mobilizados, articulação das redes sociais com mecanismos de democracia participativa e redes públicas de prestação, etc.) Os dados deste estudo que também consultei de passagem revelam uma benvinda reacção aos últimos anos de arrependimento europeu face ao modelo do estado social. Fascinados com os sucessos das "ilhas" de excelência norte-americanas, os europeus pareciam ter esquecido que as instituições públicas de segurança social, ensino ou saúde edificadas nos últimos 50 anos implicaram efectivamente uma constrição dos mais favorecidos, sacrificaram possibilidades das elites, mas conseguiram criar uma classe média ímpar a nível mundial. O regresso da doutrina do "mérito", que o Sen teve ocasião de desmontar nos seus perigosos (e rebuçados) pressupostos, no ínicio do século e o apelo à libertação dos mais bem sucedidos («oligoi», mais do que «aristoi», frise-se) relativamente ao entrave constituído pelas «massas» - representaram e representam por isso sinais preocupantes, mormente num país, como o nosso, cujas classes possidentes, desejosas de garantir os mecanismos da sua própria reprodução sem contaminações espúrias são absolutamente egoístas e tratam os concidadãos como caricaturas do Bordallo e Portugal como um «tema», um «caso», para o qual dispõem de várias receitas «científicas».
Algo tem de mudar, certamente, e esperemos que o factor catalizador seja efectivamente a exigência normativa de igualdade, que nos faz recusar o status quo. Afinal de contas, como se diz na República do Platão: não é de ninharias que estamos a falar, mas da justiça.
Luis A. Malheiro Meneses do Vale
Gráfico da Inveja.
O que se ilustra aqui não é quanto o poder de compra progrediu, mas quanto se deve impedir os melhores de progredir.
Os melhores em capturar riqueza, não em criá-la, certamente.
Os melhores em capturar: o primeiro-ministro, ministro das finanças, dir geral de impostos
Esses têm mandato.
Tal como o assantante aponta-me o "mandato" a cabeça. Tem o seu argumento.
*assaltante*
Há pessoas realmente convencidas de que possuem um quadrado de terra. Mesmo que esse quadrado de terra ja lá estivesse há uns milhoes de anos e lá vá continuar outros tantos.
A esses, é preciso lembrar que o que chamam seu, o é porque os outros concordam com isso.
Quando eles se esquecem desse acordo implicito, é preciso usar alguma coacção para os lembrar. Não é um assalto. É legitima defesa.
Isto assim em termos muito gerais.
Onde foi que eu assinei o acordo de "protecção" com a mafia?
Então não é isso a única coisa que exige do estado? A protecção da propriedade?
Qual a percentagem do custo de funcionamento da polícia e dos tribunais sobre todo o orçamento do estado?
Tipico, apenas considera a repressão, nunca a prevenção.
Ao entregar o ouro ao bandido estou a "prevenir" o roubo?
Se insiste em chamar-lhes bandidos, poderá estar a prevenir mais que isso.
Se lhes chamar pessoas de bem, sinto-me menos roubado?
Depende. Se estiver a ser sincero, vai ver que sim.
Só posso ser sincero com aquilo que acredito. Quando muito posso parecer credível o suficiente na minha mentira, para ludibriar os outros. Uma arte que lhe é cara.
Enviar um comentário