sexta-feira, 2 de setembro de 2022

1970s vs. 2022: descubra as semelhanças

Portugal é um dos países da OCDE em que os salários estão a perder mais face à inflação registada este ano. A escalada dos preços está a afetar a maioria das carteiras, sobretudo com a recusa do governo em promover aumentos salariais (e das pensões) pelo menos em linha com a inflação, protegendo o poder de compra no setor público e estabelecendo um referencial para os aumentos no setor privado.

Para justificar a opção do governo, António Costa evocou a experiência do último grande surto inflacionista à escala mundial, durante a década de 1970: “Todos os que viveram nos anos 70 e 80 se recordam […]. Se os preços estão a aumentar porque os custos de produção estão a subir, então, por essa via [aumentos salariais], iríamos só aumentar mais os custos […] e cairíamos na ilusão do aumento do rendimento”.

Se olharmos para os dados disponíveis, o que se percebe é que a atual situação tem muito pouco a ver com a que se registou nos anos 70: se, nessa altura, os salários dos países da Zona Euro subiam numa tentativa de acompanhar a subida dos preços, o que temos hoje é uma quebra significativa dos salários reais (a amarelo no gráfico ao lado, retirado de uma análise do BCE). Aquilo a que os economistas costumam chamar "efeitos de segunda ordem" - isto é, aumentos consecutivos de salários e preços - não se têm verificado.

Não há dúvida de que não são os salários que estão a alimentar a inflação. Pelo contrário, o próprio BCE reconhece que, além do impacto da guerra nos preços internacionais de algumas matérias-primas, o que está a impulsionar a inflação são os lucros extraordinários das empresas, sobretudo em setores como o da energia ou o da grande distribuição.

Neste contexto, a estratégia do governo português tem sido a de usar os salários reais como variável de ajustamento para absorver o choque da inflação. Por outras palavras, os custos do surto inflacionista estão a ser imputados sobretudo aos trabalhadores e pensionistas. Só que, além de ser socialmente injusta, a quebra dos salários reais tem um efeito de compressão da procura interna que afeta a atividade económica e o emprego. Todos os que atravessaram o período de 2010-2015 se recordam dos efeitos recessivos desta estratégia e das consequências que teve para o país.

Na Europa, há países que vão dando passos diferentes. Itália, Espanha, Grécia, Reino Unido e Bélgica já avançaram com impostos sobre os lucros extraordinários que permitem travar o aproveitamento da crise por parte das grandes empresas. Além disso, a receita obtida pode ajudar a financiar outras medidas necessárias, a começar pelo aumento dos salários e pensões pelo menos em linha com a inflação. Por cá, a recusa do governo em atuar é uma opção política que a maioria dos trabalhadores e pensionistas paga caro.

1 comentário:

Carlos Marques disse...

«impacto da guerra nos preços internacionais»

Não há impacto absolutamente nenhum da guerra nos preços internacionais.
Todo o impacto ACTUAL nos preços é causado pelas sanções ilegais.
E o impacto já vinha de trás, causado então pela disrrupção das cadeias produtivas devido às medidas repressivas para combater a covid19.

Que me lembre, não houve nenhum ano neste planeta sem guerra, e a guerra a que o Ocidente tanto dá atenção agora, começou há 8 anos, e a fase actual começou em 16-Fevereiro-2022 quando a ditadura Ucraniana e seus Nazis violou acordos de paz de Minsk e re-começou a bombardear, milhares de vezes por dia, as zonas civis do Donbass. Isto é factual, está nos relatórios da OSCE. E a intervenção Russa, provocada e totalmente justificada, foi a única coisa no caminho entre os Nazis/NATO e os civis do Donbass.

Se depois a Europa é liderada por idiotas e vassalos de Washington, isso é outra estória, bem triste, e isso sim justifica o ACTUAL impacto nos preços internacionais.
Aliás, esse impacto é acima de tudo nos países que aplicam as tais sanções ilegais, é um efeito boomerang, que em bom Português se pode designar por "cá se fazem, cá se pagam".

Mais rigor da próxima vez.