sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Receita italiana


Esta receita é especificamente italiana, mas conta com ingredientes externos, do espeto de euros forte para uma economia desfeita ao euro-liberalismo, com os seus sabores a austeridade, liberalização e privatização, que ademais lhe conferem uma dimensão cosmopolita irresistível.

Síntese da crónica no setenta e quatro.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Comprar obrigações do tesouro na 'escala que for necessária' - Momento AIG (III)

O Banco de Inglaterra tomou medidas de emergência na quarta-feira, desencadeando um programa de compra de obrigações no valor de 65 mil milhões de libras esterlinas com o objectivo de travar uma crise em espiral nos mercados de dívida pública. O banco central alertou para um  “risco material para a estabilidade financeira do Reino Unido”, devido à turbulência no mercado de obrigações do governo britânico, que foi desencadeada pelo chanceler Kwasi Kwarteng, na semana passada, com o seu plano de cortes nos impostos e endividamento (…) “O Banco irá realizar compras temporárias de obrigações de longo prazo do governo britânico a partir de 28 de Setembro”, afirmou. “As compras serão efetuadas na escala que for necessária para atingir este resultado”, acrescentou, afirmando que o Tesouro subscreveria quaisquer perdas. 

A intervenção do BoE seguiu-se a dias de intensa pressão sobre os fundos de pensões do Reino Unido que gerem as poupanças de milhões de britânicos. A longo prazo, juros mais elevados são úteis para os regimes de pensões uma vez que os ajudam a obter rendimentos mais elevados. Mas a curto prazo, o colapso dos preços das obrigações britânicas tem martelado as chamadas estratégias de investimento orientadas pelos passivos [liability-driven investment] (LDI), que muitos utilizam para se proteger de movimentos adversos na inflação. 

Entre £1 bilião e £1,5 biliões das responsabilidades detidas pelos fundos de pensões com salários são cobertas por estratégias de LDI que são apoiadas por garantias tais como acções, obrigações de empresas e obrigações do Tesouro. Mas o valor dessas obrigações do Tesouro desceu a pique, colocando os fundos de pensões numa corrida para vender activos com o objetivo de manter os níveis exigidos em termos de colateral de garantia. Alguns fundos venderam obrigações do Estado para satisfazer essas exigências de colateral, criando um círculo vicioso de descida dos preços daquelas obrigações.

Excerto de artigo do Financial Times, com tradução e sublinhados meus.

Stephanie Kelton afirma que “parece claro que o verdadeiro impulso para a intervenção [do Banco de Inglaterra] foi o facto do aumento das taxas de juro das obrigações do Tesouro estar prestes a causar estragos nas pensões do Reino Unido, pensões estas que estavam a ser atingidas com enormes ‘margin calls

Quando os juros das obrigações do tesouro descem, os fundos [de pensões] recebem margem e quando esses juros sobem, [os fundos de pensões] têm obrigatoriamente de depositar mais garantias. Após o pico nos juros das obrigações do tesouro na sexta-feira e até esta semana [até à intervenção de emergência do Banco de Inglaterra para baixar os juros], os gestores de fundos LDI foram atingidos por margin calls dos seus bancos de investimento. 

 O colateral de garantia dos fundos LDI são parcialmente estabelecidos utilizando dados históricos que alimentam modelos baseados na probabilidade de movimentos da taxa de juro das obrigações do tesouro (...). O súbito aumento recente da taxa de juro das obrigações do tesouro ‘desestabilizou os modelos e o colateral de garantia'.

Excerto de artigo na Bloomberg, minha tradução. 

Este processo colocou os fundos de pensões em risco de insolvência, porque as vendas em massa [das obrigações do tesouro] fizeram baixar ainda mais o preço destas obrigações detidas pelos fundos como activos, obrigando-os a acumular ainda mais dinheiro. ‘A dada altura, esta manhã, estava preocupado que este fosse o início do fim’, disse um banqueiro sénior com sede em Londres, acrescentando que a dada altura, na quarta-feira de manhã, não havia compradores de obrigações do tesouro do Reino Unido de longo prazo. ‘Não foi bem um momento Lehman’. Mas chegou perto. 

Excerto de artigo do Financial Times, com tradução e sublinhados meus. 

A processo está explicado, aqui e aqui, infelizmente em vídeos em inglês. 

Dito do modo mais simples que me é possível: 

Os fundos de pensões gerem poupanças dos trabalhadores; por este serviço pagam-se principescamente, claro. E especulam, obviamente.

No processo, investem aquelas poupanças no mercado de capitais.

Entre outros ativos, compram obrigações de tesouro. Dado que os juros daquelas obrigações variam ao longo do tempo, por forma a proteger a sua rentabilidade futura, estes fundos utilizam instrumentos financeiros derivados para se protegerem da descida da taxa de juro e, se isso acontecer, recebem pela diferença entre a taxa de juro contratada e a taxa de juro efetiva. 

Dado o carácter especulativo destes instrumentos financeiros, dado que, essencialmente, são uma aposta, a cobertura do risco de descida da taxa de juro tem consequências associadas ao cenário inverso. 

O problema surge quando os juros das obrigações de tesouro sobem. 

Nesta situação, os fundos são obrigados a mostrar que serão capazes de continuar a honrar os seus compromissos de pagamento com estas taxas mais elevadas, ou seja, são alvo de margin calls, o que significa que são obrigados a fornecer à outra parte neste contrato financeiro o colateral, os ativos de garantia que provem aquela capacidade. 

Para este efeito, para obter liquidez que possa ser usada como colateral, estes fundos de pensões são obrigados a vender, pelo menos, parte daquelas obrigações de tesouro. 

Nesta fase surge um segundo problema. Inundar o mercado de obrigações faz descer o seu preço e com a descida do preço, a taxa de juro, que é função inversa daquele, sobe. 

E aqui começa o círculo vicioso dado que, com taxas de juro mais elevadas, aumentam as necessidades de fornecer colateral. 

Ann Pettifor pergunta se estamos perante a “Paralisia Súbita do Sistema” e, ligando estes desenvolvimentos ao que se passa do outro lado do Atlântico, divulga o gráfico abaixo que dá nota do desinvestimento, medido em biliões de dólares, em activos financeiros previamente investidos em ações de empresas e em ativos de rendimento fixo nos EUA. 

(Fonte aqui)

A corrida à liquidez, a troca de ativos menos líquidos por outros mais líquidos, já representa 57,8 biliões de dólares, ou seja, mais de 2,5 vezes o seu PIB em 2021. Compare-se este valor com aqueles muito menores de 2008 (crise sub-prime) ou de 2020 (crise pandémica).

Assim como assim, uma questão central de política monetária devia para sempre ficar dirimida: não pode haver dúvidas de que a taxa de juro das obrigações soberanas é uma variável de política que não depende dos mercados. Como a História evidencia repetidamente

A volatilidade nos preços causada pela guerra está ter consequências potencialmente desastrosas. Não é mais que chegado o momento de uma solução negociada? 

