sexta-feira, 31 de maio de 2013

1 de Junho: Povos unidos


Saídas


O Rui Tavares respondeu anteontem simpaticamente ao meu texto na sua crónica regular no Público. Fico contente por saber que a aprendizagem é mútua e que entre outras coisas estamos de acordo nisto: a discussão sobre o euro e sobre o futuro da UE é demasiado importante para ficar confinada a economistas ou a outros cientistas sociais. A sua réplica circunscreve-se, no fundo, a uma pergunta a que responde negativamente: é possível, juridicamente, sair do euro sem sair da UE? Eu acho que há outras perguntas mais importantes: É possível resolver o problema do desemprego ou os desequilíbrios externos sem instrumentos de política dignos desse nome? É possível falar de democracia sem instrumentos sobre os quais deliberar? Não sou jurista e talvez por isso não creia que a questão que colocou seja das mais importantes.

Parece que até é possível sair da UE, mas que a saída do euro sem sair da UE é impossível no quadro das regras existentes, talvez porque se tenha considerado que apresentar essa possibilidade fosse reconhecer aquilo que o euro é enquanto arranjo institucional com profundas e bem negativas influências: um sistema cambial rígido, com demasiadas semelhanças, no tipo de ajustamento economicamente recessivo e socialmente regressivo que autoriza, com o padrão-ouro de tão má memória histórica. Também sabemos que estas questões jurídicas são ultrapassáveis, têm sido ultrapassadas, inclusive com vontade política soberana, indispensável em relações internacionais. De resto, ao papão da saída da UE e a outras ameaças do mesmo calibre que se multiplicarão, deve responder-se assim: “o medo é uma coisa que não nos assiste” ou, numa referência mais respeitável, “medo só do próprio medo”. Em inglês se for preciso para que nos entendam melhor lá fora: bring it on. A desobediência nacional, de preferência coordenada com outros países, terá de ser feita de qualquer maneira e será feita, tenho esperança, resta saber por quem, ou seja, por que forças políticas: tudo começa pela denúncia do memorando e passa pela reestruturação da dívida. A nossa relação com a UE tal como está instituída terá sempre de ser revista, assumindo a saída se for preciso.

Não seremos os únicos: precisamos nas periferias e não só de controlo de capitais e de política industrial e de muito mais instrumentos, culminando na possibilidade de usar a política cambial e de ter acesso, quando for preciso, a financiamento do Banco Central. As ameaças serão sempre mais do que muitas para quem se queira libertar desta canga. O BCE e o resto já mostraram do que são capazes. Veja-se o mais recente caso do Chipre: ameaças de fecho da torneira de liquidez aos bancos e aceitação de controlos de capitais nacionais, agora declarados compatíveis com a partilha da mesma moeda e com as regras que sustentam estes arranjos. Quem diria que tal imaginação institucional seria possível? De resto, qual é a alternativa a um processo negocial duro e complexo e que irá ilustrar, pela enésima vez, como as normas legais se adequam às necessidades fixadas pelas correlações de forças? Qual é a alternativa a um divórcio monetário, e estes foram às dezenas no século passado, que quanto mais cedo ocorrer melhor será capaz de preservar aquele módico de cooperação entre estados que será necessário, aproveitando, seletivamente e a muitas velocidades, tantas quantas as vontades e condições para a integração, o legado institucional que existe, recriando ferramentas de coordenação monetária, preservando o que vale a pena preservar?

O Rui invoca o institucionalismo. Faz bem. É preciso não esquecer que um risco actual é que o euro destrua a possibilidade de princípios institucionais mais modestos, mas bem mais eficazes de cooperação e coordenação e que funcionaram em certa fase da história da integração europeia. Tudo isto é complexo e difícil, tanto que nem sequer vale muito a pena estar a fazer desenhos detalhados, valendo mais ter uma bússola que nos oriente o melhor possível num terreno por onde nunca andámos. Como dizia Keynes, mais vale estarmos vagamente certos do que precisamente errados. Entretanto, tentemos imaginar a continuação desta política nos próximos anos, o que significa ficar assim dentro do euro, o que nos espera do ponto de vista socioeconómico. Sem esperança, derrotados, empobrecidos e desmoralizados depois de uma década ainda mais perdida do que a anterior o foi. É disto que tenho medo.

Cortes

Citando dados do DEO e da OCDE, o Público adiantava ontem um conjunto de medidas, no valor de 728 milhões de euros, que o governo deverá incluir no Orçamento Rectificativo de 2013. Como era de prever - e prosseguindo na lógica dos anteriores pacotes de austeridade - trata-se de cortes que incidem fundamentalmente sobre a Função Pública (30%) e as funções sociais do Estado (30% na Segurança Social, 14% na Educação e 5% na Saúde). No total, estes domínios perfazem cerca de 79% do total de cortes previstos, distribuindo-se os 21% remanescentes pelo Sector Empresarial do Estado e PPP (7%), Economia (6%) e Defesa (5%), e os restantes 2% à Justiça, Representação Externa, Governação e Cultura, Agricultura, Mar e Ambiente e Administração Interna.

São estes os cortes («poupanças na despesa», no linguajar da novilíngua) que, atingindo sobretudo funcionários públicos, reformados e pensionistas, não se aplicam - dizia Passos Coelho há duas semanas atrás - «à generalidade das pessoas». Isto é, não tinham «consequências directas para os cidadãos» (de onde se deduz, portanto, que funcionários públicos, reformados e pensionistas não são bem cidadãos). Pela enésima vez, quatro ideias que é preciso desmontar nesta narrativa fraudulenta sobre cortes sociais e «reforma» ou «refundação» do Estado:

1. Apenas por puro formalismo se pode dizer que o equilíbrio orçamental é feito do lado da despesa e não do lado da receita (via impostos): para quem tem que deixar de dispor de parte do seu rendimento, pouco importa se isso decorre de um corte directo nos salários (ou pensões) ou de um aumento do custo de vida e de encargos acrescidos com serviços públicos e bens essenciais;

2. Ao degradar a Administração Pública e a qualidade e acesso a serviços públicos, os cortes no Estado e nas suas funções sociais afectam todos os cidadãos e não apenas, como se quer fazer crer, os funcionários públicos directamente afectados pelos cortes ou abrangidos pelos processos de «desvinculação» e «mobilidade»;

3. Ao promover despedimentos e o consequente aumento do desemprego, o governo contribui para retrair ainda mais o consumo, aprofundando assim o verdadeiro bloqueio que impede a saída da crise: a procura interna (e que torna irrelevantes a melhoria do acesso ao crédito pelas empresas ou os anúncios desesperados de ser chegado o «momento do investimento» e a hora dos empreendedores);

4. O Estado não é uma espécie de buraco negro que absorve as energias e os recursos da suposta «verdadeira economia» (a iniciativa privada e o mercado). O Estado é emprego e inclusão social através do trabalho. O Estado é redistribuição, igualdade de oportunidades, dignidade humana e combate às injustiças e desigualdades sociais. O Estado é estratégia de desenvolvimento, organização do território e dos recursos, promotor dos verdadeiros factores de competitividade (educação, saúde, infraestruturas). O Estado é, evidentemente, economia.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Os novos liquidacionistas


Esta semana, num jornal de negócios e na televisão, dois economistas recorreram à metáfora da ressaca para explicar aos portugueses que a crise é o resultado de uma bebedeira de crédito durante mais de uma década. Por isso, os que propõem medidas de relançamento da economia deveriam estar calados porque, nas palavras de um deles, "nunca ouvi dizer que um problema de álcool se cura com mais álcool". Infelizmente, os jornalistas também parecem não perceber que se trata de uma retórica neoliberal, bem conhecida, que visa instalar a sensação de inevitabilidade da política de austeridade na zona euro.

