Desta vez o caso dá pelo nome de Programa Interface, que António Costa afirma ser o mais importante do Programa Nacional de Reformas (PNR).
Na verdade, no PNR não existe nenhuma referência a um Programa Interface. Embora se mencionem três das quatro medidas que o compõem – os Apoios aos Centro de Interface Tecnológico, os Laboratórios Colaborativos e o Clube de Fornecedores – elas surgem associadas a propósitos distintos (as duas primeiras ao reforço da I&D e Inovação, a terceira à internacionalização da economia). E a quarta medida do Interface – os Clusters de Competitividade – não vem sequer mencionada no que se conhece do PNR.
O problema não é apenas o facto de estarem aqui em causa medidas com propósitos aparentemente distintos. No caso do “Interface” também não se percebe qual a coerência entre as quatro medidas, nem como serão articuladas (tendo presente que cada uma delas é conduzida por uma agência pública distinta, sendo tuteladas por três ministros diferentes), nem ainda por que ficaram de fora outras medidas relevantes do sistema nacional de inovação relacionadas com a noção de interface (por exemplo, os gabinetes de transferência de tecnologia das instituições de ensino superior).
Dizem-me que a política é mesmo assim, que a comunicação é 2/3 da governação, que a forma sobrepõe-se com frequência à substância. Empacotar medidas dispersas, não exaustivas e por vezes já no terreno, sob nomes pomposos de programas supostamente novos, é uma forma eficaz de mostrar à opinião pública que há vida para além do défice. Pode ser que sim. O que me preocupa é saber quem se ocupará do 1/3 que falta à governação, depois de cumpridos os objectivos promocionais.
A questão central pode ser posta nestes termos: ao contrário da política orçamental, que tem um responsável político claro, ninguém sabe quem responde pela política de inovação em Portugal (é o Ministro da Economia? O da Ciência? O do Planeamento?); ao contrário da política orçamental, que é continuamente escrutinada pela UTAO e pelo Conselho de Finanças Públicas, nenhum organismo autónomo está incumbido de monitorizar e analisar criticamente as políticas seguidas nestes domínios; ao contrário da política orçamental, os resultados destas políticas não se medem ao fim do ano, mas ao fim de décadas. Tudo isto faz com que poucos dêem a devida atenção às estratégias que poderão definir o desenvolvimento do país a prazo.
Da mesma forma que os jornalistas e os partidos da oposição querem sempre saber os pormenores da política orçamental, há coisas que todos deveríamos querer saber acerca das medidas agora anunciadas.
Por exemplo, o governo vai criar programas plurianuais de financiamento de entidades de interface tecnológico. No entanto, governos de várias cores optaram no passado por deixar de financiar directamente tais entidades, apoiando ao invés as despesas das empresas que recorriam aos serviços de interface tecnológico. Isto por três motivos principais: i) para evitar a excessiva dependência daquelas entidades face aos subsídios públicos; ii) para assegurar que as actividades desenvolvidas iam ao encontro das necessidades do tecido produtivo nacional; e iii) para evitar concorrência desleal entre entidades (públicas e privadas) que prestam serviços idênticos. O actual governo até pode ter boas razões para esta mudança de orientação. Eu gostaria que ela fosse devidamente justificada e que se explicasse de que forma o governo pretende evitar os problemas identificados no passado com modelos idênticos ao que se pretende agora implementar.
Outro exemplo: os Clusters de Competitividade, agora empacotados no Programa Interface, correspondem a uma medida que tem mais de uma década. Há uns anos foi objecto de uma avaliação detalhada, a qual identificou várias limitações da política que estava no terreno. Mais uma vez, seria bom percebermos o que pensa o actual governo sobre a experiência passada e como pretende evitar as enormes limitações identificadas nessa experiência. Sobre isto nada sabemos.
O que aqui escrevo não significa que as medidas em causa não tenham valor intrínseco. O problema é que a sobrevalorização do anúncio genérico face ao detalhe, da forma face ao conteúdo, tende a deixar de fora o que é verdadeiramente importante. Há muitos anos que Portugal tem no terreno o leque essencial das medidas de promoção da inovação e internacionalização que existem nos países mais avançados. O que falta não são medidas: são mecanismos institucionais que garantam a sua abrangência, coerência, articulação, continuidade e clareza de propósitos.
Estas políticas, centradas na qualificação do tecido produtivo nacional, são as que verdadeiramente importam para os destinos deste espaço a que chamamos Portugal. Merecem muito mais atenção e dignidade do que lhe tem sido concedido - pelo governos, pelas oposições e pela comunicação social.