Na UE, pensa-se que não: mais sanções, que obviamente excluem o gás Russo, a caminho. Os ministros que tutelam a energia reúnem-se amanhã para discutir, entre outros assuntos, esta questão do colateral de garantia; a Comissão propõe que se alargue o âmbito dos ativos que, para este efeito de garantia, podem ser usados, nomeadamente, o uso de garantias bancárias. Com aval público, claro, que o nervosismo dos mercados, o gigantismo das perdas potenciais, assim o exige. As consequências para as finanças públicas são, ou deviam ser, evidentes.  

E aqui em Portugal? Uma palavrinha do Governo e/ou do Banco (que não é) de Portugal acerca deste e destoutro assuntos que exercem uma força conjunta perigosamente desestabilizadora do sistema financeiro global? Continua a não ser devida?

Tempo de vendilhões


Dominado há décadas por iniciativas liberais, este é um tempo em que tudo se compra e tudo se vende, um tempo marcado pelo nexo-dinheiro. Por isso, comentadores ditos liberais como João Miguel Tavares não têm qualquer autoridade para falar de limites ético-políticos aos mercados sem fim.

Francisco tem avançado e muito no esclarecimento das implicações anti-liberais da Doutrina Social da Igreja, mas na Universidade Católica Portuguesa, objecto de todas as benesses públicas, promovem o consumo conspícuo mais desbragado, as ideologias do individualismo mais possessivo ou a venda de lugares em cursos, como Medicina, naturalmente muito procurados.

O merecimento, a necessidade, a dádiva da gratuitidade requerem um quadro institucional contrário ao que é promovido pelos novos vendilhões do templo.

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Sabotagens sempre houve muitas

“A União Europeia acredita que as fugas detectadas na segunda-feira nos oleodutos Nord Stream foram provavelmente causadas por sabotagem. (...) A UE não nomeou um potencial perpetrador ou sugeriu uma razão para tal (...) os incidentes arruinaram qualquer expectativas que restassem de que a Europa pudesse receber combustível via Nord Stream 1 antes do Inverno”, noticia a Reuters

O gasoduto Nord Stream está inutilizável quando a União Europeia - e não a Rússia - mais precisa dele. 


“Um vencedor emergiu à medida que a Europa sofre as consequências da guerra na Ucrânia e regista preços recorde de gás natural: a economia dos Estados Unidos”, afiança o The Wall Street Journal, enquanto informa: “Elevados preços do gás natural levam os fabricantes europeus a mudarem para os EUA”. 

Vitória aquela que custará empregos na União Europeia. Muitos empregos. Na Alemanha, por exemplo, há quem antecipe que o efeito da guerra sobre o crescimento do país ascenda a 5 pontos percentuais do PIB.


Como se sabe, numa guerra, a informação é sempre uma, senão a primeira, das baixas. Por isso, tenho para mim que dificilmente teremos provas irrefutáveis de quem sabotou o gasoduto. Mas isso, a meu ver, não deve impedir-nos de de fazer a pergunta: Quem ganha com a sabotagem? 

E, já agora, o que dizia Biden acerca do assunto a 7 de Fevereiro último? 

(Ligação aqui)

Pres. Biden: Se a Rússia invadir... então deixará de haver um Nord Stream 2. Acabaremos com ele.
 
Repórter: Mas como fará isso, exatamente, uma vez que… o projeto está sob o controlo da Alemanha? 

Biden: Prometo-vos que o conseguiremos fazer.

Errar é humano, insistir no erro é ... jornalismo económico

 

A subida das taxas de juro dos títulos de dívida pública nos mercados financeiros - deixadas à solta pelo Banco Central Europeu (BCE) depois de abandonar a política pouco neoliberal de controlo dos mercados durante 10 anos - tem uma finalidade primeira pouco abonatória. E com consequências gravosas para todos. Mas esta nova realidade começa a ter bizarras ressonâncias no jornalisno económico.

Os jornalistas económicos poderiam realçar o que está na calha: criar mais dificuldades aos Estados europeus - sem resolver o problema da inflação - que supostamente serão colmatadas com os novos mecanismos previstos, mas que, na verdade, serão acompanhadas pela imposição de novas condicções à execução das políticas públicas nacionais. Ou seja, novas medidas de austeridade. E tudo pode ser agravado com o facto de as empresas de energia terem andado a especular e de se encontrarem sem liquidez suficiente, o que já levou à sua nacionalização em diversos países e que pode transbordar - e é mais uma ressonância presente vinda do passado - para o sector financeiro, o que acabará - como é previsível - por obrigar os Estados a ter de segurar a banca (ler aqui e aqui). Nem se sabe se em Portugal se passa o mesmo...

Mas sobre isto o jornalismo económico nada diz! Silêncio total. Ignorância, cegueira ou... censura?  

Tanto, pois, que o jornalismo económico poderia dizer. Mas não. Ainda hoje, José Gomes Ferreira, um dos directores da Sic Notícias, disse em estúdio que a austeridade, como política económica, não é uma opção dos Governos de "fazer mal" aos cidadãos, mas "uma necessidade". Face à subida dos encargos com a dívida, os Estados vão ter de "poupar", ou seja, cortar na despesa pública (leia-se, nos ordenados, nos serviços públicos, nas pensões, etc). Por outras palavras: "não há alternativa". É o velho dito: "Amochem porque nos estão a mandar amochar".

Ora, esquece-se, primeiro, que a política de austeridade sempre foi criticada como sendo a única alternativa. E ainda por cima com alternativas bem mais eficazes. Depois, a História comprovou os maus resultados gerados pela aplicação militante do Governo de direita de Passos Coelho/Portas/Montenegro/Moedas: uma recessão nunca antes vista, um desemprego que subiu em flecha chegando aos valores infernais de 25% da população activa (cerca de 1,5 milhões de pessoas), uma emigração histórica e sobretudo de trabalhadores qualificados, empresas a fechar portas, corte nas despesas públicas que atingiu e empobreceu os portugueses e cujas repercussões ainda são sentidas. Recorde-se - e é mais uma ressonância presente vinda do passado - que parte do corte previsto era nas pensões (ver aqui o barómetro nº5). Finalmente e por isso mesmo, ficou mostrado que a austeridade necesssita de cortar mais do que o previsto para atingir os objectivos orçamentais traçados (ver aqui o barómetro nº7). 

Em três anos – 2011, 2012 e 2013 – a ideia era cortar à despesa pública 10 mil milhões de euros e aumentar a receita em outros 10 mil milhões. Ou seja, um esforço de "consolidação" de 20 mil milhões. Só que o resultado foi uma redução do défice de apenas 6 mil milhões de euros: de 15,8 mil milhões (9,1% do PIB) em 2010, para 9,8 mil milhões (5,9% do PIB) em 2013. As previsões falharam porque os orçamentos tiveram um enorme efeito recessivo não antecipado.  

O próprio jornalismo económico que inicialmente abraçou, de forma militante, a política de austeridade e o Memorando de Entendimento com a troika, acabou por queimar na praça pública o governo de direita. (ver aqui o Caderno nº7 do Observatório sobre Crises e Alternativas). O próprio José Gomes Ferreira - como é visível no filme em cima - que defendeu os cortes e mais cortes, acabou a fustigar o ministro Vítor Gaspar... Já nem se percebia o que estava a passar-se. No final do filme, Pedro Santos Guerreiro, face ao jornalista estrangeiro atónito sobre como foi possível o povo ter aceite tanta austeridade, tem a estranha explicação de que o povo aceitou bem a austeridade porque foi entendido que era a única forma de acabar com... a austeridade! Faz isto sentido?    