Esta política funda-se nas teorias económicas que integram a ideologia neoliberal (neoclássicos, novos clássicos), as mesmas que caucionaram as políticas de desregulamentação da finança e levaram às crises dos últimos 30 anos. A crise da zona euro, com uma natureza institucional específica, é também um produto da globalização financeira e da financeirização das economias europeias, de que resultou um sistema bancário cuja estabilidade já não pode ser garantida ao nível nacional. As crises bancárias da Irlanda, Espanha e Chipre são fruto deste processo de integração financeira. Como mostra Paul De Grauwe ("Fighting the wrong enemy"), o excessivo crescimento da procura interna nos países da periferia (construção, serviços, importações), após a criação da moeda única, foi causado pelo grande afluxo de dinheiro vindo dos países excedentários, sem esquecer a grande valorização do euro que tornou ainda mais baratas as importações dos países de baixos salários. "Grande parte do financiamento desta especulação insustentável proveio dos países 'virtuosos' através dos seus excedentes na balança de transacções correntes. Estes desequilíbrios [externos] sempre ocorrerão mesmo que todos os países procurem manter o orçamento equilibrado. Portanto, tudo indica que a proposta alemã de instituir a regra do orçamento equilibrado constitui uma grande operação de maquilhagem da sua própria responsabilidade na criação dos desequilíbrios dentro da zona euro."

Nada disto é novo. Recorde-se que a crise financeira asiática, iniciada na Tailândia em 1997, foi causada pela enorme entrada de capitais especulativos em vários países da região, à procura de novas oportunidades de lucro. O crédito fácil gerou bolhas especulativas no imobiliário que acabaram por rebentar, deixando estes países com um grande endividamento externo. Comentando a tese da "ressaca" asiática, um artigo de Paul Krugman terminava, de forma pertinente ("The Hangover Theory", 1998): "Quantos editoriais já viram avisando que a expansão do crédito na Coreia ou Malásia foi uma péssima ideia já que, no fim de contas, foi o crescimento excessivo do crédito que criou o problema [das bolhas]?"

Esta ideia da bebedeira, seguida de uma ressaca que devemos sofrer por tempo indeterminado, é a versão moderna do "liquidacionismo" que levou à Grande Depressão. Como propunha Andrew Mellon, o secretário de Estado do Tesouro do presidente Hoover, é preciso deixar "liquidar os trabalhadores, liquidar as acções, liquidar os agricultores, liquidar as urbanizações; [a crise] eliminará o que está podre no sistema. O elevado custo de vida e os elevados níveis de vida descerão. As pessoas trabalharão mais e a sua vida será mais conforme aos padrões morais. Os valores ajustar-se-ão e a pessoas mais empreendedoras substituirão as menos competentes".

Contra os "liquidacionistas", era Keynes que tinha razão quando defendeu o controlo apertado da finança e maiores défices para relançar a procura: "Nos assuntos correntes, o longo prazo é um guia enganador. No longo prazo estaremos todos mortos. Os economistas assumem uma tarefa demasiado fácil, demasiado inútil, se em tempos de tempestade apenas nos dizem que, quando o vendaval passar, o mar estará novamente calmo."

(O meu artigo no jornal i)

Variáveis de ajustamento?

Dado que grande parte da nova fase de austeridade prevista tem as pensões como seu alvo, torna-se particularmente importante estar protegido contra as fraudes que circulam por aí para justificar o injustificável. O documento As pensões como variável de ajustamento permite, em meia dúzia de páginas, fazê-lo. A não perder.

Economia política do Cavaquismo

«Com Cavaco Silva a degradação agravou-se. Ele falhou nas suas funções presidenciais básicas: contribuiu, com parte da classe política, para a perda da independência económica do País; fez vista grossa a constantes e variadas agressões à Constituição; foi complacente com os atropelos ao normal funcionamento das instituições democráticas e às ameaças à unidade do Estado que ocorreram, frequentemente, na ilha da Madeira. O político Cavaco Silva descredibilizou-se: o seu gabinete meteu-se em conspiratas contra o primeiro-ministro Sócrates; ele próprio foi confrontado na imprensa com a compra de uma casa e uma ligação ao BPN que afetou a sua reputação; viu políticos que o acompanharam serem suspeitos de crimes; afastou-se do povo ao queixar-se faltar-lhe dinheiro para despesas; não desmente ter entrado em conflito com o Conselho de Estado por causa do comunicado final.»

Pedro Tadeu, Cavaco e Sousa Tavares

«Só alguém muito ingénuo acreditaria que a reunião do Conselho de Estado seria para debater as "perspectivas da economia portuguesa no pós-troika, no quadro de uma economia união económica e monetária efectiva e aprofundada". Também ninguém acreditaria que se tenham perdido sete horas a debater a necessidade de um "aumento de competitividade e de crescimento sustentável" ou "se a União Económica e Monetária deve criar condições para que a União Europeia e os Estados-Membros enfrentem, com êxito, o flagelo do desemprego", como consta do comunicado final. (...) Este Conselho de Estado foi mais um tremendo erro político de Cavaco Silva: mostrou que o consenso em redor das políticas do Governo é impossível e mostrou que o Presidente é incapaz de ser um moderador, um agregador de vontades, um verdadeiro garante do regular funcionamento das instituições, ou seja, é uma inutilidade institucional.»

Pedro Marques Lopes, Um Conselho de Estado revelador

«É um Governo teimoso, porque o Presidente da República, isolado, no seu palácio, contra a população que o elegeu e cada vez mais o critica, considera, estranhamente, legítimo, o Governo. Só por ter sido, há dois anos, eleito, com um programa de promessas que não tem qualquer correspondência com o que tem vindo a fazer? (...) É caso para se pensar: estará o Senhor Presidente Cavaco Silva a ser chantageado, como tem sido o ministro Paulo Portas, e daí os seus ziguezagues políticos? Não quero acreditar. Mas de qualquer modo o Presidente deve refletir e mudar rapidamente, porque está a seguir um caminho errado e muito perigoso. Para o País e para ele.»

Mário Soares, Um governo a cair aos poucos

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Uma alternativa


Com a excepção de algumas mentes brilhantes, como é o caso de Daniel Bessa, que ainda há dois dias se opôs à flexibilização da meta orçamental para 2014, já quase toda a gente compreendeu, governo incluído, que é urgente aliviar a política de austeridade, uma vez que se tem derrotado a si própria. Por outras palavras, as medidas de austeridade adoptadas estão a impedir o próprio cumprimento das metas orçamentais. Como disse o ex-secretário de Estado do Orçamento Emanuel dos Santos, “sem crescimento não há consolidação”; e no momento presente, sem o suficiente contrapeso da procura externa, estas medidas estão a bloquear o crescimento de Portugal.

Precisamos, portanto, de travar a austeridade de forma a iniciar a necessária recuperação económica do país e, consequentemente, consolidarmos as nossas contas públicas e pagarmos a parte da dívida que ainda pode ser paga. Para isso é fundamental uma renegociação com a troika que permita estabelecer um programa de ajustamento suficientemente prolongado no tempo, de forma a não boicotar o crescimento económico – objectivo partilhado por todos.

No entanto, a renegociação não é suficiente; é preciso libertar recursos para desenvolver uma política industrial que permita graduar e qualificar o perfil da nossa estrutura produtiva. E para libertar recursos é necessário reduzir (de forma significativa) os encargos anuais com o serviço da dívida, o que necessariamente exige a sua reestruturação. E desde que represente uma redução substancial dos encargos anuais, a reestruturação pode assumir as mais diversas formas.

No entanto, no quadro do euro, uma renegociação do programa de ajustamento e uma reestruturação da dívida pública, por si só, não bastam para desenvolver uma política industrial verdadeiramente eficaz; precisamos igualmente de negociar com os nossos parceiros europeus a suspensão, durante um período limitado de tempo, de algumas regras da concorrência e do mercado interno europeu, para que Portugal possa proteger alguns sectores considerados estratégicos, quer seja através de proteccionismo selectivo e temporário, quer seja através de subsídios à exportação. Mantendo-nos no quadro do euro, só desta forma conseguiremos desenvolver a nossa indústria e ter futuro.

(crónica publicada às quartas-feiras no jornal i)

IAC: Pobreza não paga a dívida


Realiza-se hoje, 29 de Maio, no bar/foyer do Cinema São Jorge, em Lisboa, a partir das 18h00, o lançamento da Campanha «Pobreza não paga a dívida - Renegociação já!», que tem em vista promover o debate público sobre a dívida e uma recolha de assinaturas, no âmbito da petição a ser entregue à Assembleia da República, instando-a a:
● Pronunciar-se a favor da abertura urgente de um processo de renegociação da dívida pública que envolva todos os credores privados e oficiais;
● Promover, no âmbito das suas competências próprias, a criação de uma Entidade para acompanhar a auditoria à dívida pública, bem como preparar e acompanhar o seu processo de renegociação.

