quinta-feira, 22 de setembro de 2022

O empobrecimento é a cura para a inflação?


"Entre o risco de forte perda de poder de compra por parte dos funcionários públicos e as preocupações com a criação de espirais inflacionistas e de desequilíbrios orçamentais, o Governo dá sinais de se estar a inclinar para um aumento salarial no sector público que fica distante da subida registada nos preços. As declarações que têm vindo a ser feitas sobre este assunto, tanto pelo primeiro-ministro como pelo ministro das Finanças, apontam para que os funcionários públicos venham a beneficiar de uma actualização salarial em 2023 significativamente mais baixa do que a do valor da inflação deste ano. Isto é, verão os seus salários a diminuir em termos reais".

Para justificar as opções do governo, cuja recusa em aumentar salários e pensões em linha com a inflação se traduz numa quebra acentuada do poder de compra, a maioria dos economistas aponta dois objetivos que se têm sobreposto: conter o défice orçamental e travar "espirais inflacionistas". Só que ambos fazem pouco sentido no contexto atual.

Por um lado, não há razão para insistir numa redução acentuada do défice quando nos encontramos à beira de uma recessão. A economia portuguesa já dá alguns sinais iniciais de abrandamento (o consumo privado e o investimento caíram no segundo trimestre do ano) e a quebra dos salários reais tenderá a acentuá-lo. Como, para o conjunto da economia, os gastos de uns são o rendimento de outros, a quebra do poder de compra e da procura tem impactos negativos na atividade económica e no emprego, afetando o rendimento disponível. O risco de uma recessão é o que devia preocupar o governo.

Por outro, os receios acerca de uma espiral inflacionista - isto é, uma dinâmica de aumentos salariais que agravaria a subida dos preços - são simplesmente infundados. Não só não há evidência empírica que suporte essa relação, como não há motivos para pensar que a compressão dos salários em Portugal contribua para estancar a subida dos preços da energia, que não resulta de um excesso de procura mas sim de constrangimentos da oferta.

Nenhum destes objetivos justifica o corte real nos salários e nas pensões. Na verdade, ambos refletem a verdadeira estratégia do governo: comprimir os rendimentos da maioria das pessoas e esperar que a inflação passe, enquanto se deixam intocados os lucros extraordinários das grandes empresas e as rendas dos proprietários. Uma década depois do programa de austeridade da direita, tudo isto é familiar.

2 comentários:

Eduardo disse...

Creio que foi por recomendação deste blogue que pedi ao meu livreiro o livro de Paul Krugman, "Discutir com Zombies". Hoje, na minha hora de almoço li mais um pouco e na página 130 (artgo de novembro de 2008) leio, "Quando a economia da depressão domina, as regras habituais da política económica já não se aplicam: a virtude torna-se vício, a precaução é arriscada e a prudência é tolice". Será que repetir continuadamente é burrice dos "ddt" ou é por sadismo?

Vicente Ferreira disse...

Diria que é sobretudo por interesses de classe.