Ora, dez anos depois, eis que tudo volta à primeira forma. É mesmo caso para dizer que errar é humano, mas insistir no erro é... jornalismo económico.

Haja paciência!

Iniciativas liberais


Nasceu no Porto a 20 de janeiro de 1971 e, por opção própria - alheia a qualquer tipo de dificuldades financeiras - deixou de estudar, e entrou no "mundo dos negócios muito cedo". Aos 19 anos já fazia parte do Conselho de Administração da holding familiar. 

Faz todo o sentido que seja Balsemão, que começou a sua vida política na ala liberal no tempo da outra senhora, a entrevistar untuosamente uma senhora deste tempo: Paula Amorim, a encarnação do capitalismo monopolista, fóssil e de herdeiras, o resultado de tantas iniciativas liberais privatizadoras. 

O declínio editorial do grupo de comunicação social de Balsemão, tão bem exposto no triste, mas revelador, número 2500 do Expresso, manifesta-se agora na ausência de questões difíceis sobre lucros extra e ordinários, sobre especulação com derivados ou sobre o consumo conspícuo na era das desigualdades pornográficas – o porno-riquismo.

Adenda, porque recordar é viver: lembremos que a primeira pessoa a ser entrevistada por Balsemão no deixar o mundo melhor foi um liberal cheio de iniciativas, incluindo armadas, chamado Durão Barroso. 

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Contra o défice de pluralismo


Foi há pouco mais de um ano que surgiu o Setenta e Quatro, «um projeto digital de jornalismo de investigação que acredita que apenas com acesso a informação livre e credível é possível defender a democracia e aprofundar os princípios da igualdade e da liberdade».

Tal como outras publicações que recusam a ampla trincheira do discurso dominante (sobretudo nas televisões), contribuindo para uma maior diversidade de perspetivas e o pluralismo no debate, o Setenta e Quatro, cujos conteúdos são de livre acesso, depende das contribuições de quem o lê para ser financeiramente sustentável. E por isso necessita, para poder prosseguir para lá de 2022, de 361 subscritores até dezembro. Assinem, é jornalismo de qualidade contra o défice de pluralismo.

Receita italiana: um ingrediente adicional


Esqueci-me ontem de colocar a indicação de um ingrediente que melhora a receita italiana: três pitadas de soberanismo de esquerda, dividido num cemitério de siglas ou de nomes que às vezes confunde os que tentam a receita pela primeira vez: União Popular, Italexit e Itália Soberana e Popular. 

Assim, garante-se um sabor mais apurado: ninguém que jeito político tenha entra no parlamento, onde é necessário ter mais de 3% (somados têm 4,4% e poderiam ter tido mais, já que a convergência às vezes é mais do que a soma das partes). 

Seja como for, e como previu Thomas Fazi, um economista político soberanista e que tem escrito sobre as melhores confeções da receita: “100% dos lugares no parlamento pertencerão à UE [“sistema imperial de que a Itália é um apêndice”] e ao sistema económico estagnado que primeiramente causa esta confusão”.

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

A UE contra a democracia


A Itália confirma o que tenho vindo a dizer: é o calcanhar de Aquiles da UE. Ainda assim, não creio que esteja para breve uma crise fatal para a UE. As diferenças e rivalidades no seio da coligação de direita que ontem ganhou as eleições podem, com o tempo, produzir uma ruptura e obrigar a novas eleições. É a Itália.

Porém, uma coisa é certa. O salto qualitativo de CEE para UEM com moeda única, reforço do controlo dos défices orçamentais de orientação pró-cíclica (em recessão, corta-se na despesa), liberalização do mercado de trabalho, exigência de privatizações e "reformas estruturais" de natureza neoliberal; tudo isso conduziu a um aumento da desigualdade no conjunto da UE, ao declínio do produto por habitante e à divergência dos países do Sul. No caso da Itália, um país que cumpriu exemplarmente as exigências de Bruxelas, a desindustrialização foi grave e as consequências sociais desastrosas. As vagas de imigração fizeram o resto.

Esta evolução negativa vai continuar, ou mesmo agravar-se, na sequência da crise político-militar, económica, financeira, social e ambiental que estamos a viver. Na falta de uma alternativa de esquerda para estas políticas - e ela não é possível no quadro dos Tratados - o descontentamento popular que se traduz em xenofobia e discurso de ódio será capitalizado pela extrema-direita. De nada adianta fazer apelos emocionados para que os partidos neo-fascistas não sejam "normalizados". A manutenção das políticas instituídas na UE farão o seu trabalho de sapa das democracias.

Uma frente política de esquerda que esteja preparada para organizar a retoma da economia no pós-euro, se e quando este implodir, seria um primeiro passo para podermos alimentar a esperança em melhores dias. Por agora, o horizonte é sombrio.

Sobre a Itália, seguir no Twitter o economista Philipp Heimberger a quem roubei o gráfico sobre a evolução das diferenças no PIB/hab da Itália relativamente à Zona Euro, à França e à Alemanha.

A imprescindível flexibilidade de um camaleão de ferro

A propósito da facilidade com que os jornalistas tratam os fascistas de "radicais moderados" ou de "direita radical" ou de "populistas de direita" - como algo aceitável, uma alternativa necessária - convém recuar cem anos até ao advento do fascismo na Europa. E pensar que os fascistas não surgem e ressurgem do nada. 

Têm uma natureza de classe e uma inerente traição de classe. O fascismo nasce das políticas que conduziram ao desemprego e ao empobrecimento, à falta de perspectivas das sociedades bloqueadas, e que geram o pânico de inúmeras camadas sociais entre as massas proletarizadas e a alta burguesia dona disto tudo, ao sentirem o verdadeiro risco de engrossarem o campo dos pobres de quem se julgam diferentes. O fascismo nasce da zanga desses extractos, mas morre quando percebem que as forças políticas que julgavam ser a sua salvação, afinal, se aproveitaram do seu descontentamento e entregaram o poder, de novo, aos mais poderosos. Só que nessa altura já é tarde demais. E o preço pago foi enorme. 

Sobre as causas desse bloqueio social, tanto hoje como há cem anos, muito haveria a comentar. Nomeadamente das políticas económicas que tolhem o desenvolvimento dos países. Mas igualmente da responsabilidade social-democrata ou socialista, da sua cegueira ou incapacidade de rasgar as camisas de 11 varas políticas, verdadeiros ovos da serpente. 

Foi a propósito dessas similitudes, mas sobretudo do discurso camaleónico como os fascistas de ontem e de hoje aliciam as camadas em pânico - antes para mudar o mundo, hoje para o manter - que escrevi um texto para o Caderno Vermelho, publicação do Sector Intelectual de Lisboa do PCP, dirigida por Manuel Gusmão. Deixo-o aqui como contributo para que se fale mais sobre das causas do fascismo. 

O camaleão fascista 

“Nada se parece mais com um camaleão do que a ideologia fascista. Não penseis na ideologia fascista sem ver o objectivo que o fascismo se propõe atingir num momento determinado”. 

Não é já possível ouvir a voz destas palavras. 

