segunda-feira, 6 de maio de 2013

Depois do euro


Oskar Lafontaine foi, no final da década de noventa, ministro das finanças alemão no governo social-liberal de Schroder. Como era social-democrata e keynesiano não se aguentou muito tempo no cargo. Depois rompeu com o SPD e foi um dos fundadores do Die Linke, o partido da esquerda. Agora, reconhece que o euro é irreformável numa óptica progressista. O euro é impopular na Alemanha, entre outras razões, porque a política económica alemã assentou numa compressão continuada dos salários e num aumento da precariedade e das desigualdades, o que muito contribuiu para os desequilíbrios gerados no euro, até porque os superávites de uns foram conseguidos à custa dos défices de outros. O euro é cada vez mais impopular a sul porque está claramente associado às políticas devastadoras de austeridade. Neste contexto, um crescimento europeu coordenado à escala da moeda e orientado pela procura salarial é uma quimera, até porque o BCE foi criado contra esta hipótese e a economia política do país mais poderoso é a que é. Lafontaine propõe por isso acabar com o euro e recriar um sistema monetário europeu, de taxas de câmbio estáveis mas ajustáveis entre moedas em função dos desequilíbrios externos, numa linha com pergaminhos históricos desde Bretton-Woods, o que pressupõe um estrito controlo sobre os fluxos financeiros à escala nacional, ou seja, controlos de capitais, essenciais também para garantir alguma autonomia monetária e financeira neste contexto. Dada a influência de Lafontaine em certos sectores, espera-se que esta posição, que de qualquer forma ainda parece confiar demasiado nas elites instaladas nas instituições da UE, contribua para acelerar a evolução de um europeísmo crítico demasiado preso ao euro. É claro que a transição para o pós-euro, qualquer que este seja, passa hoje pela possibilidade de rebeldia soberana e democrática nos elos mais fracos a sul, desafiando os arranjos europeus, usando como um dos instrumentos de política a reestruturação da dívida a montante, e também a jusante, da saída deste colete-de-forças para as classes trabalhadoras a sul e a norte.

6 comentários:

Anónimo disse...

"...reconhece que o euro é irreformável numa óptica progressista."
A questão está precisamente aí: numa óptima progressista. Mas há felizmente outras ópticas.

Anónimo disse...

Sim, há outras ópticas:
A óptica da miséria, a do desperdício de ver centenas de milhar de pessoas a não contribuir para a sociedade, da hipoteca do futuro - que não há educação que resista à miséria.

E no fim, vamos ser obrigados a sair do euro, "reformados".

Mas felizmente que nem todos vão sofrer uma desvalorização interna e continuara a ter e ganhar muito mais dinheiro do que merecem. E a poder fazer férias no estrangeiro, não muito caras, com euros fortes no bolso... felizmente!

Alexandre de Castro disse...

A moeda única foi o instrumento ideal para a Alemanha estabelecer o seu domínio, quase absoluto, sobre a Europa, com as instituições da UE totalmente subordinadas à sua hegemónica vontade. Angela Merkel pretendeu fazer com o euro aquilo que Hitler não conseguiu com os tanques e com os canhões. Ao impor o terrorismo político da austeridade, para defender os interesses do capitalismo financeiro alemão, a Hitler de saias (embora ela use sempre calças) lançou o caos sobre as economias que se sujeitaram aos pactos de ajustamento, já que as políticas prosseguidas privilegiaram a vertente financeira, ignorando a vertente da economia. E é a economia que deve caminhar à frente das finanças, e não o contrário.

Alexandre de Castro disse...

Anónimo: Quais são as outras óticas, que "felizmente" existem, e que tenham sustentação numa teoria económica dirigida para o bem comum?

Anónimo disse...

Caro Alexandre,

As outras ópticas são as de que o progresso não é determinístico: não basta a vontade e o enunciar de "boas intenções", existem constrangimentos; não basta garantir direitos no papel, é necessário ter recursos para os concretizar; o progresso não é constante e nós, portugueses e europeus, não temos um direito divino ao progresso: temos de gerar riqueza para que isso seja possível; a história mostra que há na vida dos países momentos de progresso (económico, social, ...) e outros de decadência: há momentos em que a realidade se impõe aos ideários progressistas.

São estas óticas, que eu designaria de realistas, a que me referia. Peço desculpa desde já se não interpretei correctamente o termo utilizado pelo João Rodrigues.

Alexandre de Castro disse...

Caro anónimo:
Julgo que o anónimo está a referir-se à dupla Passos/Gaspar. Assumiram o plano de ajustamento determinístico; enunciaram discursos de boas intenções, cujos objetivos não se concretizaram; esqueceram-se de que a economia tinha de "gerar riqueza", apenas se preocupando com o défice; garantiram no papel, não direitos, mas certezas, aquela certeza arrogante e sobranceira, que a realidade desmentiu. Ambos disseram que a economia começaria a crescer em 2013.Esqueceram-se também que a realidade portuguesa impõe-se aos "ideários progressistas" do neoliberalismo. Eles também afirmaram que tinham óticas realistas para ultrapassar a crise, o que não está a verificar-se.
Perante isto, acabo por estar de acordo consigo.