Na página da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida (IAC),encontram-se disponíveis o texto da petição (e de recolha das assinaturas) e um folheto explicativo da campanha.

terça-feira, 28 de maio de 2013

A grande derrota?

Rui Tavares, um dos nossos melhores intelectuais públicos, escreveu recentemente uma crónica intitulada “a grande valorização”. Nela fala de duas opções que “nos propõem” – a desvalorização interna e a desvalorização cambial –, opondo-lhes uma “grande valorização”, assente no que parecem ser propostas de economia do lado da oferta, tal como investimento em “capital humano” e “atracção de capitais”. No actual contexto, com os instrumentos de política disponíveis, esta abordagem tende a conduzir à redução do IRC ou ao aprofundamento da submissão do ensino e formação ao que se julga ser a necessidade do capital realmente existente, relação social fundamental na economia, e que de humano tem cada vez menos. Este enfoque pode ter várias justificações, mas em nada, friso o em nada, contribui para resolver os problemas de cada vez maior capacidade produtiva por utilizar, de procura em queda, os problemas do desemprego de massas.

De resto, não estamos perante duas “propostas”: a desvalorização interna está inscrita no euro e está em curso há vários anos, mesmo antes de a troika ter aterrado na Portela, tendo sido imposta a partir de Bruxelas e destruído já bem mais de 500 mil postos de trabalho, provocado uma quebra acentuada nos salários, levando a taxa de desemprego para o dobro do máximo histórico antes do euro, feito o investimento quebrar mais de 30% (em cima dos 20% de quebra nos anos do euro antes da sua crise), levando a privatizações sem fim e à destruição, a prazo, do Estado social. A “grande valorização” não é alternativa porque não pode ser mais do que um complemento à austeridade. E os instrumentos para superar a austeridade não serão criados à escala europeia, como Rui Tavares saberá melhor do que ninguém, mesmo depois das eleições alemãs, até porque o SPD, retórica à parte, partilha o essencial da agenda de Merkel, ou não tivesse sido o seu líder o mentor do reforço institucional da ortodoxia orçamental.

Resta-nos a recuperação da soberania monetária para termos capacidade para financiar a expansão orçamental necessária, com controlos de capitais e substituição de importações. Esta não é um “regresso ao passado”, porque este termo pressupõe uma visão da história, presente na crónica, em que a integração, por via dos mercados globalizados e do euro, constituiu de alguma forma um progresso. Creio que temos cada vez mais ampla evidência para dizer que foi antes uma grande regressão.

Quanto ao ponto de que a proposta de saída do euro, que é bem do que a proposta de recuperar a política cambial, impede a convergência política à esquerda, tal depende das configurações dessa convergência. Há convergências fundamentais em que estamos envolvidos que podem e devem ser feitas a montante da proposta de saída, nas propostas de denúncia do memorando e da defesa da grande reestruturação da dívida, sem contudo recusar categoricamente o cenário de saída, como fez de resto o Congresso Democrático das Alternativas. Quem pode com seriedade querer denunciar o memorando e não estar preparado, no mínimo, para poder ter de sair do euro? É claro que esta questão pode ser evitada, através da recusa em denunciar o memorando, apelando, como faz Seguro, a uma cada vez mais vaga renegociação, dependente da vontade dos credores. Este é, estou seguro, o caminho para a continuação da grande derrota em curso.

O passado é um país distante?

«Não me venham dizer que Portugal seguiu más políticas no passado e que tem problemas estruturais profundos. Claro que tem, como todos os países têm. Mas mesmo que se possa dizer que a situação de Portugal é mais grave que a de outros países, como pode pensar-se que a forma para lidar com esses problemas reside em condenar um elevado número de trabalhadores disponíveis ao desemprego? A resposta para o tipo de problemas que Portugal agora enfrenta, como já sabemos há muitas décadas, é uma política monetária e fiscal expansionista. Mas Portugal não pode adoptar essa política por conta própria, dado que já não dispõe de moeda própria. Ou seja, das duas uma: ou o euro deve acabar ou algo deve ser feito para que ele funcione. Porque aquilo a que estamos a assistir (e que os portugueses estão a experienciar) é inaceitável.»

Paul Krugman, Pesadelo em Portugal

«No verão de 1976 Portugal era um lugar interessantemente estranho - estava ainda numa situação um pouco caótica, em resultado do golpe de Estado e da retirada do seu império africano (os hotéis estavam cheios de «retornados» vindos de África, aí colocados temporariamente). (...) O país era, em suma, fascinante, amável, mas ainda muito pobre. (...) Às vezes encontro europeus que dizem que as minhas duras críticas à troika e às suas políticas significam que eu sou anti-europeu. Pelo contrário: o projecto europeu, a construção da paz, da democracia e da prosperidade através da União é uma das melhores coisas que já aconteceu à humanidade. E é por isso que as políticas erradas, que estão a fragmentar a Europa, são uma enorme tragédia.»

Paul Krugman, Memórias portuguesas (triviais e pessoais)

Excertos dos dois artigos que Paul Krugman publicou ontem no The New York Times e cuja tradução pode ser lida na íntegra aqui e aqui. Dois artigos que surgem, ironicamente (ou não), no dia em que o presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, veio de visita a Portugal.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Faz sentido?

Dizem-nos que temos poucos trabalhadores para pagar as pensões dos reformados. Logo, temos que estender os anos de trabalho (agora para os 66 anos). Entretanto, há cada vez mais trabalhadores que querem trabalhar (e contribuir) e não podem.

Três notas sobre Investimento Estrangeiro

A anunciada descida do IRC sobre as empresas é normalmente apresentada como forma de atracção de capital estrangeiro a um país em quebra de investimento. Embora a medida seja (pouco) discutida quanto à sua eficácia (o IRC é uma variável significativa nas decisões de investimento dos agentes exteriores?) e impactos redistributivos (devem ser os trabalhadores os únicos a pagar impostos?), não existe qualquer discussão sobre o papel do Investimento Directo Estrangeiro (IDE) no desenvolvimento do país. O IDE seria sempre bom, ponto. Vale a pena fazer três notas para reflexão sobre o assunto

1- Há bom e mau investimento directo estrangeiro. É um erro ver o IDE como entidade homogénea nos impactos na economia portuguesa. Comparemos o exemplo da Autoeuropa, empresa estrangeira que criou capacidade produtiva adicional e que, aparentemente, contribuiu quer para o desenvolvimento de um conjunto de empresas portuguesas com novas competências quer para a qualificação dos seus trabalhadores, agindo como motor de progresso de uma pequena parte da economia portuguesa, com o investimento da Three Gorges na EDP, simples mudança da propriedade e cujos efeitos no país não se conseguem vislumbrar. Ou melhor, vislumbram-se nos milionários dividendos distribuídos pela EDP aos seus accionistas no exterior. Acresce ainda que, com o seu intuito de utilizar a EDP como veículo para a sua internacionalização, investindo fora de portas, o investimento da Three Gorges pode facilitar a exportação de capital. Uma empresa estratégica é assim colocada ao serviço não das necessidades do país, mas sim dos seus accionistas.

2- Há um deve e um haver no investimento. O investimento é apresentado como positivo porque, mesmo que os seus efeitos no todo da economia sejam diminutos, cria emprego e isso, num país onde o desemprego é tão elevado, é mais do que suficiente. No entanto, tal perspectiva esquece que o capital beneficia de um conjunto de custos não suportados por si, mas sim por toda a comunidade. A educação dos seus trabalhadores, a saúde destes, as infraestruturas utilizadas (o Estado Social não beneficia só os seus utentes directos), os recursos naturais explorados pela empresa são custos não cobrados que devem ser levados em conta na avaliação dos projectos. Os seus lucros devem, por isso, ser taxados de forma a devolver parte dos custos não suportados à comunidade. No caso do IDE, a evasão fiscal é mais fácil. Por exemplo, práticas de multinacionais como sub e sobrefacturação na relação entre diferentes subsidiárias, comprando inputs ao exterior acima do preço de custo e vendendo outputs abaixo do preço de custo, permite a evasão a impostos sobre lucros que se tornam aparentemente inexistentes. O pouco que se pretende cobrar em IRC facilmente se transforma em nada.