Palmiro Togliatti, um dos fundadores do Partido Comunista Italiano (PCI), estava em Moscovo como membro do executivo da Internacional Comunista (IC) desde a ilegalização do PCI em 1926. E, de Janeiro a Abril de 1935, deu uma série de cursos sobre o fascismo a jovens operários italianos exilados, vindos das prisões fascistas. As notas então tomadas por um dos presentes seriam publicadas em 1970 com o título Lições sobre Fascismo

O curso de Togliatti revela já o corolário das longas discussões havidas no movimento comunista desde o início dos anos 20, sobre os movimentos fascistas no mundo e sobre a sua natureza de classe. Se eram simples “agentes” do capital monopolista ou um real movimento da pequena burguesia a abrir caminho entre os velhos partidos burgueses e os operários, em protesto contra o seu esmagamento pela “grande riqueza” que a proletarizava, embora no final se tornasse no “criado do capital e dos agrários” (Gramsci) ou “representante dos interesses do grande capital” (Trotsky). 

Estes debates ficariam muito marcados pelo que se passou então na Alemanha. 

Em finais de 1932, cinco milhões de desempregados oficiais eram a face do empobrecimento do povo que já atingia as camadas da pequena burguesia, esmifradas pela grande distribuição e monopólios empresariais, mas também pelas políticas de austeridade (aumentos de impostos, cortes no subsídio de desemprego, etc.). A crise social provocara uma guinada política à direita e sucediam-se as eleições. A propaganda nazi atingia proporções nunca vistas, com novos métodos, multiplicação de escândalos, cartazes, filmes, aviões, meios infindos. Sem soluções, o partido nazi tinha um discurso de promessas e ódios bem sucedido. Mas não totalmente. Depois de um segundo lugar no Reichtag (parlamento) em Março de 1932, as eleições seguintes mostraram que os nazis não chegariam ao poder democraticamente.

Receita italiana

Coloquem uma boa economia italiana num espeto de euros e deixem estagnar durante mais de duas décadas. Entretanto, pincelem com uma esquerda 100% europeísta e favorável à NATO. Quando estiver no ponto, cortem e adicionem, alternadamente, doses de reformas neoliberais por governos tecnocráticos feitos na UE e governos da direita cada vez mais dura. Não se esqueçam de polvilhar com desesperança feita de TINA (não há alternativa) e de fim da história. No fim, têm um prato neofascista ou pós-fascista, a designação depende das regiões. 

sábado, 24 de setembro de 2022

Notícias que quebram


Li agora um texto que o economista Paulo Coimbra publicou num blogue
[Ladrões de Bicicletas é um nome fácil de escrever...] cujo título é: “O que sabe o ministro da Economia que nós não sabemos?”.
Bárbara Reis, Público. 

Este blogue não é noticioso, mas sim de opinião nas áreas da economia, política, política económica e economia política, tentando manter a memória e combater pela história. Dependemos das primeiras versões da história, que são tipicamente escritas por jornalistas. O que escrevemos encontra por vezes eco na imprensa convencional.

De vez em quando, no entanto, damos notícias que quebram, como aconteceu com o informativo texto de Paulo Coimbra sobre as consequências negativas da financeirização do capitalismo assim sem sem trela, desta vez na energia.

Este trabalho devia ter sido antes feito por jornalistas, dada a importância do tema. Na imprensa internacional não se fala de outra coisa, a Alemanha nacionaliza empresas da energia, a Comissão Europeia reúne de emergência, o governo britânico decide medidas. 

Por cá, ainda nada: faltam recursos numa imprensa em crise permanente e falta vontade de confrontar o poder económico que paga a publicidade. O Expresso, por exemplo, prefere ouvir as vulgaridades do capitalismo de herdeiras encarnado por Paula Amorim, ao invés de colocar as perguntas que contam.

Já agora, o momento AIG da energia confronta o jornalismo, o neoliberalismo zumbi, mas também certa esquerda. Uma política demasiado centrada na fiscalidade tem limites óbvios. 

Na realidade, temos de falar de propriedade e de controlo público da finança, ou seja, de soberania, sabendo que raramente estes assuntos chegam à imprensa, num país demasiado habituado a não ter soberania. As nossas elites vivem bem com isso, ó se vivem...


sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Paz, classe


Se, em vez de “ceder às exigências da Rússia”, tivessem escrito “aceitar exigências da Rússia”, teríamos sido mais de um terço. De resto, confirma-se que a luta pela paz tem uma dimensão de classe.

Pluralismo no debate?


Diz que é um Crossfire, no prime time da CNN. E o incauto cidadão poderá pensar que se trata de um espaço de contraditório, em que se esgrimem argumentos e se confrontam diferentes pontos de vista. Mas vai-se ver e é apenas mais um caso de redundância de opinião, que agrava o défice de pluralismo e o enviesamento do debate.

Ou seja, estamos perante mais um exemplo de Dupond et Dupont no debate político-económico oferecido pelas televisões, juntando desta vez Miguel Relvas e Álvaro Beleza. Cereja em cima do bolo: um dos temas abordados foi a sustentabilidade da Segurança Social, uma questão que divide abissalmente os dois comentadores, não é, senhor presidente da Sedes? Vejam se puderem, a partir do minuto 6. Ilustra bem o persistente declínio editorial em que estamos mergulhados.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

A IL é o sistema e é financiada por ele


Segunda a edição desta semana da Revista Sábado, a Iniciativa Liberal recebeu generosos donativos do CEO da EDP e do maior acionista do jornal online Observador.

O Observador foi e é um órgão de comunicação vital para a legitimação do discurso da direita radical da IL no espaço público. A EDP foi beneficiária direta de posições deste partido na Assembleia da República, designadamente na recusa de taxar os lucros excessivos do monopólio das energéticas na atual crise.

Imaginem só o que a IL diria se o dono de um jornal financiasse o PCP ou o BE. Ou se esses partidos fossem financiados por entidades com fins lucrativos, cujo voto na AR as favorece. Estão a imaginar, não estão?

A IL não é contra o sistema. É a garantia da reprodução do sistema e é financiada por este. Porque o sistema é neoliberal. O papel da IL é aprofundar a sua natureza, garantindo que todos os elementos socializantes que ainda subsistem são eliminados. Só considera que vivemos num país socialista quem tem grave incompreensão conceptual ou mente deliberadamente.

O empobrecimento é a cura para a inflação?


"Entre o risco de forte perda de poder de compra por parte dos funcionários públicos e as preocupações com a criação de espirais inflacionistas e de desequilíbrios orçamentais, o Governo dá sinais de se estar a inclinar para um aumento salarial no sector público que fica distante da subida registada nos preços. As declarações que têm vindo a ser feitas sobre este assunto, tanto pelo primeiro-ministro como pelo ministro das Finanças, apontam para que os funcionários públicos venham a beneficiar de uma actualização salarial em 2023 significativamente mais baixa do que a do valor da inflação deste ano. Isto é, verão os seus salários a diminuir em termos reais".

Para justificar as opções do governo, cuja recusa em aumentar salários e pensões em linha com a inflação se traduz numa quebra acentuada do poder de compra, a maioria dos economistas aponta dois objetivos que se têm sobreposto: conter o défice orçamental e travar "espirais inflacionistas". Só que ambos fazem pouco sentido no contexto atual.

Por um lado, não há razão para insistir numa redução acentuada do défice quando nos encontramos à beira de uma recessão. A economia portuguesa já dá alguns sinais iniciais de abrandamento (o consumo privado e o investimento caíram no segundo trimestre do ano) e a quebra dos salários reais tenderá a acentuá-lo. Como, para o conjunto da economia, os gastos de uns são o rendimento de outros, a quebra do poder de compra e da procura tem impactos negativos na atividade económica e no emprego, afetando o rendimento disponível. O risco de uma recessão é o que devia preocupar o governo.

Por outro, os receios acerca de uma espiral inflacionista - isto é, uma dinâmica de aumentos salariais que agravaria a subida dos preços - são simplesmente infundados. Não só não há evidência empírica que suporte essa relação, como não há motivos para pensar que a compressão dos salários em Portugal contribua para estancar a subida dos preços da energia, que não resulta de um excesso de procura mas sim de constrangimentos da oferta.

Nenhum destes objetivos justifica o corte real nos salários e nas pensões. Na verdade, ambos refletem a verdadeira estratégia do governo: comprimir os rendimentos da maioria das pessoas e esperar que a inflação passe, enquanto se deixam intocados os lucros extraordinários das grandes empresas e as rendas dos proprietários. Uma década depois do programa de austeridade da direita, tudo isto é familiar.

Toda a economia é política

 

Encontram mais informações no site da Associação. Já agora, mais uma chamada, desta vez para uma conferência sobre planeamento público e democrático.


quarta-feira, 21 de setembro de 2022

O que sabe o Ministro da Economia que nós não sabemos? (Momento AIG II)

Sem qualquer pudor, o Ministro da Economia, defendeu que os grandes grupos económicos “não estão preparados” para um imposto sobre os lucros extra e ordinários registados, como assinala João Rodrigues.


Dado que taxar as empresas de energia é uma medida com popularidade evidente e que beneficia do apoio nunca dispensado da Comissão Europeia, porque está o Governo disposto a pagar o preço político de o não fazer? 

Estou capaz de apostar que este Trading Update de 11 de outubro de 2021 (meus sublinhados) é capaz nos fornecer algumas pistas: 

A maioria dos volumes de gás natural aprovisionados pela Galp são adquiridos com indexação a Brent, sendo uma parte relevante desses volumes vendido a clientes numa base indexada a TTF. Os ganhos provenientes do recente aumento dos preços de TTF são neutralizados por derivados destinados a cobrir o risco do diferencial TTF–Brent. Alguns destes derivados requerem depósitos em contas margem (futuros de TTF cotados em bolsa), os quais impactam temporariamente a posição de caixa da Galp e que serão libertados consoante os preços se ajustem em baixa e/ou os volumes de gás natural sejam entregues aos clientes, ao longo de 2022.” 

Ou seja, para lá da linguagem desnecessariamente críptica, da novilíngua dos ‘mercados’, somos informados que a Galp está confrontada com uma situação em que os ganhos, que resultam do aumento dos preços da energia, são absorvidos pelos prejuízos que resultam das imprudentes posições contratuais que esta empresa assumiu no mercado de derivados financeiros futuros, o que está a ter impacto nos seus resultados financeiros e também na sua liquidez.

Dada a importância estratégica da GALP, que por esta razão não deveria ter sido privatizada, estamos perante um cenário em que o erário público pode vir a ser onerado. O país tem, pois, direito a um esclarecimento do Ministro da Economia que não se limite ao lacónico “não estão preparados”. 

A guerra gera volatilidade e o capitalismo, que até pode dar-se bem com a volatilidade da situação política, tem dificuldades históricas com a volatilidade nos preços. Desta feita, uma volatilidade que se auto-alimenta e é endogenamente gerada nos mercados financeiros internacionais onde se transacionam os produtos financeiros derivados cujo preço determina o preço internacional da energia de forma totalmente desligada da esfera real (recordemos que, apesar da guerra, a oferta internacional de energia se mantém, essencialmente, constante). 

Volatilidade esta que gerou uma necessidade tal de colateral que compromete a viabilidade económica e financeira das empresas que estão obrigadas a fornecê-lo, ou seja, das empresas que se comprometeram a vender no futuro, digamos, por 100, energia que atualmente custa 475 e que agora estão contratualmente obrigadas a mostrar capacidade de honrar o seu compromisso. Ou seja, empresas que, presas num contrato financeiro que fixa um preço de um bem numa data, se tornaram reféns da exigência (margin call) de entregar ativos (colateral) que assegurem no presente que, no futuro, de facto, honrarão as apostas especulativas onde se aprisionaram. 

O que lemos na imprensa internacional (a nacional já tratou este assunto?) leva-nos a concluir que este problema, que se espalhou como gasolina, sobretudo, nos países que impuseram sanções à Rússia, gerou um desequilíbrio financeiro com potenciais efeitos sistémicos. O tal momento AIG, dado que a prática em curso, por toda a UE, de resgates públicos de mais este desastre financeiro parece afastar, para já, um momento Lehman Brothers

Nos EUA, por exemplo, a Cheniere Energy Inc., o maior exportador de gás natural liquefeito dos EUA, que previa para este ano 8,7 mil milhões de dólares de lucro acabou de anunciar um prejuízo líquido de 3,41 doláres por ação. Os tais derivados a fazer estragos; literalmente: efeitos colaterais. 

Na UE, que mais parece um carrossel desgovernado em súbita aceleração, a questão da distópica disfuncionalidade sistémica vai voltar a colocar-se: sem orçamento próprio e com um Banco Central que diz não estar pelos ajustes como se vai financiar, a fazer fé no Financial Times, o total dos, até ver, 1,5 biliões de colateral em falta, mais de 5% do PIB europeu, 42% do PIB alemão, 6,5 vezes o PIB português? 

Na Alemanha, a Ostpolitik torna-se definitivamente passado com a nacionalização da, parcialmente Russa, Rosneft; a nacionalização em curso da Uniper já custou 19 mil milhões (quase 10% do PIB português) e continua a não ser suficiente.     


Deitar borda fora as regras do pacto de estabilidade seria boa ideia, que só peca pelo atraso, se não significasse apenas que se está a abrir caminho para colocar esta despesa nas contas públicas nacionais: 

A escalada dos preços da energia tem gerado exigências crescentes de colateral nas empresas de energia que associaram as suas vendas a transações compensatórias nos mercados de futuros. As estimativas para ‘margin calls’ associadas ascendem a 1 bilião de dólares. Mas os governos individuais da União Europeia devem intervir, não o BCE", afirmou Lagarde

Re-regular o mercado de derivados para permitir que o colateral possa incluir empréstimos e garantias bancárias, acrescentando capital fictício à especulação, pode comprar tempo, mas arrisca ainda maior contaminação do sistema bancário. É caso para dizer que se a Grã-Bretanha saiu da UE, a EU nunca saiu da City. Como afirma Daniela Gabor, “estabilidade macrofinanceira sem mudança institucional, subsídios sem disciplinar o capital”. 

Uma solução negociada para a guerra, uma alternativa de paz, como defende, por exemplo, a economista norte-americana Stephanie Kelton, tendo sido sempre inevitável e urgente, tornou-se agora também condição necessária, embora não suficiente, da estabilidade do sistema financeiro e, consequentemente, da provisão energética da Europa.