3- O investimento estrangeiro pode ser fonte de instabilidade económica. Embora a noção de IDE implique uma participação de pelo menos 10% na estrutura de capital de uma empresa doméstica, medidas como a descida do IRC não descriminam quanto à natureza do capital. Assim, fluxos de capitais de curto prazo são aqui particularmente valorizados. É neste caso que as variáveis ficais são mais relevantes face a outras variáveis mais estruturais na decisão de investimento (serviços públicos, custos energéticos, salários, etc.). Ora fluxos de curto prazo, em busca de ganhos rápidos, tendem a ser maiores em períodos de prosperidade, muitas vezes alimentando bolhas especulativas, e a rapidamente escaparem em situações de crise, agravando-a. A entrada deste tipo de capital estrangeiro, ao agravar as fases do ciclo, deve, nestes casos, ser limitada e não promovida.

domingo, 26 de maio de 2013

Razões passadas e presentes


[A] Moeda Única não eliminará os défices comerciais que Portugal tem com todos os países comunitários. O que implicará é a perda de instrumentos para que Portugal possa reagir contra o agravamento desses défices. Identicamente foi renovada a promessa de fé do Governo numa Europa social. Mas mais uma vez foi escamoteado que nessa guerra financeira a nível mundial de que a Moeda única será um factor de agravamento, serão inevitavelmente utilizadas como armas a sacrificar, como já está a suceder, o actual sistema de segurança social, a precariedade e instabilidade do emprego, os níveis salariais, a flexibilidade dos horários de trabalho, a polivalência forçada dos trabalhadores e a compressão das despesas sociais e, consequentemente, novas e mais numerosas exclusões sociais. 

Octávio Teixeira na Assembleia da República, em 1997. Octávio Teixeira em artigo de Maio de 2013: sair do euro e desvalorizar, a opção.

sábado, 25 de maio de 2013

Trocas e baldrocas

Imagine que tem um crédito à habitação indexado à euribor e receia que a taxa venha a subir. Imagine também que há um vizinho que lhe propõe fazerem uma troca: ele paga esse crédito a taxa variável e você paga-lhe a ele a mesma prestação mas com juros a uma taxa fixa ligeiramente superior. Apesar de ser um pouco mais caro, a proposta pode fazer sentido para si: elimina o risco das variações da taxa. No mercado financeiro, isto é o exemplo de um SWAP, que quer dizer literalmente "troca". Tem algum risco para quem aceita a parte variável, é claro, e depende sempre das perspetivas de evolução das taxas dos dois agentes, mas é relativamente transparente e não vai muito além do risco que já havia no conjunto dos dois vizinhos.

A coisa complica-se quando se entra em negócios mais complexos. Imagine que o vizinho lhe propõe a mesma troca mas com mais duas condições: a taxa mantem-se fixa mas salta 5% se o preço do ouro aumentar mais de 10% num ano e, se a euribor subir acima de 5%, você tem de pagar o empréstimo todo de uma vez. Agora já não estamos só a falar de cobrir risco... Bem vindo ao casino!

Claro que fazer uma aposta deste tipo é uma irresponsabilidade e pode ser considerada um crime se estivermos a falar de dinheiros públicos, mas há mais culpados nesta história, além da pessoa que aceita o negócio. O primeiro é o vizinho que lho propõe, com maior ou menor pressão, sabendo perfeitamente os riscos envolvidos. Aliás, é até muito possível que ele lhe ofereça negócios cuja complexidade esconda o verdadeiro risco envolvido.

O outro culpado é o próprio sistema polítco que permite que lhe seja oferecido um contrato deste tipo e que os tribunais defendam a sua legitimidade. Mais grave: durante anos andaram a dizer-lhe que o seu vizinho é muito esperto, percebe imenso de matemática e faz negócios tão complexos que pouquíssimas pessoas os compreendem. Supostamente isso é bom. Dizem que é a modernidade dinâmica, a “sofisticação financeira”, quando na verdade se trata de um casino pouco transparente e frequentemente criminoso, já que o seu vizinho sabe muito mais dos "produtos" que anda a vender, do que algumas das pessoas que, iludidas, os compram.

O problema dos produtos financeiros complexos não é apenas a ingenuidade ou irresponsabilidade de uns e a ganância de outros. É o facto de haver um conjunto de "vizinhos" que anda há decadas a tentar fazer-nos crer que somos nós que não sabemos o suficiente para podermos compreender o sistema financeiro. Esses argumentos levaram ao desmantelamento dos entraves a que estes produtos circulassem livremente nos mercados, entrassem nas casas das pessoas e nos cofres do estado.

Não sabemos quais as condições associadas aos produtos financeiros que foram encontrados nas carteiras de entidades públicas, mas sabemos que eles tinham um risco muito elevado e que são mais um sinal dos perigos da “má vizinhança” entre os mecanismos dos mercados financeiros e o financiamento do estado.

Tal como na crise financeira internacional, a tendência para encontrar uns quantos culpados e ignorar os problemas evidentes do próprio sistema, deixa-nos a todos vulneráveis, à espera da próxima vez em que iremos aprender uns quantos conceitos de finanças “sofisticadas” à pressa para, pelo menos, percebermos o que nos obrigam a pagar dessa vez...

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Choques


Os maus hábitos acabam quando se enfrentam os choques, diz Moedas, ilustrando uma vez mais aquilo a que Naomi Klein chamou a doutrina do choque, associando-a a um modelo de capitalismo de desastre que de outra forma teria dificuldade em ser instituído. É claro que Moedas, representante do capital financeiro em comissão de serviço no governo, atentem só no seu percurso, sabe que a sua única virtude é ser neoliberal e que isso vale tudo, incluindo inventar, por exemplo, quando diz que Portugal está onde está porque conheceu o que designa por bolha de despesa: as despesas de consumo cresceram 1,2% ao ano, entre 2000 e 2010, tendo entretanto caído mais de 8%, e as despesas de investimento caíram cerca de 2% ao ano entre 2000 e 2010. Uma maluqueira. A procura interna esteve praticamente estagnada neste período e isso viu-se na medíocre performance económica, ao contrário do que gosta de dizer Gaspar. A verdade é que a crise internacional e a austeridade foram mais um choque, o enésimo na economia portuguesa: do euro, à convergência nominal que precedeu a adopção desta moeda que nunca nos serviu, passando pela liberalização financeira ou pela abertura mal gerida às forças do mercado global. Estes choques sucessivos reforçaram uma elite financeirizada e extroverida: de facto, numa bolha, que tem de ser furada, até porque alimenta todos os maus hábitos, vive gente como Moedas.

Entretanto, Gaspar, revigorado depois de uma visita a casa, anunciou que chegou a hora do investimento, quando as previsões, optimistas, são que este caia 7% este ano, depois de uma quebra de mais de 25% nos dois anos anteriores. A ideia é dar uns créditos fiscais durante meio ano, quando o problema, claro, é a compressão da procura, como o Alexandre assinalou no seu último poste. Uma medida que só beneficia os poucos que, de qualquer forma, já iriam investir, como de resto assinalam vários capitalistas ao Negócios. Na realidade, este choque destina-se a naturalizar a redução futura da tributação que incide sobre o capital, reforçando uma regressão com muitos anos e que continua a beneficiar da concorrência fiscal, um jogo de soma negativa como há poucos, instituído fortemente à escala da UE. Este jogo durará o tempo que durar a liberdade irrestrita de circulação de capitais.

Do Estado Social ao Estado penal (II)

O Relatório Anual da Amnistia Internacional (AI), ontem divulgado, aponta as manifestações de 2012 como exemplos de recurso a «força excessiva» pela polícia portuguesa, assinalando o caso dos «dois jornalistas [que] receberam tratamento médico depois de, alegadamente, terem sido espancados pela polícia», a 22 de Março, e a carga policial sobre manifestantes em frente à Assembleia da República, a 14 de Novembro, em que foi relatada «a ocorrência de 48 feridos».