Com ou sem paz, contudo, não deixaremos de assistir a uma mudança, pelo menos parcial, na orientação da política monetária-orçamental. A alegadamente imperiosa necessidade de políticas restritivas (‘no pós-pandemia, num contexto inflacionário, já não há novamente dinheiro’, diziam-nos) dará lugar a uma política de abundantes milhões para pagar o estrago em curso. Dinheiro que, mais uma vez, remunerará generosamente a especulação financeira e que, apesar de ser criado do nada pelo BCE e pela banca privada, não deixará de pesar em contas públicas alegadamente incapazes de suportar aumentos de salários e pensões ou a integridade do SNS.

Dinheiro que nada produz; dinheiro - este sim - verdadeiramente inflacionário.

Países mais altos


Até uma das referências dos liberais supera o Governo português em matéria de justiça social e fiscal nestes tempos que não estão para liberalismos: os Países Baixos decidiram aumentar o salário mínimo em 10% e taxar os lucros extra e ordinários.

Por cá, o Governo da Troika acentua a sua hegemonia: os salários são sempre a variável de ajustamento na periferia sem instrumentos de política, agora em nome de espirais inflacionárias imaginárias.

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Notícias do roteiro de coincidências

Relatório de 2019 da Rand Corporation (página 115 e seguintes):

(Tradução e relatório) 

Por coincidência (não sejam mal intencionados e conspiracionistas, o conflito não começou agora):


"Arménia-Azerbaijão: Quase 100 mortos em confrontos nocturnos. Os dois países culpam-se um ao outro pelo último surto de violência."
 

Nada de social-democrata


O mesmo Governo que promove uma transferência de rendimentos do trabalho para o capital superior à registada no tempo do Governo da Troika, veio, pela voz do seu Ministro da Economia, defender um corte transversal no IRC, isto quando se sabe que “não há evidência empírica que nos permita afirmar que esses cortes promovem o crescimento económico”. 

Sem qualquer pudor, defendeu ainda que os grandes grupos económicos “não estão preparados” para um imposto sobre os lucros extra e ordinários registados.

O mesmo Governo que tem alinhado com o plano europeu, combinando escalada sancionatória inflacionária com subida da taxa de juro recessiva pelo BCE, aposta num corte permanente das pensões, ou seja, do salário indirecto, à boleia de previsões rigorosamente erradas por definição, até dada a incerteza radical.

Vale tudo para comprimir o mercado interno, de que a queda do investimento também fará parte, na medida em que se investe em função da expectativa de vendas. 

A maioria absoluta revela que de social-democrata este PS de Costa não tem nada, sobretudo ali onde se decide tudo, a sorte de tantos, ou seja, na política económica.


Sábado, em Vila Real

Integrada na quarta edição dos seminários promovidos pela Ordem dos Arquitectos - Secção Regional Norte, em articulação com a plataforma Architects Declare Portugal, realiza-se no próximo sábado, 24 de setembro, em Vila Real, o terceiro painel do ciclo «2051: Odisseia dos Espaços - (Eco)Ficções do Espaço Construído», dedicado à Sustentabilidade Social (ver programa aqui).

Com moderação de Luísa Schmidt (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa), participam nesta sessão Cidália Silva (Escola de Arquitetura, Arte e Design da Universidade do Minho), José Carlos Mota (Universidade de Aveiro) e Nuno Serra (Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra).

Assumindo os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, este seminário procura, num contexto interdisciplinar, «discutir a sustentabilidade ambiental, económica, e social, no percurso do ambiente construído», tendo em vista «lançar o mote para imprimir na consciência coletiva a urgente necessidade de repensar as práticas do setor da construção e instigar uma análise futurológica do European Green Deal, que permita refletir sobre o território após o cumprimento das metas de 2050». Contribuindo, deste modo, para «pensar as realidades que poderemos ter em 2051 e os passos que a elas nos conduzirão». A participação em todas as atividades dos diferentes painéis é livre, apenas requerendo a respetiva inscrição prévia.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

A crise energética veio para ficar


A crise energética promete não dar tréguas no próximo inverno. No discurso sobre o estado da União, Ursula von der Leyen asseverou que as sanções contra a Rússia “vieram para ficar”. Perspetiva-se, assim, um agravamento da crise energética, já que a ameaça de rutura total do fornecimento de gás natural tem sido o principal instrumento de retaliação por parte de Vladimir Putin.

Embora rejeite um apaziguamento do conflito, a Comissão Europeia (CE) acredita que será possível atravessar o inverno sem impor racionamentos e, simultaneamente, minimizar a dependência energética em relação à Rússia, mediante a diversificação de fornecedores e do reforço das reservas estratégicas de gás natural. No entanto, estas fontes de abastecimento alternativas, nomeadamente o gás natural liquefeito proveniente dos Estados Unidos da América e do Qatar, são bastante mais caras e estão sujeitas a uma forte concorrência entre compradores no mercado internacional. Por conseguinte, os Estados europeus mais dependentes destas supostas alternativas, como a Alemanha, para lá do contínuo encarecimento do gás natural, poderão também vir a enfrentar falhas de abastecimento.

A crise energética avança a passos largos, prenunciando uma deterioração das condições socioeconómicas ao longo do inverno: as faturas da energia disparam um pouco por toda a Europa, e a carestia de vida, impulsionada pelo aumento dos custos, adensa as incertezas de famílias e pequenas e médias empresas em relação ao futuro. Perante este cenário, a CE delineou um pacote de medidas temporárias e de emergência para mitigar a escalada de preços da energia, instando, igualmente, à redução coordenada da procura de gás natural e de eletricidade.

Uma das propostas apresentadas pela Presidente da CE consiste na fixação de um teto para os lucros extraordinários das empresas de energia. Evocando os valores da economia social de mercado (uma contradição nos termos) em que supostamente assenta a União Europeia, a CE defende a obrigatoriedade de um limite máximo para as receitas das empresas que produzem eletricidade a baixo custo (hídrica, eólica, solar ou nuclear), salvaguardando, porém, que “o lucro é algo positivo”. A estratégia passa por não hostilizar as grandes empresas energéticas, apelando antes à sua responsabilidade social e à partilha e canalização dessas receitas “para quem mais precisa”. A CE confia, porventura, que este discurso moralizador será suficiente para que os cidadãos não se sintam injustiçados, evitando, assim, a instabilidade social e a precipitação de crises políticas.

Contudo, esta medida não reúne consenso no seio dos 27 Estados-membros e terá de ser discutida e aprovada numa reunião posterior. O Governo português, por exemplo, tem rejeitado sucessivamente a hipótese de taxar devidamente os lucros extraordinários das empresas de energia que operam em Portugal.

Já as grandes empresas petrolíferas, de gás natural e de carvão, ou seja, os principais motores do capitalismo fóssil, terão de pagar uma contribuição de crise, embora não tenham sido divulgados detalhes acerca da operacionalização desta proposta. Nada como um singelo gesto solidário num momento crítico para camuflar o papel destas empresas na crise ecológica, permitindo que prossigam tranquilamente com a sua atividade.

A atual crise energética expõe, uma vez mais, as limitações flagrantes dos mercados liberalizados e a sua incapacidade para garantir justiça e segurança sociais. O controlo do setor energético, pela sua importância estratégica, deve estar sob a alçada dos Estados nacionais, a quem cumpre assegurar a universalidade do direito à energia. Fica patente, deste modo, a urgência em romper definitivamente com os combustíveis fósseis – que, para além das consequências ambientais nefastas, colocam os Estados à mercê do xadrez geopolítico –, concretizando transições energéticas justas e democráticas, assentes em fontes renováveis, na propriedade pública dos principais centros electroprodutores e na autossuficiência.

Crónica no setenta e quatro.


domingo, 18 de setembro de 2022

Momento AIG da zona euro?

 

Se os preços da energia estão em alta e as empresas que a comercializam estão a realizar lucros de tal monta que justificam impostos extraordinários, porque razão as duas maiores empresas de energia da Alemanha estão em dificuldades financeiras tais que um governo ordoliberal se prepara para as nacionalizar?

A resposta é simples embora não imediatamente evidente. Muitos e poderosos interesses trabalham afincadamente para manter um véu de opacidade sobre a gigantesca operação de socialização de prejuízos privados que aí vem. 

A resposta: porque estas empresas vendem energia usando contratos com os compradores que fixam um preço no futuro (e por isso se fazem remunerar principesca e especulativamente) e se obrigaram a fornecer garantias (colateral) por forma a mostrar que serão capazes de honrar esse preço. É a obrigação de fornecer esse colateral que está a criar problemas insuperáveis de liquidez - e não de rendibilidade - a estas empresas. 

Por agora, o BCE recusa-se a fornecer estes montantes astronómicos de liquidez a estas empresas sujeitas a margin calls - o palavrão para o momento em que a obrigação de fornecer activos de garantia se materializa -, colocando em causa todo este esquema altamente financeirizado e especulativo; recusando-se, o BCE está a fazer o contrário do que a Reserva Federal Americana fez, depois de confrontada com o estrago - com precedentes apenas na crise de financeira de 1929 - provocado pela sua decisão de deixar falir a Lehman Brothers, quando a AIG, com milhões e milhões de Credit Default Swaps no seu balanço (um instrumento financeiro em tudo semelhante aos contratos em Futuros agora em causa, ou seja, contratos financeiros derivados, desligados da esfera real, cujo activo subjacente é o preço futuro da energia), enfrentou um problema semelhante de incapacidade de honrar as tais margin calls e fornecer o tal colateral.

Veremos o resultado. Não é preciso consultar a bola de cristal para saber que não vai ser bonito. Assim como assim, sem ou com apoio do BCE, com ou sem nacionalização, estas garantias acabarão a ser fornecidas por todos nós, aqueles que não tomaram parte nestes contratos, e pesarão nas contas públicas já oneradas pelo erro histórico de subir a taxa de juro e pelo abrandamento económico que se seguirá. Pagaremos com desequilíbrio das finanças públicas,  falências privadas, habitações hipotecadas tomadas pelos bancos, desemprego e fatias de rendimento progressivamente menores para quem trabalha.  

O conflito de classes agudizou-se e a classe trabalhadora está a perder. Até quando? 


A pobreza da política económica

 

Ficámos a saber esta semana que “a pandemia fez com que Portugal subisse de 13.º para 8.º na lista de países europeus com maior risco de pobreza ou exclusão social”. Só “o primeiro ano da pandemia criou 230 mil novos pobres.” 

Em artigo na última revista Manifesto, Paulo Coimbra fez as contas, baseando-se no FMI, e concluiu: no que a Portugal diz respeito, a despesa pública discricionária e adicional de resposta à crise cifrou-se nos 5,6% do PIB de 2020, ou seja, uma despesa que representa pouco mais de metade da média mundial (9,7%) e um terço daquela realizada pelas economias avançadas (17,7%), em que nos integramos, tendo ficado o nosso país, neste capítulo, mais próximo dos países pobres, ou das economias emergentes. 

Quer isto dizer que a notícia teria sido mais rigorosa assim: a ausência de uma política económica adequada de resposta à pandemia fez com que Portugal subisse de 13.º para 8.º na lista de países europeus com maior risco de pobreza ou exclusão social. 

São os custos sociais da economia convencional inscrita nas regras e nas cabeças deste Governo.

sábado, 17 de setembro de 2022

O fantástico poder da propaganda [Lido e acrescentado]


Sobre as grandes questões do universo político-financeiro - temas tão candentes como combate à inflação, subida de taxas de juro, perda brutal do poder de compra, ameaça de recessão económica, falências, desemprego, crise social generalizada - mau grado o ruído, não existe propriamente informação. A qual exige rigor, enquadramento, explicação adequada. Tudo o que há é propaganda. Ou o eco de um 'spin', em tudo idêntico à propaganda da guerra, que se multiplica e invade todo o espaço mediático. O conteúdo do 'spin' e o seu suposto fundamento não é sequer analisado, muito menos debatido. O 'spin' torna-se 'mainstream' e arrasa tudo na sua torrente. Sem sombra de contraditório. Último exemplo: o BCE lançou - timidamente e após longa hesitação - a ideia de que pode atacar a inflação e "arrefecer a procura" (sic) nos mercados mediante subidas de taxas de juro. 

Depois de um período de justificada dúvida, o BCE propõe-se atacar o incêndio no sítio errado. Obviamente não há qualquer excesso de procura nos mercados, nem a economia europeia está sobreaquecida. A procura mal está a recuperar fôlego, após a fortíssima quebra nos anos de pandemia. Não existe nenhum indício de sobreaquecimento. Basta verificar com atenção os indicadores de crescimento médio líquido da procura nos últimos 2 anos e meio. A causa da inflação na zona € não é o excesso de procura, evidentemente. A causa não está do lado da procura, está do lado oposto, na oferta: no aumento de custos de produção, a começar na energia, em matérias-primas essenciais ou na escassez de 'commodities' como 'chips'. Passando depois para os transportes e por sinuosas cadeias de distribuição totalmente desreguladas. 

Este perfil de inflação gerada do lado da oferta não pode evidentemente ser resolvido pelo lado da procura. Nem pelo BCE, nem através de subidas 'ad hoc' de taxas de juro. É uma tarefa para os políticos. "Esse problema é para ser resolvido por outras pessoas, não por nós" - foi o que disse a senhora Lagarde, com todas as letras, na passada 5ª feira. Parece que ninguém a quis - nem quer - ouvir. Portanto, nos media e nos painéis de comentário irá continuar a falar-se de uma só coisa: se as taxas de juro deverão subir 0,25, 0,5, 0,75 ou mais - e quantas vezes. A opinião pública começou a ser "massajada" para aceitar mais uma brutal transferência de recursos do trabalho para o capital. O 'spin' do "aumento inevitável" das taxas de juro lançado como de costume pela alta finança - único setor a lucrar com o aumento do custo do dinheiro - tornou-se 'mainstream' e invadiu tudo. Sem sombra de contraditório. Pura propaganda, como na guerra.

O texto acima foi roubado a Carlos Vargas.

Acerca da brutal transferência de recursos do trabalho para o capital, conferir aqui.