A somar a estes episódios, a AI registou casos de tortura e maus tratos nas prisões portuguesas e em situações de custódia policial; o aumento de queixas e de vítimas de violência doméstica (infligida sobretudo a idosos e mulheres); e práticas de discriminação e maus tratos contra migrantes e minorias étnicas (assinalando o uso excessivo de força sobre membros de uma comunidade cigana, em que «pelo menos nove pessoas (...), incluindo crianças, foram alegadamente espancadas e vítimas de abusos verbais e de agressão física por cerca de 30 agentes da polícia»). Após uma visita a Portugal em Maio de 2012 - reporta ainda a Amnistia - o Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa manifestou a sua «preocupação pela discriminação prolongada contra as comunidades ciganas e o impacto da crise económica e das medidas de austeridade financeira nos direitos das crianças e idosos».

A Amnistia Internacional dedica-se essencialmente aos direitos individuais de primeira geração (isto é, aos direitos cívicos e políticos dos cidadãos), escrutinando de modo muito particular o papel do Estado no incumprimento e violação de Direitos Humanos. E não surpreende, por isso, que os impactos da austeridade no campo da violação de direitos colectivos, económicos e sociais, escape a uma avaliação mais detalhada da organização. Se o fizesse, a AI chegaria hoje facilmente à conclusão de que Portugal ilustra bem que «o atrofiamento do Estado social é o outro lado do reforço das desigualdades e do Estado penal», como assinalou o João Rodrigues num post anterior.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Zombie


O Governo pretende reduzir o IRC de 31,5% para 20%. Boas notícias para quem paga IRC, claro. E para a economia e sociedade como um todo? Poderá esta medida estimular o investimento e retirar Portugal da recessão? E que outros efeitos previsíveis terá?

Comecemos por recordar aquelas que são as principais transformações, sem dúvida intencionais, que acompanham a actual recessão – ela própria muito longe de se inverter, na medida em que decorre da conjugação da crise estrutural internacional com a perda de competitividade decorrente da adesão a uma zona monetária disfuncional - e obviamente, nos últimos anos, a sangria de juros da dívida pública e um programa brutal de compressão da procura interna.

Temos então, por um lado, um processo sistemático de transferência de poder e de rendimento do trabalho para o capital, por via tanto legislativa como da própria economia política da recessão. Só em 2012, a parte dos salários no rendimento nacional reduziu-se de 65% para 62%; estima-se que, neste momento, já esteja abaixo de 60%. Por outro lado, um processo acelerado de centralização do capital por via da falência em massa de micro e pequenas empresas – devido à contracção do mercado interno e a medidas de impacto diferenciado directo, como as alterações no IVA.

Neste quadro, a redução do IRC agravará a relação de forças entre o trabalho e o capital em detrimento do primeiro – e, por esse via, agravará ainda mais a desigualdade interpessoal. Nada fará para deter a centralização do capital, uma vez que não distingue entre pequenas e grandes empresas e uma vez que, na verdade, são as grandes empresas quem paga mais de metade do IRC, sendo por isso as principais beneficiárias. E nada fará para promover a retoma, uma vez que o principal determinante do investimento é a perspectiva de procura e esta encontra-se em queda livre. O Governo actual pode ser para muitos um zombie, mas como todos os zombies tem ainda a capacidade de provocar muita destruição.

(publicado originalmente no Diário Económico da passada 3ª feira)

Estado Social, Democracia e Desenvolvimento



«O alvo dos cortes redobrados é o Estado. Não o Estado capturado pelos poderosos e posto ao serviço dos seus interesses, mas o Estado Social. O Estado que redistribui rendimento, investe na criação de emprego, garante os direitos dos trabalhadores e dos reformados, apoia os mais frágeis, qualifica o país com educação, ciência, saúde, segurança social. O Estado Democrático de Direito. O Estado que garante os direitos humanos. O Estado que pode e deve capacitar a sociedade com uma administração pública competente, desenvolver as infraestruturas coletivas, conceber estratégias, apoiar iniciativas individuais e coletivas, ajudar a economia e defender a posição internacional do país.
Claro que é preciso cortar nas gorduras. Cortar nas rendas ilegítimas, nos maus investimentos, nos juros e na dívida. Mas o Estado Social não é gordura. É o músculo de que o País precisa para se reconstruir, depois da devastação causada pela austeridade. E não se trata apenas de defender o Estado Social que temos, trata‐se de o robustecer e transformar. O Estado Social é o alicerce de uma alternativa política à austeridade e ao empobrecimento.»

Excerto do texto final de Resolução da Conferência «Vencer a crise com o Estado Social e Democracia», promovido pelo Congresso Democrático das Alternativas e que teve lugar no passado dia 11 de Maio no Fórum Lisboa.

1 de Junho: Povos unidos contra a troika



quarta-feira, 22 de maio de 2013

A direita de sempre

Apesar de alguns (poucos) militantes do Partido Socialista quererem ver o CDS posicionar-se ao centro, na expectativa de que assim se possa tornar um potencial parceiro de coligação do PS, o CDS, nos momentos importantes, não deixa de ser claro quanto à sua matriz ideológica – é o partido mais conservador e mais à direita do sistema partidário português. Foi assim, na passada sexta-feira, aquando da votação do projecto de lei do PS sobre co-adopção por casais do mesmo sexo, onde da bancada do PSD, 16 deputados votaram a favor deste importante avanço civilizacional; mas da bancada do CDS, nem um único. Deste partido só ouvimos a ameaça de envio do diploma para o Tribunal Constitucional.

Em matéria de despenalização da interrupção voluntária da gravidez, procriação medicamente assistida, educação sexual em meio escolar, eutanásia ou direitos dos homossexuais, o CDS é sempre o adversário mais empenhado que o PS encontra pela frente. E apesar de estas questões serem suficientemente esclarecedoras do ponto de vista ideológico, não são as únicas a separar os dois partidos – é sobretudo em matéria de política social e económica que as divergências mais se fazem notar.

Nenhum socialista poderá algum dia esquecer a forma cínica, desonesta e ignóbil com que o CDS sempre combateu um dos mais importantes instrumentos de luta contra a pobreza em Portugal – o rendimento mínimo garantido. Da mesma forma que nenhum homem ou mulher de esquerda poderá ser indiferente aos repetidos ataques a outras políticas sociais de combate à pobreza e à desigualdade social, como acontece, por exemplo, com o próprio subsídio de desemprego. É também neste partido que estão os principais defensores do plafonamento da Segurança Social, do cheque ensino ou, pasme-se, do fim do salário mínimo e da progressividade do nosso sistema fiscal.

O CDS não é (e não voltará a ser) um partido democrata-cristão; aliás, já praticamente não existe democracia cristã na Europa. O CDS reúne, antes, o pior da direita: o conservadorismo nos costumes e o liberalismo na economia. Defender a presença do CDS num governo do Partido Socialista, só se for para garantir que o PS nunca governará à esquerda.

(crónica publicada no jornal i às quartas-feiras)

Pós o quê?

A minha síntese do comunicado do Conselho de Estado: é preciso que algo mude politicamente no “pós-troika” europeu para que tudo na lógica da política da troika fique na mesma. A austeridade e a regressão estrutural são permanentes porque estão inscritas nas regras do jogo. Sete horas para isto. Cavaco anda nisto há muito tempo e sabe bem o que nos espera no pós-troika.

É aliás por causa deste realismo que a sua conjuntural fragilidade é, a prazo, a estrutural força dos sectores sociais que ainda representa. Pensar o pós-troika do ponto de vista de vista de uma política económica alternativa só pensando o pós-euro e isso as elites dominantes, em redor de Cavaco e do governo, nunca estarão dispostas a fazer, até porque sabem, como a visita de Gaspar a Schäuble ilustra, que a sua força interna está hoje em larga medida no exterior.

Entretanto, a fratura socioeconómica interna é exposta todos os dias: por exemplo, segundo o Negócios, Portugal é de longe o país periférico onde, em termos relativos, mais carros de gama alta são comprados. Relembrando uma certa economia política do desenvolvimento, é a burguesia compradora…

Hoje


terça-feira, 21 de maio de 2013

Da direita à esquerda

Imaginem uma economia capitalista envelhecida e estagnada vai para duas décadas, com uma dívida pública que ultrapassa 200% do PIB, causada pela tal estagnação, uma deflação enraizada e uma banca “zombie”. Portugal, 2020? Não. Japão, 2012. Que fazer? Não ligar à sabedoria convencional aplicada ao longo das últimas décadas e usar a soberania monetária, o facto de o endividamento ser numa moeda controlada pelo Banco Central, e colocar nesta instituição um governador de confiança, ao serviço da estratégia do governo, capaz de mobilizar o financiamento monetário para tentar garantir que a deflação é superada, no quadro de um significativo programa governamental de investimento público, garantindo, ao mesmo tempo, uma sempre útil desvalorização cambial. O resultado? Um crescimento anualizado de 3,5% no último trimestre no Japão. Desgraçadamente, é a direita nacionalista, liderada por Shinzō Abe, que está a adoptar uma política económica heterodoxa que funciona. Não é a primeira vez que tal acontece.

Entretanto, a esquerda europeia maioritária, por exemplo em França, está reduzida, graças ao euro e ao declínio económico e político por este gerado, a cada vez mais impotentes discursos sobre o governo económico europeu. A única coisa que me dá esperança é saber que um pouco por todo o lado, e em Portugal também, a ideologia do globalismo e suas potentes declinações europeias, o culto da impotência do Estado e do seu decisivo favorecimento pelo “colete-de-forças dourado” de um sistema cambial rígido, pode estar em quebra à esquerda.

De resto, neste país, a esquerda tem condições únicas para monopolizar com realismo a bandeira da recuperação de margem de manobra soberana no campo económico, monetário e não só, dando-lhe um cunho progressista, em defesa do emprego, das liberdades e legitimidade democráticas e da expansão igualitária das capacidades individuais, graças a um Estado social que não pode ser preservado com estes constrangimentos externos. Contra as amalgamas em que muitos globalistas se especializaram, esta é aliás a diferença crucial na economia política e moral face a uma direita nacionalista que, reconhecendo também, como Karl Polanyi afirmou na sua comparação entre socialismo e fascismo, a “realidade da sociedade” e do poder de Estado, está disposta a sacrificar as liberdades e a sua igualização perante este reconhecimento.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Dualidade alarmante

Em artigo no Expresso online, Jorge Nascimento Rodrigues dava conta, na passada quinta-feira, de mais um passo na trajectória descendente dos juros da dívida portuguesa, que se aproximam agora dos 5% (valor que não se registava desde Junho de 2010). Com a excepção da Eslovénia, este movimento de descida é comum a todas as obrigações dos países periféricos da Zona Euro, incluindo a Grécia, onde as taxas de juro se encontram já abaixo dos 10% (mais concretamente, em torno dos 8,6% no final da semana passada).

Esta tendência de descida das taxas de juro das dívidas soberanas coincide, contudo, com o aprofundamento da recessão na Zona Euro, que dura já há seis trimestres (a mais prolongada desde a criação do euro, em 1999) e agora marcada pela entrada recente da França em recessão técnica (dois meses consecutivos de quebra do PIB) e a variação homóloga negativa do PIB alemão no primeiro trimestre do ano.


Esta «dualidade alarmante» entre o aprofundar da recessão (que já atinge 11 dos 17 países da Zona Euro), reflectido no aumento continuo do desemprego, e a euforia do mercado das dívidas soberanas, que 1/3 dos inquiridos pela Fitch classificam de «exuberância irracional», é bem ilustrativa da distância que separa a economia real do universo das motivações e dos incentivos que orientam os investidores.

De facto, como assinala Jorge Nascimento Rodrigues, alguns analistas sugerem que «quanto pior (na economia) melhor», em virtude de a degradação da situação económica na Zona Euro permitir alimentar expectativas de que «o Banco Central Europeu avance para medidas ainda mais "acomodativas", quer nas taxas de juro directoras como em medidas não convencionais, o que agradará aos investidores». Estamos pois, uma vez mais, perante o «efeito BCE» e não, como se continua a pretender fazer crer, dos supostos bons frutos de confiança que a austeridade permitiria agora colher.

domingo, 19 de maio de 2013

Consenso

A troika em todo o seu esplendor num título do Público de ontem: “Com medo da recessão, do impacto da austeridade e do TC, troika não abdica de corte de 4700 milhões”. A troika não abdica de ainda mais austeridade permanentemente recessiva e com medidas certamente inconstitucionais. Entretanto, uma sondagem diz-nos que mais de 80% dos inquiridos defende que o memorando deve ser renegociado ou denunciado, esta diferença é importante, e que apenas 12% dos inquiridos considera que o documento foi bem elaborado. Centenas de milhares de novos desempregados depois, estranho seria se fosse diferente. Parece então emergir um consenso potencialmente feito de bom senso, ou seja, de dissenso. Já agora, por onde andam os economistas que nos garantiram, em uníssono na TV durante meses a fio, que o memorando era a melhor coisa que inevitavelmente tinha acontecido à economia portuguesa, contribuindo assim para construir um consenso que já se esboroou? Andam por onde sempre andaram: algures entre um estúdio, um editorial, uma universidade do consenso das elites, um ministério, um palácio lá para Belém e um grupo económico mortinho por continuar a ir ao pote.

Frei Bento Domingues


Comenta o «Não acredite em tudo o que pensa» no programa «Por Linhas Tortas», do Económico TV. Foi na passada terça-feira, 14 de Maio. A economia, a política e a ética, a partir dos lugares comuns e dos aparentes inevitáveis que tecem os tempos de austeridade.

sábado, 18 de maio de 2013

Entre a tasca e a loja


Na freguesia de Olhalvo [Alenquer] encerraram a estação e abriram um posto numa tasca. As cartas sujeitas a aviso de recepção que não eram entregues aos destinatários pelos carteiros iam para a tasca e ficavam numa caixa em cima do balcão. Quando alguém chegava com o talão para a levantar os funcionários da tasca diziam para procurar na caixa. E ao procurar viam-se todas as outras cartas com os respectivos destinatários e remetentes.

José Oliveira, dirigente sindical, Público de 08/05/2013

Vale tudo para preparar os correios para a privatização: reduzir de forma significativa o número de estações, com óbvios sacrifícios em termos de coesão social e territorial ou de confiança na fiabilidade do serviço público prestado, reduzir o número de trabalhadores e, claro, o estatuto e segurança laboral dos que ficam. Assim se corrói um dos pilares de uma comunidade política, uma das instituições que capacitam os que por aqui vivem, igualizando o acesso a um serviço fundamental. Recentemente, fiquei agoniado ao ouvir na rádio o responsável pelas “lojas” dos CTT (as palavras são mesmo importantes e as realidades a que elas se referem ainda mais) a falar de “players do mercado” e de outras trampas da novilíngua mercantil que há muito infesta e mata tudo o que é público, acompanhando o processo em curso de vulnerabilização dos cidadãos e de reforço de um poder empresarial que já só cuida dos lucros dos seus futuros accionistas e das remunerações dos seus gestores de topo à custa da pilhagem do que era de todos. Assim se confirma que é chegado o tempo da corrupção geral, da venalidade universal, o tempo da mercadorização sem fim. Contra isto, está a economia política e moral dos bens comuns, ou seja, a capacidade colectiva que garante as bases materiais da comunidade, indispensável para que certos valores, que temos boas razões para defender, possam florescer. Os correios enquanto serviço público do Estado, ou seja, de todos nós, são parte dessa base. Entretanto, recupero um informado e informativo texto sobre os perigos da privatização dos CTT, da autoria de Agostinho Santos Silva: é mesmo mais Estado em mãos privadas.

Adenda: já depois de ter escrito este post, li o artigo de José Manuel Pureza sobre a ideologia postal que destrói os bens comuns. Recursos convergentes, o discurso e a prática institucional dos bens comuns que fazem uma comunidade decente, para combater este capitalismo predador.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Fantasias perigosas e "ajustamento" real

Para quem ler inglês, deixo o link para o meu último post no blogue "Eurozone 2013: Prospects and Challenges", promovido pela Fundação Heinrich Böll. Sobre os dois anos da Troika em Portugal, as fantasias perigosas da "austeridade expansionista" e das "reformas estruturais", e a dramática realidade de um "ajustamento" à medida dos interesses do capital.

Ainda o «efeito BCE»



Na resposta de João Galamba ao deputado Duarte Pacheco (PSD), ontem na Assembleia da República: «até Dezembro de 2011, e já com este governo em funções e com medidas que alegadamente tinham conquistado imensa credibilidade, os juros subiram vertiginosamente. Em Dezembro de 2011 Mário Draghi anuncia os LTRO, que são empréstimos de financiamento de longa duração a juros inferiores a 1%. Quando é que foi a data em que os juros portugueses começaram a descer? Foi em Fevereiro/Março de 2012, depois do LTRO e num momento em que, no segundo LTRO, os bancos portugueses foram buscar 42 mil milhões de euros. (...) Até Julho desse ano não houve um investidor estrangeiro a comprar nada de dívida pública portuguesa. (...) A 26 de Julho de 2012 há a mudança radical, em que o BCE se assume como "segurador de último recurso", e é aí senhor deputado que os juros de Portugal, da Irlanda, da Espanha, da Grécia e da Itália (sobretudo da Grécia, que foi o país que mais desceu desde essa decisão), começaram a cair vertiginosamente. Subiu o rating da Grécia antes de subir o de Portugal. Senhor deputado, será por causa da credibilidade das políticas gregas, desse país de quem tanto o PSD se quer distinguir?».

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Sinais dos tempos

 
Como todas as crises sociais, a crise que estamos a viver é uma crise política e o seu resultado envolve perdas e ganhos para diferentes grupos ou classes. Contudo, os interesses em confronto são sempre entendidos e comunicados através de conceitos, de teorias, de ideologias. Ou seja, na luta política as ideias contam e contam muito. O projecto de reengenharia da sociedade portuguesa, promovido por um governo alucinado e em sintonia com o ordoliberalismo germânico, bem pode ter chegado a um impasse. Porém, é preocupante que algumas das suas ideias tenham sido acriticamente assimiladas por muitos dos que lideram a contestação. Mesmo que o plano global acabe derrotado, corre-se o sério risco de no futuro alguns elementos daquele projecto virem a ser concretizados, até mesmo por um governo das esquerdas. Vejamos apenas dois exemplos.
 
No que toca às pensões da função pública, uma das críticas mais fortes ao governo dirige-se à natureza retroactiva da alteração da fórmula de cálculo das pensões já em pagamento. Porém, uma crítica focada na inexistência de um tempo de transição implicitamente assume que o processo de convergência entre os sistemas público e privado é, em princípio, desejável. Porquê esta ideia de uniformizar por baixo instituída já em 2005? Importa lembrar que, para o neoliberalismo, os funcionários públicos eram privilegiados, não estavam sujeitos às regras de um mercado de trabalho que se desejava desregulamentado. Nessa ideologia, o trabalho é apenas uma mercadoria e o seu preço deve formar-se apenas através da interacção entre oferta e procura, tanto quanto possível sem intromissão do Estado. Não podendo, de uma só vez, transformar as políticas sociais em mecanismos de assistência aos pobres, o projecto neoliberal concentrou-se na eliminação da matriz distintiva do trabalho na administração pública, a cultura do interesse público apoiada pela estabilidade da carreira. O assalto das máquinas partidárias aos lugares de chefia tornou-se então ao mesmo tempo pretexto e instrumento desta “modernização” da administração pública. Para tornar o Estado mais pequeno e mais débil face aos interesses económicos e financeiros, converteu-se a relação laboral dos funcionários num contrato individual de trabalho e montou-se a farsa das avaliações. Criaram-se as condições geradoras do trabalho acrítico, da submissão silenciosa às irregularidades, do medo de ser mandado para o quadro de mobilidade. É esta convergência com o sector privado que devia estar a ser contestada pelas esquerdas.
 
Outro exemplo é a reconfiguração da percepção que os cidadãos têm da natureza e da sustentabilidade do nosso sistema de pensões. O governo justifica os cortes nas pensões com a sua pretensa insustentabilidade pela demografia, quando na realidade a verdadeira ameaça ao sistema reside no aumento do desemprego gerado por uma política económica que, submissa à globalização sem freio, há muito tempo abdicou do objectivo de pleno emprego, um dos pilares do Estado social. Neste contexto, o debate público foi sendo cada vez mais formatado pela lógica neoliberal, individualista – o direito aos meus descontos –, uma lógica que alguns críticos dos cortes nas pensões já assimilaram ao invocar um imaginário direito de propriedade em vez de invocarem a responsabilidade entre gerações que funda uma sociedade decente. Assim se legitima uma futura reconfiguração do sistema segundo uma lógica de poupança-reforma em que a pensão se torna uma variável de ajustamento à conjuntura económica. Entretanto, generosamente empenhadas na defesa do Estado social, as esquerdas quase deixaram cair o conceito de pensão como o direito a um nível de vida próximo daquele que os activos usufruem. Sinais dos tempos.

(O meu artigo no jornal i)

Hoje


quarta-feira, 15 de maio de 2013

O inimigo de Gaspar

Um dos principais inimigos de Gaspar é mesmo o Instituto Nacional de Estatística: o PIB caiu 3,9% no primeiro trimestre, face ao mesmo trimestre de 2012, o recuo mais significativo desde que a austeridade necessariamente recessiva começou há já muitos trimestres atrás. Parece que o investimento, apesar do anúncio mágico do último DEO de que chegou “a sua hora”, continua a liderar a quebra da procura interna, o que o INE também explica: diz, os responsáveis empresariais esmagadoramente dizem ao INE que tem o mau hábito de os inquirir, que é a evolução previsível das vendas que explica isto, a tal procura em compressão acentuada, graças à austeridade. Vá lá perceber-se esta desconfiança, ignorando a regressão estrutural em curso e os seus propalados efeitos positivos na confiança investidora de quem passou a ter ainda mais poder numa economia política que assenta, cada vez mais, num esforço para redistribuir recursos de baixo para cima e medo de cima para baixo. Nestes processos redistributivos desaparecem recursos e as vendas diminuem; só o medo aumenta, indo muito para lá do mundo do trabalho.

Há limites de decência que um presidente não deveria poder ultrapassar

A quem se dirige o reformado de Belém, quando avisa que «há limites de dignidade que não podem ser ultrapassados»? A Nossa Senhora de Fátima, a quem o mesmo Aníbal Cavaco Silva atribui a «inspiração [pelo] fim da 7ª Avaliação da troika» (que consagra - justamente - as novas penalizações para reformados e pensionistas)?

E quanto vale este aviso de Cavaco? O mesmo que a advertência, feita ao governo de José Sócrates em Março de 2011 (ainda a procissão da austeridade não tinha saído do adro), de que «há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos»?

E hoje, porque não apela Cavaco Silva a «uma grande mobilização da sociedade civil»? Deixou de ser «altura de os portugueses despertarem da letargia em que têm vivido»?

terça-feira, 14 de maio de 2013

Nem cooperação, nem desenvolvimento


Não admira que Passos Coelho tenha estado hoje em Paris a apresentar mais uma cassete da OCDE sobre Portugal: é verdade que a principal força ideológica e política deste governo está sobretudo em Bruxelas e em Frankfurt, mas o rico clube de economistas ortodoxos, bem pagos e seguros, que vivem em Paris sempre dá uma adicional ajuda ideológica externa à sua agenda de regressão estrutural interna. Tendo em conta as prescrições - da austeridade permanente à desregulamentação das relações laborais, com ataque deliberado à contratação colectiva ou congelamento indefinido do salário mínimo, passando pelo mito da concorrência em sectores monopolistas que deveriam permanecer públicos -, algumas delas contrariadas mesmo pela sua investigação, é caso para reafirmar que a OCDE não passa, no fundo, de um think-tank neoliberal, não podendo, por isso, tratar da cooperação e do desenvolvimento.

Hoje


Fragilidades e Forças


Os estados frágeis são uma das áreas de trabalho da economia do desenvolvimento. Um estado é frágil quando tem dificuldades políticas de longo prazo que impedem a ação de qualquer governo e também quando não têm condições objectivas para gerir o país pela falta de condições técnicas do seu aparelho. 

"Emagrecer" administração pública retira condições de funcionamento ao estado que são fundamentais para a recuperação da economia e do bem-estar das pessoas. 

A economia portuguesa precisa de uma administração pública que consiga implementar os projectos previstos nos programas europeus; controlar a relação com o sistema financeiro e entidades gestoras de PPPs (enquanto existirem), sem estar dependente de contratos milionários com consultoras; apoiar as famílias na altura de mais carências de modo a que as prestações sociais sejam complementadas com trabalho no terreno; ter um controlo efectivo da evasão fiscal, conhecendo as novas formas que ela assume; vigiar o respeito pelas leis laborais (que ainda restam) numa época em que a probabilidade dos abusos aumenta; regular as condições ambientais que são determinantes para a nossa saúde e o nosso futuro conjunto e ainda ajudam a manter importantes fontes de exportações como o turismo; e tantas outras funções determinantes…

O estado social é músculo na sociedade, pelas muitas razões que foram discutidas no sábado passado no Congresso Democrático das Alternativas. Para o complementar, é preciso um aparelho de estado sólido e eficiente, fundamental para qualquer estratégia de relançamento da economia e, portanto, crucial  no momento em que nos encontramos.  

Ninguém acredita que seja reduzindo funcionários e racionando resmas de papel que o estado vai melhorar essa eficiência. O investimento num aparelho de estado eficiente que combata o desperdício (combate esse que também exige meios), mas que se fortaleça, é parte do investimento público em que Portugal deveria estar a apostar. Uma desburocratização eficiente pressupõe infraestruturas, meios informáticos e técnicos, formação de funcionários e fortalecimento de laços de trabalho entre equipas. Um ambiente de concorrência desesperada entre funcionários que tentam safar-se da próxima onda de despedimentos enquanto ultrapassam o colega na fila de espera para a única impressora disponível é a própria imagem de um estado em desagregação.

O ataque à administração pública e aos seus funcionários não é uma estratégia de poupança nem de eficiência. São cortes cegos e contraproducentes que fazem parte de uma outra estratégia da direita: a desacreditação das funções do estado na sociedade e na economia, para procurar privatizar o máximo de serviços. É uma estratégia que nos fragiliza a todos e um caminho de sub-desenvolvimento.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Dos sacrifícios e de outras fraudes


Realmente, todos têm de fazer sacrifícios, em especial esse génio da gestão global que se chama António Mexia: os presidentes executivos do PSI-20 receberam em 2012 mais de 15 milhões de euros, um aumento de 6% face ao ano anterior (mais 4,9%, em média, para os membros de 19 comissões executivas do PSI-20). Quando também sabemos que as remunerações médias dos trabalhadores portugueses caíram, entre reduções salariais e perdas de emprego, 7,2%, enquanto que os rendimentos dos activos registaram um comportamento quase simétrico, confirma-se o que dizia o grande economista John Kenneth Galbraith: “Para muitos, e em especial para os que têm voz política, dinheiro e influência, uma depressão ou uma recessão está longe de ser penosa. Ninguém pode confessar isto abertamente; em certas coisas há que discreto, mesmo do que revelamos de nós próprios”. Confirmam-se também outras ideias de Galbraith: atrás da fraude do “mercado livre” esconde-se a realidade da grande empresa capitalista e das suas estruturas de poder; estas estruturas, em especial quando estão associadas à fraqueza dos freios estatais e dos contrapesos sindicais, explicam os rendimentos de quem está no topo da cadeia alimentar e não um suposto mérito que, vá lá perceber-se porquê, costuma ser confundido com os montantes arrecadados.

José Reis, no âmbito de mais um ciclo organizado por estudantes de economia, irá discutir, esta quinta-feira, o pensamento de John Kenneth Galbraith.

domingo, 12 de maio de 2013

Um jornal com a questão fundamental

O dossiê [Que fazer com este euro?] que publicamos neste número de Maio sobre Portugal no euro quer justamente contribuir para um debate racional e respeitador e para desarmar o poder desta nova intoxicação. Convidámos um conjunto de economistas que têm criticado a resposta austeritária à crise a reflectir sobre as implicações de ficar e de sair do euro. Os artigos de Carlos Carvalhas, Francisco Louçã, João Galamba, José Vieira da Silva, Nuno Teles/Alexandre Abreu e Octávio Teixeira são a prova de que o debate é urgente e que pode ser feito sem manipular a informação e sem chantagens emocionais. 

O estado de corrosão da democracia a que chegámos, no contexto de uma arquitectura institucional da União Europeia e da moeda única que abdica da coesão geográfica e social, não nos permite já estar perante escolhas fáceis. No Le Monde diplomatique pensamos que a partilha de informação e pontos de vista, aliando dimensões nacionais e internacionais, e nunca prescindindo de uma análise de classes e dos interesses em confronto, constitui um contributo para as revoltas críticas e colectivas que podem inverter a tragédia em curso e permitir escolhas democráticas orientadas para a justiça social.

Sandra Monteiro, Demissão e outras urgências, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Edição de Maio de 2013.

sábado, 11 de maio de 2013

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Karl Polanyi


Hoje, a partir das 18h30m, estarei na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa a falar sobre Karl Polanyi, o meu pensador da economia de eleição. Para aqueles que estiverem interessados, deixo-vos um resumo, em meia dúzia de páginas, das principais ideias de um pensador subversivo, e profundamente actual, ou não estivéssemos num tempo de utopias liberais.

O sucesso de Gaspar e dos seus amigos

A desregulamentação das relações laborais e a queda dos salários estão a fazer muito pela criação de emprego, já se vê: a taxa de desemprego atinge um novo máximo histórico, com mais 29 mil desempregados e menos de 100 mil empregados só num trimestre; cerca de 300 mil novos desempregados e quase meio milhão de postos de trabalho destruídos, ou seja, também cada vez mais inactivos e emigrantes, desde que as políticas da troika estão em vigor. Calma, entre Frankfurt, Bruxelas e a Almirante Reis, no Banco que não é de Portugal, economistas bem alimentados e com toda a segurança afiançam que isto só pode ser devido à incipiência do processo de desvalorização laboral e salarial em curso. 

Na lógica do trabalho que é como se fosse uma batata de Carlos Costa, o desemprego deve significar apenas que os trabalhadores não querem trabalhar pelo salário que “o mercado” está disposto a pagar, o que signfica que se há trabalhadores que querem trabalhar e não conseguem só pode ser porque os salários são demasiado elevados devido a uma coisa a que chamam rigidez e a maioria chama direitos dos trabalhadores, que resistem a ser tratados como uma batata. Pode ser necessário muito treino para chegar a estas conclusões, para subestimar as questões da procura e para desconsiderar as virtudes socioeconómicas dos tais direitos. 

Onde nem sequer há muito treino, como é o caso de Costa, o mais repugnante preconceito de classe, de quem partilha as esferas dos banqueiros e outros que tais, deve ser uma via ainda mais eficaz para chegar às mesmas conclusões: vejam também Nuno Amado, que, do alto do seu banco nacionalizado sem o ser, propõe que as empresas "em dificuldades" tenham cada vez mais facilidade em reduzir "custos laborais". O Estado facilitaria a falácia da composição, a irracionalidade da crise, quando só um Estado soberano a pode travar: aquilo que pode parecer racional para uma empresa individualmente considerada gera um resultado colectivo irracional, devido à quebra da procura. As despesas de investimento, claro, resentem-se sobretudo por causa das expectativas negativas sobre as vendas. A procura agregada colapsa por múltiplas vias, incluindo porque as empresas compram cada vez menos umas às outras. 

Entretanto, o governo anunciou que vai continuar a tomar todas as medidas necessárias: despedir dezenas de milhares de trabalhadores do sector público será mais uma. Lembrem-se disto: aumentar o desemprego é o objectivo inconfessado da política de austeridade, porque é a melhor forma de destruir o Estado social e tudo o que há de civilizado, toda a acção colectiva dos trabalhadores, na economia. 

Cai o Governo... ou a máscara?


Paulo Portas sobre a Taxa sobre as Pensões: “Num país em que grande parte da pobreza está nos mais velhos e em que há avós a ajudar os filhos e a cuidar dos netos, o primeiro-ministro sabe e creio que é a fronteira que não posso deixar passar”.

Na realidade, já deixou passar no passado. Mas hoje, Passos Coelho confirmou que vai ser imposto ainda mais um corte às pensões e ainda acrescentou que será retroactivo, o que além de escandaloso, é inconstitucional. Vai uma apostinha sobre o que vai fazer o CDS-PP? Dentro de poucos dias, vai cair a máscara de um dos maiores mentirosos da política portuguesa...

Hoje, na Fundação Calouste Gulbenkian