Acrescentaria apenas que, entre as medidas pelas quais se deve começar para conter a inflação, a meu ver, deviam ter prioridade as seguintes:

- Uma solução negociada para a questão da guerra Rússia-Ucrânia e o consequente fim de sanções que infligem danos primeira e mais intensamente nos países europeus que as impõem;

- Programa urgente de política orçamental e monetária, que conjugue um maciço investimento público e privado em energias sustentáveis com taxas de juro próximas de zero e se apoie no controle público da quantidade e qualidade do crédito;

- Intervenção imediata no mercado financeiro de derivados onde se estabelece o preço da energia e por forma a impedir que a falência da maior empresa de energia alemã, seja apenas a primeira de muitas pelo mundo fora (mais acerca deste assunto, num próximo post);

- Controle público dos preços de bens estratégicos;

- Política de rendimentos que garanta subidas salariais iguais, mas não superiores, ao crescimento conjugado dos preços e da produtividade.


Momento de arte socialista

 

How 'Great' Britain mas made, colagem de Dave Riley, EUA, circa 2010s. 

Dos comentários:  

É verdade. Provavelmente só os Estados Unidos foram piores, embora cada grande país europeu, de Portugal à Rússia, (e Japão), tenha o seu próprio horrendo legado imperial.

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Segurança Social: da questão demográfica ao oportunismo da Sedes


Em matéria de Segurança Social, o recente relatório da Sedes (a que o João Rodrigues e o João Ramos de Almeida já se referiram, aqui e aqui), está em perfeita sintonia com a marca neoliberal que o ensopa, patente na promessa de «duplicar o PIB em 20 anos», brindando as empresas com um «choque fiscal» e reservando os «sacrifícios» para os do costume, na melhor esteira da PAF e da economia-do-pingo-que-não-pinga.

De facto, também nesta matéria a receita é velha e relha, recorrendo-se uma vez mais a uma retórica com décadas: a) temos um problema de envelhecimento demográfico; b) esse problema torna o sistema de pensões insustentável; c) é preciso substituir o atual modelo de repartição (solidário e intergeracional) pela capitalização (em que cada um trata da sua própria reforma, entregando-se a gestão das contribuições ao mercado).

A questão demográfica é irrefutável: existe um problema de envelhecimento, que se acentuará pelo menos a médio prazo. De facto, e de acordo com o INE, se em 1960 o segmento das crianças e jovens representava cerca de 30% da população total, em 2020 representa menos de metade desse valor (13%). E, em sentido inverso, se a população idosa representava cerca de 8% em 1960, hoje representa quase o triplo (22%).

Só que o corolário de tudo isto não é - como a direita e a Sedes ardentemente desejam - a inevitável transição para um sistema de capitalização, gerido por privados nos mercados bolsistas, com os riscos e desastres que se conhecem, e sem que se explique de que forma esse modelo garante a redistribuição e as pensões que o sistema público, comum e solidário, assegura. Porque a questão da sustentabilidade da Segurança Social é, na verdade, uma questão de «sustentabilidade demográfica» da Segurança Social, e não da sua filosofia redistributiva e solidária.

A direita esquece-se, aliás, do importante contributo do emprego e dos rendimentos para a melhoria da sustentabilidade do sistema, como ficou bem demonstrado no tempo da Geringonça. A recuperação do emprego, entre 2015 e 2019 (depois de o desemprego ter atingido máximos históricos), permitiu adiar em 9 anos a data prevista para o surgimento dos primeiros saldos negativos do FEFSS e em 19 anos a data prevista para o seu esgotamento (como mostra o gráfico lá em cima). É que não é por acaso que a direita aparentemente tão preocupada com a sustentabilidade da Segurança Social é a mesma direita que despreza o pleno emprego e a melhoria dos salários.

Não é mesmo um slogan


O livro foi lançado em Maio. Saiu em Setembro a segunda edição de O Neoliberalismo não é um slogan – Uma história de ideias poderosas. Já me perguntaram se escrevi mais, porque a segunda edição é mais volumosa. Não trabalhei mais, a gramagem do papel é que é diferente.

Nas concorridas feira do livro de Lisboa e festa do livro do Avante tive excelentes trocas de ideias com Mariana Mortágua, cujo estimulante livro recensearei em breve, e com Vasco Cardoso.

Obrigado aos leitores generosos.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Foi hoje...

                                                                        
 ... há dez anos. 

Ficou marcada uma manifestação, convocada pela organização "Que se lixe a troica!". 

Mas ao contrário de muitas outras, e porque o descontentamento era já explosivo e quase todos abrangeu (incluindo jornalistas) em virtude da aplicação militante das políticas (neo)liberais abraçadas pelo Governo Passos Coelho/Paulo Portas/Moedas/Montenegro, a manifestação tornou-se mesmo notícia. E acabou por ser inevitável o seu acompanhamento pelos meios de comunicação social. 

Mais: as próprias televisões tornaram-se meios de mobilização social. A SIC Notícias ia dando, hora a hora, o número de adesões à manifestação na página do Facebook da organização. E os números iam crescendo. E à medida que cresciam iam fazendo mais pessoas estar dispostas a vir para as ruas, em todo o país. Foi um momento alto de condicionamento social invertido, face ao papel conservador que as televisões costumam ter relativamente à realidade social do país.

Recorde-se que o chispa para esta manifestação de 15/9/2012 foi o anúncio cerca de uma semana antes (a 7/9/2012) da ideia mirambolante de fazer subir a taxa social única (TSU) dos trabalhadores de 11% para 18% dos salários, ao mesmo que se baixava a das empresas de 23,75 para 18%. Ou seja, os trabalhadores perdiam - de um golpe - 7% dos seus salários e ordenados que, na sua maior parte (5,75 pontos percentuais) eram directamente transferidos para os donos das empresas. E lucravam mais as empresas que mais trabalhadores tivessem.

Esta medida surgiu depois de ter caído por terra em Julho de 2011 uma outra medida semelhante que visava fazer crescer a actividade económica, ao reduzir a TSU das empresas, sendo o "buraco" nas contas da Segurança Social coberto por receitas do IVA (desvalorização fiscal). Porém, todos os quadros técnicos envolvidos no estudo dessa medida - do Ministério das Finanças e do Trabalho, Banco de Portugal, etc. - questionaram a sua eficácia e a possibilidade financeira de ceder receitas fiscais do IVA. O tempo foi passando e o Governo ficava sem alternativas de política económica que, no quadro do pensamento teórico (neo)liberal, pudessem fazer crescer a economia. Recorde-se que haveria outras medidas - que até as confederações empresariais e patronais iam sugerindo na concertação social (procure-se aqui o caderno nº9 - mas que o Governo recusava por não se enquadrar no seu pensamento. Esta dessintonia entre uma visão (neo)liberal e empresários atingiu um climax quando António Borges, conselheiro do Governo, se mostrou agastado com os empresários, aliás num remake crítico que já havia acontecido com Cavaco Silva nos anos 90, e que é referido nas suas memórias, quando se declarou muito decepcionado com os empresários e grupos nacionais por quem ele tinha feito tanto, nomeadamente através do programa de privatizações... 

Mas voltemos a Setembro de 2012. Ao dia do anúncio da medida. 

 

Faça-se uma leitura orientada: