sexta-feira, 30 de junho de 2017

Vampiros

Imagem da Emissão do Jornal da TVI e aquela que se poderá ver depois de usar os óculos de Carpenter no filme "Eles Vivem", de 1989

A rarefacção de jornalistas nas redacções está a criar situações insustentáveis de pluralismo político e até de consistência da informação na comunicação social. Já nem é por causa da mensagem anticomunista primária - como se tratasse de uma doença sexualmente transmissível - ou da idiotice pegada de quem achou por bem escrever este "oráculo", à laia de poética bonita. Fernando Medina até há-de achar bom para a sua campanha, porque se ele não é anti-comunista, tão pouco é comunista. E, no fundo, estão a falar dele.

É apenas e tão-só por causa da mensagem subliminar de condicionamento político-estupidificante, numa emissão televisiva que ocupa um espaço público, concessionado a um agente privado que o está a usar deficientemente e contra o conteúdo do contrato de concessão.

Hoje e amanhã, nos 100 anos da Revolução de Outubro


Promovida pela Cultra - Cooperativa Culturas do Trabalho e Socialismo e pelo MOB – Espaço Associativo, a sessão integra-se no ciclo de debates que assinalam os 100 anos da Revolução de Outubro de 1917. Intervenções de Luís Farinha, José Soeiro, Rita Silva, António Louçã, Mário Tomé, Irina Castro, Adriano Campos, Sérgio Vitorino e Beatriz Gomes Dias. No final, Workshop com Pedro Rodrigues. É no Espaço MOB (Rua dos Anjos, 12 F, em Lisboa), hoje e amanhã.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Distopia social

Rui Tavares denunciou na segunda-feira uma distopia social – a “sociedade custo-benefício”, ou seja, uma sociedade onde a dignidade humana corre o risco de ser posta em causa por quem julga que sabe o preço de cada vez mais coisas, quando apenas está a obscurecer muito do seu valor.

Na realidade, a análise custo-benefício é uma derivação não tanto da gestão, mas essencialmente da filosofia espontânea da economia convencional, o utilitarismo. É um guia ideológico para as políticas públicas, mas que passa por neutro, e que tem múltiplos problemas, como Ana Costa e eu defendemos num artigo publicado há quase uma década. Infelizmente, creio que pouco mudou nesta área.

É então preciso distinguir o esforço de deliberação racional, que passa também por uma avaliação dos custos e dos benefícios, em sentido amplo e multidimensional (sabendo que o que é visto como custo e como benefício depende de uma estrutura prévia de direitos e obrigações), da ilusão perigosa de que todos os custos e benefícios podem ser reduzidos a uma mesma métrica de natureza pecuniária, como se os mercados idealizados estivessem por todo o lado, o que apodámos de nexo comensurabilidade-mercadorização.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Draghi, Temer, Macron e Centeno

As reformas estruturais que reforçaram a negociação salarial ao nível das empresas podem ter tornado os salários mais flexíveis para baixo, mas não necessariamente para cima.”

A afirmação não é de Manuel Carvalho da Silva, mas de Mario Draghi, na sua intervenção no Fórum do BCE, que se realiza até hoje na Penha Longa, em Sintra.

Há alguma ironia, como assina Sérgio Aníbal neste artigo do Público, de ver o presidente do BCE a criticar a excessiva moderação salarial. Mas a sua preocupação não tem directamente a ver com a vida desgraçada de quem recebe baixos salários, na sua vida em gueto social que força a um injusto adiamento do seu futuro, ou no futuro de países em desigualdade social, sem pleno emprego, em desequilíbrio constante e submisso por inerência.

Os macroeconomistas, uns certos macroeconomistas, têm esta carapaça associal que os faz aceitar a desgraça alheia sem revolta, porque supostamente as suas ideias serão melhores para esses desgraçados. A sua preocupação não está no desemprego que provoca esses baixos salários, mas no facto de que a retoma não está a traduzir-se em mais inflação, o que implicaria um fim mais rápido das polémicas medidas expansionistas (taxas de juro muito baixas e compra de dívida pública nos mercados).

Draghi até pode estar sinceramente tenso. Mas o problema é que esse tipo de reformas estruturais ainda se encontra em preparação por todo o mundo, como que conduzido por uma batuta geral, impregnada de uma filosofia vitoriosa. Não se trata de uma questão de eficácia económica e social, mas de uma questão de poder social, do enfraquecimento social de uma determinada visão do mundo, aquela que Corbyn gritou no festival Glastonbury como sendo possível caso a maioria da população lesada se mantenha unida.


É, aliás, significativo que aquilo que Draghi assinala - com punhos de renda - seja precisamente o que visam as reformas laborais defendidas por Temer, Macron (aprovada hoje) e até por... Mário Centeno, fosse ele ministro da área laboral. Aliás, resta saber se o adiamento para 2018 das mexidas na legislação laboral portuguesa não se prenderá, tanto com pressões comunitárias para nada mexer na reforma de 2012, como para evitar medidas mais gravosas, sem fazer perigar o entendimento parlamentar à esquerda.

Veja-se um resumo dos vários programas.

O que defende Temer?

Aldous Harding - "Imagining My Man"


Em Lisboa, lá para o final de Novembro.

A União Bancária morreu?

No passado Domingo soubemos de mais um resgate bancário na Zona Euro. O Estado italiano comprometeu-se a pagar até 17 mil milhões de euros na resolução de dois "pequenos" bancos: o Veneto Banca e o Banca Popolare di Vicenza. Depois de anos de resgates milionários nada aqui parecia muito estranho numa UE povoada por bancos zumbis. No entanto, o facto de termos um resgate público do Estado italiano, pouco mais de um ano depois da entrada em vigor da União Bancária na Zona Euro, desfere um aparente golpe na última.

A criação de uma União Bancária Europeia servia dois propósitos explícitos: 1) impedir que sejam os Estados a arcar com os custos de bancos em falência, penalizando em alternativa os credores destes últimos (entre eles, os grandes depositantes); 2) quebrar a excessiva proximidade da banca com os diferentes Estados europeus, fonte de instabilidade monetária na zona Euro (um euro num banco alemão está mais seguro e, portanto, vale mais do que um euro num banco grego).

Em Portugal, a União Bancária teve efeitos ainda antes de entrar em vigor. O BANIF foi vendido rapidamente, a preço de saldo, ao Santander por forma a evitar os custos para os depositantes e o Novo Banco aparentemente foi vendido à pressa ao "fundo abutre" Lone Star devido ao calendário imposto pela UE.

Ora, os dois bancos italianos escaparam ao "mecanismo de resolução europeu", já que este não considerou que estes colocassem algum risco sistémico à banca italiana e europeia. Em alternativa, a falência destes bancos foi gerida e financiada pelo Estado Italiano, que se apressou a garantir que depositantes e credores seniores, nomeadamente outros bancos italianos, não seriam atingidos. Ou seja, o Estado Italiano interveio por forma a evitar o risco sistémico, cuja hipotética ausência serviu de subterfúgio para a não intervenção europeia. Confuso, não?

Ao abrir excepções tão flagrantes ao seu funcionamento, a União Bancária parece ter falhado estrondosamente nos seus propósitos. Tudo permanece como dantes? Não. A solução encontrada para estes bancos italianos vai de encontro ao projecto do BCE para a banca europeia: integração da banca regional e nacional em grandes conglomerados europeus. Em Portugal e Espanha (com o Banco Popular) foi o Santander, em Itália é o Intesa Sanpaolo, um grande banco italiano, que irá ficar com os activos de qualidade destes bancos e não terá de arcar com os custos dos seus empréstimos a estes dois bancos.

Finalmente, importa notar que, se o objectivo da União Bancária é criar grandes conglomerados europeus, esta política tem com consequência (ou causa?) um tratamento político diferenciado dos países da zona euro, favorecendo as grandes economias, com bancos de tamanho suficiente para terem um alcance europeu, como agora se testemunhou com o tratamento de excepção dado a Itália.

Adenda: Sobre União Bancária fica aqui a minha intervenção num recente seminário sobre "Integração Financeira na Europa" organizado pelo IDEFF da FDUL.


terça-feira, 27 de junho de 2017

Da ironia

A página do Público apresenta hoje “conteúdo patrocinado” pelo Banco Popular sobre literacia financeira. Na apresentação do projecto “Conversas Soltas Popular” lê-se: “As Conversas Soltas Popular vão ‘ocupar um território muito interessante. Capaz de enaltecer e enriquecer o público-alvo, munindo-os de conhecimento muito especifico e direccionado. Capacitando-os de ferramentas para que possam tomar as melhores decisões. Habilitando e posicionando o Popular como um Banco diferente e capaz de entender o mercado.’”

O Banco Popular foi à falência há duas semanas.

Mais a sério, se quiserem saber mais sobre o papel da promoção literacia financeira na individualização e mercadorização em curso, favorável ao sistema financeiro, este artigo sobre o tema, escrito pela Ana Cordeiro Santos, é muito recomendável.

Aniversário

The Guardian, 26/6/2015
O Facebook tem destas coisas. Propõe-nos efemérides para gerar movimento na plataforma. Mas apenas na plataforma. No resto, é para ficar tudo na mesma.

Foi há dois anos e pensou-se que algo iria abanar. Depois, o BCE fechou a torneira numa manobra de chantagem, fazendo lembrar aquela citação de Mark Twain sobre as eleições ("Se votar fizesse alguma diferença, eles não nos deixavam fazê-lo"). Os gregos acorreram aos bancos e Tsipras sentiu um calafrio pela espinha. Apesar disso, a maioria dos gregos - sobretudo os mais pobres - apoiou-o. Já ele não e ficou com o pensamento dos que perderam.

Entretanto, a Grécia retomou os seus planos de austeridade, aprofundou-se a sua situação catastrófica e - ao que parece, ainda não li - Varoufakis escreveu um livro a contar tudo o que lhe apeteceu dizer e não disse há dois anos (mais referências do Público aqui e aqui). Tsipras deve ir todos os dias para a cama a pensar no que estaria hoje diferente se ele tivesse dado corpo ao resultado do referendo.

Este é o problema das opções. Nada fazer é igualmente uma opção, embora nem sempre boa.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Exame viciado

O Homem que matou Liberty Valance, John Ford
Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu, veio a Lisboa, ao Instituto Superior de Economia, para dar uma aula. Segundo a RTP, as perguntas dos estudantes foram seleccionadas pelo Banco de Portugal. Draghi deve ter tomado conhecimento prévio das perguntas...

Não parece um exame justo.

domingo, 25 de junho de 2017

Perguntar não ofende


Em artigo [no Público] recente, o ministro das Finanças Mário Centeno faz um balanço (...): «A mais relevante alteração das condições de funcionamento da economia portuguesa prende-se com a estabilidade financeira, hoje, finalmente, uma realidade. Os bancos foram capitalizados e provaram a sua capacidade para atrair capital de todo o mundo, refletindo a confiança dos investidores internacionais na solidez da economia e numa estabilidade política, tantas vezes questionada, mas que, hoje, é invejada em muitas partes da Europa. Portugal não deve ter vergonha de ser um exemplo». O governo português tem, na realidade, fortes motivos para ter vergonha por ter consentido com um padrão de acentuado reforço do controlo estrangeiro na banca que a deixa mais vulnerável numa próxima crise internacional. É sob as periferias que as instituições financeiras internacionais privadas fazem recair os primeiros custos do ajustamento, através de retiradas de capitais e de contracções de crédito mais súbitas. Pior do que a banca privada nacional, que resultou das privatizações e que tão eficaz se revelou na destruição de capital e na geração de endividamento externo, será a banca privada estrangeira. A experiência das periferias da economia mundial nas últimas décadas mostra como, nos casos em que o sector bancário é dominado por capital estrangeiro, qualquer crise é exacerbada por este regime de propriedade. Exemplos como os do Sudoeste Asiático, em 1998, da Argentina, em 2001, ou da Europa de Leste, em 2009, mostram como a banca estrangeira esvazia rapidamente a suas sucursais de recursos na ânsia de limitar as perdas em mercados não estratégicos.

Excerto do artigo, O caso do Novo Banco: nacionalizar ou internacionalizar?, que o Nuno Teles e eu publicamos no Le Monde diplomatique - edição portuguesa de Junho.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Pedrogão e Pavia não se fizeram num dia? (I)

Entre outros vídeos, igualmente disponíveis na net, há dois que elucidam de forma impressionante as condições meteorológicas excecionais registadas no passado sábado, dia que ficará assinalado de forma trágica na nossa memória coletiva. Cheguei a eles através da Maria João Pires. O primeiro, filmado em Pedrogão Grande, tinha já sido assinalado aqui (não deixem de ver). O segundo é o que se reproduz de seguida, captado em Pavia, no Alentejo, podendo ainda fazer-se referência a um terceiro, que mostra logo no início as trovoadas desse dia.



Curiosamente, apesar das longas horas de emissão dedicadas ao incêndio, marcadas pela repetição incessante das imagens devastadoras da tragédia, não tenho visto nenhum deles (ou outros vídeos), passar nas televisões. Tal como não me pareceu que tenha sido dado particular destaque televisivo à confirmação, pelo IPMA, das circunstâncias «que determinaram situações no terreno de excecional gravidade», resultantes «da conjugação da dinâmica do próprio incêndio e dos efeitos da instabilidade atmosférica», gerando um fenómeno, raro, de «downburst». Isto é, um «vento de grande intensidade que se move verticalmente em direção ao solo» e que, depois de o atingir, «sopra de forma radial em todas as direções». Frequentemente confundido com um tornado, este fenómeno assume «um grande impacto em caso de incêndio florestal, por espalhar fragmentos em direções muito diversas», amplificando assim, caótica e exponencialmente, a propagação do fogo, que fica fora de controlo.


Estas condições são de facto essenciais para responder a muitas das questões que o incêndio de Pedrogão Grande suscita. Basta imaginar o que terá acontecido, em termos de propagação do fogo, quando se vêem as imagens do vídeo aí captado pelas 18h00 do passado sábado (a cerca de 30 Km da tragédia), confirmadas que estavam as previsões meteorológicas (temperaturas muito altas, que chegaram a atingir os 42-45ºC, níveis muito reduzidos de humidade relativa, vento e trovoada). É assim que se pode começar a conseguir compreender o inconcebível e o inimaginável, com a voracidade inusitada do incêndio, acelerada pelas condições climatéricas e pelo downburst, a alterar por completo o «quadro convencional» de combate. A estrada que num dado momento seria segura a subitamente deixar de o ser; a multiplicação rápida de frentes de incêndio a retirar capacidade de resposta a todos os pedidos de ajuda; as armadilhas do fogo a tornar-se imprevisíveis e, em muitos casos, inultrapassáveis. Muitas das questões que normalmente são centrais, como a causa da ignição, tornam-se aliás, perante este fenómeno, irrelevantes.

Para se ter uma ideia do impacto que estas condições pode assumir, em termos de intensidade e propagação das chamas, recorde-se que foi este o fenómeno responsável pelo incêndio de grandes dimensões que destruiu a cidade de Fort McMurray, na província de Alberta, no Canadá, em maio de 2016, onde cerca de 80 mil pessoas tiveram de ser retiradas, devido ao avanço descontrolado das chamas, e mais de duas mil casas ficaram em cinzas:



Quer isto dizer que as causas deste incêndio, o maior da última década, e o mais grave em termos de número de mortes, se reduzem a um fenómeno climatérico excecional? Não, evidentemente que não. A isso junta-se o vasto e pesado rol de problemas estruturais da floresta portuguesa, há muito identificados e estudados. Aliás, a excecionalidade das circunstâncias climatéricas do incêndio do Pedrogão Grande, que será ainda necessário melhor compreender e detalhar, permite sobretudo enquadrar, e ajudar a compreender, a excecionalidade das suas dramáticas consequências, não retirando por isso um grama de importância e gravidade a esses problemas estruturais. Pelo contrário, redobram a necessidade e a premência de sobre eles agir, por pelo menos por duas razões: porque estaremos sempre a falar de mudanças num tempo longo, que importa impulsionar o quanto antes, e porque, estando as condições metereológicass excecionais associadas a alterações climáticas (como se pensa que estejam), a tendência será para a sua crescente repetição.

Neoliberalismo para totós

Tendo como pano de fundo as eleições legislativas britânicas, a The Economist sintetizou assim a história recente da economia política do país: “Nos últimos quarenta anos, o Reino Unido foi dominado pelo neoliberalismo, um credo que procurou adaptar algumas das posições do liberalismo clássico do século XIX a um mundo onde o papel do Estado tinha aumentado”. Esta constatação de facto foi acompanhada pelo mais parecido que o eleitor encontrará ali com uma autocrítica, ou não estivéssemos perante uma revista que condensa semanalmente os argumentos neoliberais sobre tudo que é humano, tendo uma forte influência ideológica em tantos editoriais em Portugal.

As “mudanças sísmicas” associadas ao Brexit e ao suposto abandono da herança de Margaret Thatcher pelos dois principais partidos seriam então uma resposta aos “fracassos do neoliberalismo”: da maior crise financeira desde a Grande Depressão ao aumento significativo das desigualdades de rendimento e de riqueza, passando por privatizações que geraram piores e mais caros serviços públicos, mas mais lucros privados, tornando popular a renacionalização de vários sectores.

Entretanto, é de registar o inusitado rigor analítico com que o termo neoliberalismo é usado, em linha com o melhor conhecimento nas ciências sociais e humanas, mas em contraste com a repugnância que tal termo ainda causa na ignorante ou cínica sabedoria convencional. O neoliberalismo é de facto a visão do mundo hegemónica nas últimas quatro décadas entre as elites e não só. As suas origens intelectuais remontam aos anos trinta do século XX, começando por ser um esforço minoritário para renovar o liberalismo clássico, tentando dissociá-lo das ideias do laissez-faire e do Estado reduzido a um guarda-nocturno, consideradas incapazes de fazer face aos vários “colectivismos” desglobalizadores que floresciam num contexto de crise generalizada.

O resto do artigo pode ser lido no Público.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

"Isso é muito abstracto para as pessoas..."

Jornal da noite da TVI, 20/6/2017. Entrevista ao primeiro-ministro sobre os incêndios. Mas sobretudo sobre um tipo de questões.

(...) Judite de Sousa (JS): É isso que lhe pergunto: se vai retirar esse tipo de ilações agora?

António Costa (AC): No final do ano passado, de 2016, tivemos uma época de incêndios também muito grave. E em 2016, eu disse: "É altura, agora, de fazer a reforma na floresta ao nível do que fizemos há dez anos na protecção civil". E ao longo deste ano, trabalhou-se. Eu sei que é muito pouco mediático. Mas o que é verdade é que, no dia 27/10/2016, reunimos um conselho de ministros especial sobre o tema da floresta, colocámos um conjunto de diplomas em discussão pública; no dia 21/3/2017, foram aprovados doze diplomas, sete deles já estão publicados em forma de decreto-lei, há cinco propostas de lei que estão pendentes na Assembleia da República...

JS: Isso é muito abstracto para as pessoas, senhor primeiro-ministro.

AC: Eu sei que é abstracto, mas se me der o bocadinho mais de tempo...

JS: Claro que sim!

Uma História por fazer

Há uma vantagem no SIRESP, aquele sistema que deveria ter custado no máximo 100 milhões de euros, mas que o Estado aceitou pagar quase 500 milhões, tendo por intermediários aquela fina-flor dos actores mais badalados quanto a fraudes por julgar.

É que, com a sua compra, veio à borla um pacote eficaz de detergente e anulador de maus cheiros cuja patente deveria ser registada.

Apesar de tudo, apesar dos nomes dos personagens que se repetem, das quase evidentes cumplicidades aos mais diversos níveis patentes em todas as coincidências dos processos, apesar da trama que se entretece e que se pressente a emergir naquelas comissões que transitam pelos paraísos fiscais e naqueles financiamentos públicos obscuros a entidades políticas, apesar de tudo isto, o sistema é suficientemente opaco para impedir um Ministério Público de espetar asas no painel da investigação.

Está, pois, por ser feita a História Negra das Privatizações e de todas as Parcerias Público-Privadas.

O interessante de todo este processo de evangelização das virtudes do sector privado, da função espartana do lucro na afectação dos recursos e na supervisão da sua aplicação, da ideia da falta de vocação natural do sector público para exercer funções essenciais para a vida em comunidade, é que todos esses argumentos foram lançados e partilhados por todos aqueles, cujas caras nos vamos habituando a identificar como impróprios. Perversamente, são essas pessoas - tal como uma deficiente gestão dos entes colectivos - que dão a má imagem ao Estado, a qual justificará a jogada seguinte contra o sector público.

Nada, pois, como um sector privado, com uma actividade sem risco, em que o seu empreendorismo reside em montar esquemas - com a parceria necessária de pessoas a ocupar altos cargos políticos - para melhor assaltar o aparelho público ou o OE, financiados essencialmente pela maioria que quase nada tem. Ou seja, conquistar o Estado para, qual vírus, subverter a sua função redistribuidora e transformá-la numa função perversa de redistribuição invertida do rendimento.

Por que não é possível haver uma gestão correcta e eficaz do sector público, em que o valor acrescentado é de todos e não de uma grupo selecto de accionistas? 

Mudanças e continuidades na finança

Nos próximos dias 27 e 28 de junho, no ISEG, terá lugar um Seminário Internacional intitulado "Changes and Continuities in Post-2008 Finance". Uma ocasião privilegiada para conhecer e debater alguma da mais recente investigação feita sobre estes temas a partir de perspetivas críticas e pluridisciplinares. O programa detalhado está no cartaz em baixo.


quarta-feira, 21 de junho de 2017

Até logo


O «Economia com Todos» foi hoje Livro do Dia na TSF (escolhido e apresentado por Carlos Vaz Marques) e será mais logo lançado em Lisboa, numa sessão em que participam José Gusmão, Ana Drago, Vítor Dias e Pedro Nuno Santos. É  na Casa Independente (Largo do Intendente, 45), a partir das 18h00. Estão todos convidados, apareçam.

Capítulos do livro: «Sempre a pedalar» (Ladrões de Bicicletas). . «O Neoliberalismo não é um slogan» (João Rodrigues). . «O desconserto da globalização» (José Castro Caldas). . «Estagnação e financeirização» (Nuno Teles). . «O papel do Estado no desenvolvimento das capacidades produtivas» (Ricardo Paes Mamede). . «Imprensa: A fábrica de chouriços vai ter robots» (João Ramos de Almeida). . «Flexibilizar para criar emprego?» (Diogo Martins). . «Estado Social e desmercadorização do bem‐estar» (Nuno Serra). . «O preço do Euro» (Jorge Bateira). . «Desvalorização interna e desequilíbrios macroeconómicos na Zona Euro» (Paulo Coimbra). . «À espera da reestruturação da dívida» (Eugénia Pires). . «Histórias do nosso futuro» (Alexandre Abreu). . «Macron, a Frente Nacional e a social-democracia europeia» (Hugo Mendes). . «Tornar possível o impensável» (José Guilherme Gusmão)

A (falta de) consciência de classe no outro lado do espectro

Grande parte das pessoas com quem me dou no dia-a-dia diz-se da classe média. Muitas estão convencidas de que o bem-estar com que vivem deriva fundamentalmente do seu mérito. Poucas têm consciência de que os seus rendimentos as colocam entre os 20%, 10% ou mesmo 5% das famílias mais ricas do país (é mais provável do que parece, façam as contas). E ainda menos estão dispostas a reconhecer que muitas das oportunidades que tiveram na vida se devem ao seu contexto familiar e social de origem (e também à sorte). Isto ajuda a explicar o modo como se insurgem contra os impostos que pagam ou contra o facto de não poderem deduzir no IRS todas as despesas que fazem com serviços de educação ou saúde. Um pouco mais de consciência de classe (não exactamente a de que Marx falava) não lhes faria nada mal - nem a elas nem à redução das desigualdades neste país.

Este excelente texto ("Parem de fingir que não são ricos") é sobre a Inglaterra e os EUA, mas com as devidas adaptações aplica-se bem a Portugal. O mesmo se verifica com este ("Como a classe média-alta enriqueceu e prejudicou a mobilidade social"), sobre os EUA.

terça-feira, 20 de junho de 2017

Férias


Leituras


(Via Maria João Pires, vídeo de Ricardo Robalo: «um pouco do vento que veio de Pedrogão Grande e que originou os incêndios... Passámos do sol com 44 graus, para uma trovoada seca, e vento forte... Um fenómeno que aconteceu em poucos minutos... Imaginem agora o vento a empurrar o fogo»)

«Quem tenha assistido de perto, como já me aconteceu, a grandes fogos, como o do Chiado e a vários fogos florestais, sabe que há momentos em que nem com todos os meios do mundo, aéreos, pedestres, subterrâneos, seja o que for, se controla um incêndio, uma inundação, um tornado, um terramoto, um tsunami, uma erupção, um meteorito. Pode acontecer que, depois de muita destruição, seja possível de novo controlar a calamidade, mas pode haver dias, horas, meses, em que nada se pode fazer a não ser minimizar os efeitos e esperar que acabe. Isto é a primeira coisa que deve ser dita, de forma geral e abstracta. Dito isto, há um segundo aspecto, aquele que é mais importante — é que qualquer calamidade natural (mesmo com origem artificial) desenvolve-se numa paisagem e numa ecologia que é quase toda construída pelos homens, moldada por actividades humanas, seja do domínio da agricultura, da indústria, da energia, do espaço habitável, das construções, etc. E aqui já as calamidades não são puramente naturais, mas sim ajudadas ou desajudadas pelo modo como manipulamos o espaço natural em que vivemos.»

José Pacheco Pereira, Natureza, homem, obra, vida ou morte

«Face à falta de meios linguísticos (e de tempo para qualquer elaboração mais cuidada) e porque a televisão pratica quase como ideologia jornalística um realismo ingénuo que acaba por nunca produzir o desejado efeito de real, os repórteres ou debitam lugares-comuns que não têm nem valor expressivo nem descritivo, ou recorrem aos testemunhos. Põe-se um microfone e uma câmara diante de pessoas em estado de choque e pede-se-lhes que elas testemunhem, que elas descrevam, que elas superem a afasia em que a situação as colocou. A violência é inominável e a televisão torna-se patética, no duplo sentido da palavra: porque quer mostrar o pathos, dê por onde der; porque exibe a estupidez na mais elevada expressão. (...) Esta maquinaria é totalitária, expansiva, reduz tudo a uma peça integrada. Este jornalismo é um aparelho ao serviço da lógica da “partilha” da comunicação, da informação e da opinião da nossa época. A utilização dos drones realiza na perfeição esta atitude predadora de quem se acha munido do olho de Deus: o olho que abarca, na vertical, a totalidade do mundo.»

António Guerreiro, As vítimas dos incêndios e da televisão

«O colunista tem de escrever. O silêncio não é a sua profissão. Mas se o colunista não faz do seu estilo a estetização do terror e da morte, se o colunista procura mais a secura das palavras no meio da tragédia, se não procura o seu lugar entre as carpideiras e prefere a comoção discreta e solitária, resta-lhe pouco para escrever. Morreram 64 pessoas. É impossível imaginar o terror de cada uma delas. E nós pensamos nisso até porque pensamos no terror que sentiremos quando chegar a nossa hora. (...) O problema deste tempo é que é tudo tão rápido que em vez de silêncio temos gritos que se sobrepõem e nos impedem de pensar. Há um tempo para as coisas. Este é o tempo dos mortos. Não é o tempo para discutir política florestal, falar dos meios e muito menos de procurar culpados, se eles existirem, e pedir demissões, se for caso disso. Agora é o tempo para chorar, curar e enterrar. Porque precisamos disso e estamos a deixar de saber fazê-lo, sempre com pressa de ser os primeiros a dizer coisas relevantes. Nada tenho de relevante para dizer. Hoje, pelo menos.»

Daniel Oliveira, Agora, o silêncio

quinta-feira, 15 de junho de 2017

«Economia com Todos»: Apresentação em Lisboa


É já na próxima quarta-feira, 21 de junho, na Casa Independente, a partir das 18h00. Intervenções de José Gusmão, Ana Drago, Vítor Dias e Pedro Nuno Santos. Estão todos convidados, apareçam.

(Já agora, a propósito de economia, ladrões e bicicletas, ficámos esta semana a saber que Portugal é o maior exportador de bicicletas da União Europeia - no mês em que este veículo movido a pedais comemora 200 anos - e que o «Economia com Todos» consta das quatro sugestões de leitura de Nicolau Santos para estas mini-férias - sendo «altamente recomendado» pelo economista «a todos os que pensam que não há só a TINA ("There Is No Alternative") para resolver os problemas económicos» -, juntamente com «o último volume dos quatro escritos por Elena Ferrante, "História da menina perdida", (...) e dois livros de poesia, "Poesis", de Maria Teresa Horta, e "Ver no escuro", de Cláudia R. Sampaio»).

terça-feira, 13 de junho de 2017

Para ajudar a ver as ligações


A vinculação da segurança na reforma à segurança no trabalho, com a correspondente articulação de políticas públicas nas duas áreas, vai sem dúvida continuar a suscitar a oposição de instituições europeias e internacionais, marcadamente neoliberais. Mas sem essa vinculação a orientar as escolhas políticas depressa se resvala para a substituição do Estado social por um regime assistencialista. Um regime que começa por trocar o direito ao trabalho digno, e para todos, pela exploração crescente de um exército de desempregados, precários e trabalhadores pobres, para acabar a gerir uma sociedade com cada vez mais pobres, quando em vez disso devia ter sido travado, logo no emprego, um combate tenaz às desigualdades.

SandraMonteiro, Segurança na reforma começa no empregoLe Monde diplomatique - edição portuguesa, Junho.

Aos olhos deles, a tempestade passou, a eleição de Donald Trump e o Brexit quase estão esconjurados. A ampla vitória de Emmanuel Macron entusiasmou os meios dirigentes da União Europeia. Um dos seus comentadores ajuramentados, ronronando de felicidade, considerou mesmo que se tratava do «primeiro golpe decisivo contra a vaga populista». Aproveitar o momento para fazer passar em força o programa neoliberal da Comissão Europeia entusiasma, portanto, os novos governantes franceses, que têm em mira o Código do Trabalho. Uma orientação política idêntica será agora representada em Paris por um homem mais jovem, mais culto e menos radicalmente desprovido de imaginação e de carisma do que o seu antecessor. Os milagres da comunicação e do «voto útil» permitem travestir esta ligeira mudança e apresentá-la como uma viragem histórica que abre caminho a toda a audácia. O apagamento da clivagem entre os dois campos, de que se faz chantre uma comunicação social ocidental à beira de desfalecer perante o seu mais recente prodígio, é também uma fantasia. Com efeito, desde 1983 que a esquerda e a direita francesas aplicam, à vez, a mesma política. Doravante, sectores de uma e de outra vão encontrar-se num mesmo governo. No futuro encontrar-se-ão numa mesma maioria parlamentar. Ganha-se em clareza, mas não mais do que isso.

Serge Halimi, Os anos loucosLe Monde diplomatique - edição portuguesa, Junho.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

De pé


O que é certo é que resistir vem do latim. "Resistente" vem de resistere, suportar, resistir, ficar firme. É formado por "re", contra, mais "sistere", que é manter-se de pé. No fundo faz parte da nossa própria evolução, enquanto humanos, mantermo-nos de pé. Sendo uma constante, também não significa que as derrotas não sejam também uma constante ao longo da História: para além de haver vitórias, há também derrotas. 

Notável entrevista a uma notável antropóloga e historiadora chamada Paula Godinho. Estava a pensar nas eleições britânicas quando a li e fiz uma associação, talvez abusiva, ao percurso de resistência de Corbyn, de resto extensível a Sanders ou a Mélenchon, só para dar mais dois exemplos de políticos grisalhos, com capacidade de mobilização juvenil.

Os seus cabelos brancos são um activo, na realidade: como tantos outros, souberam resistir nas décadas de refluxo de todos os socialismos; ao contrário de tantos outros, talvez mais, numa certa classe, numa certa geração, não desistiram, não se venderam, não foram cooptados. Pelo contrário, mantiveram a esperança num tempo de refluxo.  A esperança é jovem e tem classe.

Os seus programas assinalam uma vontade, que não está naturalmente isenta de contradicções, de regressar à esquerda que fala de sistemas de provisão com princípios socialistas, por exemplo, abolindo barreiras pecuniárias no acesso ao ensino superior ou nacionalizando o que nunca devia ser privado (nacionalizando e não internacionalizando, note-se); assinalam uma vontade de regressar ao pleno emprego com direitos, combatendo a precariedade, ancorando a esquerda firmemente no mundo do trabalho; assinalam uma vontade de enfrentar a mais material de todas as questões, a ambiental. E nenhum deles foi em modismos intelectuais, sem futuro ou ancoragem popular, do género do rendimento básico incondicional. Nenhum deles desdenha o Estado-Nação, porque no fundo sabem que tudo o que não se conquistar aí não se conquista talvez em mais lado nenhum.

Os trabalhistas de Corbyn, os democratas da linha Sanders, a França Insubmissa de Mélencon lideram hoje as oposições nos seus países, recusando o triste fim do movimento, já aqui assinalado. São exemplos políticos revigorantes, com os acertos e os erros de quem está vivo para apostar no socialismo. Há mais por aí. Nunca se desiste.

Adenda cinematográfica. Não por acaso, os populares vídeos da campanha de Corbyn foram feitos por outro velho resistente chamado Ken Loach. Um dos que perdeu o combate contra Thatcher e contra o melhor sinal do seu triunfo, Blair. Um dos que nunca desistiu de filmar com todo o realismo poético. Nos seus filmes, de Terra e Liberdade a Eu, Daniel Blake, há um combate pela memória das lutas e um imenso e confiante desejo de que tenham continuidade, mas também gestos quotidianos de solidariedade que atravessam gerações: da neta de punho erguido no funeral do avô, combatente na guerra civil espanhola, à pungente amizade de Blake com a jovem Katie e os seus dois filhos. Daqui até ao Espírito de 1945 é só um passo. O futuro precisa mesmo de um certo passado.

domingo, 11 de junho de 2017

Nada menos que isto


Sob pressões de todos os lados (internas e externas) Corbyn mostra-nos que a coerência e autenticidade de um líder, acompanhadas de um programa que rompe com a ideologia neoliberal e as políticas que destroem as sociedades e a vida das pessoas (mesmo de muitas que têm bons salários), dizem-nos qual é o caminho que temos de percorrer, aqui e agora. Uma frente de libertação do euro, reunindo partidos e cidadãos não filiados (mas empenhados), das diversas esquerdas ao centro-direita, é um projecto em que devemos começar a trabalhar agora. 

Mesmo que o país ainda não tenha condições políticas para uma saída unilateral, devemos ir criando as condições para que Portugal possa vir a ter um governo que saiba aproveitar os benefícios do fim do euro e minimize os custos, quando este acontecer por iniciativa de outro país onde as condições políticas lhe permitirem dar o pontapé de saída. A sobrevivência do euro não pode ser um tabu nos media do nosso país, ao contrário do que acontece no resto da Europa.

O pior que nos podia acontecer seria termos um governo de direita a aplicar políticas de austeridade e 'reformas estruturais' num contexto de dissolução do euro. E não seria uma inovação histórica: o chanceler Bruning ainda aplicava o "rigor orçamental" na Alemanha, nos anos trinta, quando o padrão-ouro já estava a desmoronar-se. A multidão, desesperada com o desemprego, mobilizada para o ódio a um bode-expiatório, aplaudiu Hitler nas ruas. E este aplicou o keynesianismo de guerra, acabou com o desemprego, deu subsídios às famílias, e assim conquistou a esmagadora maioria dos alemães que se sentiam humilhados com os acordos de Versalhes.

Em suma, a ascensão da extrema direita na Europa dos nossos dias é o resultado das políticas que o euro exige, tal como o padrão-ouro exigia. Quem recusa defender abertamente a saída do euro, com o medo infundado de que isso é nacionalismo xenófobo e abre o caminho para a guerra, não só revela saber pouco da História da Europa como está a colaborar, pelo menos por omissão, na construção de um novo desastre.

Precisamos de uma frente de esquerda, politicamente respeitada, que diga isto ao povo, que lhe garanta que não vamos ficar eternamente neste pântano de protectorado, desemprego ou emprego precário com um salário que não permite ter habitação própria. Uma frente que nos dê a esperança de, a breve prazo, podermos ter uma vida boa, muito para além do "poucochinho" que já ganhámos com este governo.

Recusamos o conformismo. Quando a "geringonça" acabar, queremos ter uma alternativa ganhadora, queremos um governo que recupere a nossa soberania, aprofunde a nossa democracia e adopte políticas para o pleno emprego. Nada menos que isto.

(Também publicado aqui)

sábado, 10 de junho de 2017

Paulo Varela Gomes: Uma homenagem e a memória de um texto


Por ocasião do primeiro aniversário da sua morte, e na sequência da publicação do livro póstumo «A Guerra de Samuel e Outros Contos», a Tinta-da-china organiza amanhã, 11 de Junho, uma homenagem a Paulo Varela Gomes. A sessão tem lugar na Feira do Livro de Lisboa e conta com intervenções do ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, Eduardo Lourenço e António Guerreiro, que apresenta o livro.

Também em jeito de homenagem, um texto que o Paulo escreveu, sobre cidades, espaço público e mobilidade, para o nº 1 do jornal Manifesto, em Outubro de 1993. Quase 25 anos depois, em ano de autárquicas, o que mudou? Como evoluímos? Temos menos carros nos «centros históricos», é certo, mas teremos mudado substancialmente de políticas e lógicas de transporte, para as cidades e no interior das cidades?


Tirem os nossos carros de cima dos nossos passeios
PAULO VARELA GOMES (Manifesto, nº 1, Outubro de 1993)

Quando o mundo era mais jovem, os capitalistas mais vorazes, os ministros mais boçais e os técnicos mais inocentes, ou seja, nos anos 40 e 50, pensava-se que o problema do trânsito e do estacionamento nas cidades se resolvia com a fluidez.
As cidades norte-americanas foram esventradas para fluidificar o tráfego; desapareceu uma parte do centro histórico de Bruxelas (e é apenas um exemplo). Viadutos, vias rápidas, túneis, largas faixas de rodagem, tudo foi posto à disposição do novo cidadão: aquele que, além de ter cabeça e votos, tem um motor e quatro rodas.
A palavra fluidez é muito desagradável. O conceito, por seu lado, é mentecapto. A nível central e local, Portugal é governado por homens dos anos 50: fluídos e mentecaptos. Nos últimos tempos, Ferreira do Amaral tem-se entretido a presentear as Câmaras com acessos cada vez maiores para o tráfego automóvel. As Câmaras, agradecidas e obrigadas, dão caminho aos carros até ao centro das cidades - e estacionam-nos à balda em cima dos passeios, constroem cada vez mais parqueamentos, esventram ruas. Rumo ao engarrafamento local.

É difícil discutir com os automóveis: são mais rápidos e mais confortáveis que qualquer outro meio de transporte. Baseiam-se num princípio antigo e incontornável: se eu estou na maior, os outros que se tramem! São uma das invenções culturalmente mais importantes e positivas da época moderna. Sem eles, muitos milhões de seres humanos teriam uma vida mais monótona e infeliz. Sem eles ninguém poderia ir longe, sozinho ou bem acompanhado. Sem eles não haveria revistas de automóveis, design de automóveis, perseguições de automóveis, "dragsters", carochas", "espadas" e "carrões" (sem eles não haveria também corridas de automóveis - mas isso que se lixe, só o Adriano Cerqueira é que gosta). Os portugueses, por exemplo, passaram quase cem anos a ver passar os carros dos outros e só agora se atingiu a cifra de 300 carros por mil habitantes, mais baixa que a média europeia (400/1000). Não é justo nem é possível dizer às pessoas para se contentarem com as fotografias das revistas. Não se trata de estrangular o automóvel; trata-se de impedir que ele nos estrangule.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Até logo


Na Feira do Livro de Lisboa, onde pelo menos alguns de nós estarão presentes, na sessão de autógrafos do «Economia com Todos», promovida pela Relógio d'Água. E sigam, já agora, o conselho do Ricardo: «se forem de bicicleta, levem cadeados».

Ter um emprego é bom, mas...


... não é uma solução para o país.

O mais recente barómetro do Observatório sobre Crises e Alternativas chama a atenção para a qualidade do emprego que está a ser criado desde o início da retoma económica em 2013. A análise baseia-se nos dados exaustivos sobre os novos contratos assinados desde outubro de 2013, compilados pelas entidades gestoras do Fundo de Compensação do Trabalho e do Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho, e que vão até 15/5/2017.

As ideias que sobressaem deste estudo são as seguintes:

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Coutada


«Não se brinca com empresas cotadas», diz Eduardo Catroga. Mas o que parece que o chairman da EDP quereria realmente dizer é que «não se brinca com empresas-coutada» (mesmo quando, deduz-se, a dita «brincadeira» está relacionada com uma investigação judicial).

(Segundo o Priberam, coutada é uma «terra onde não se permite a caça por estar reservada para o proprietário», significando a palavra coutar o ato de «tornar defesa (uma propriedade) proibindo a entrada nela e dando-lhe certos privilégios». O Infopédia, da Porto Editora, define coutada como uma «mata onde se criava caça para os reis e senhores ou seus convidados»).

Regressar às raízes



«Desde que apresentou um programa clarificador, que corresponde ao núcleo duro da social-democracia abandonado pela chamada "terceira via", Corbyn deixou de estar na defensiva. Lidera nas classes trabalhadoras com menos qualificações e nos eleitores até aos 34 anos (tem uma vantagem de quase 20 pontos percentuais entre os eleitores com menos de 24 anos). É verdade que todas sondagens indicam que, ainda assim, os conservadores vão ganhar estas eleições. Afinal de contas, a expectativa era, há um mês, a maior vitória da história dos Tories. O que Corbyn fez nesta campanha pode não ter sido suficiente e, tendo em conta a negociação que aí vem, talvez seja melhor deixar Theresa May lidar os problemas que os próprios conservadores criaram. Certo é que Corbyn deverá resistir a esta eleição e afirmar-se como alternativa credível. A solução para a esquerda não tem grande mistério: basta deixar de contrariar a sua natureza e recupera aqueles que é suposto representar. Deixem que sejam os mais jovens a responder aos que repetem que o regresso às raízes é anacrónico»

Daniel Oliveira, Corbyn: a esquerda recupera quando deixa de contrariar a sua natureza

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Não é mesmo um slogan

Nos últimos quarenta anos, o Reino Unido foi dominado pelo neoliberalismo, um credo que procurou adaptar algumas das posições do liberalismo clássico do século XIX a um mundo onde o papel do Estado tinha aumentado (…) A raiva que gerou as mudanças sísmicas assenta nos fracassos do neoliberalismo. O principal elemento foi a crise financeira de 2008 (…) [A] divisão tornou-se muito mais tóxica pelo de facto de a elite ter sido bem-sucedida nos anos neoliberais. Em 1980, um CEO de uma empresa cotada na bolsa ganhava 25 vezes mais do que o trabalhador médio. Em 2016, os patrões ganham 130 vezes mais (…) A privatização alimentou o ressentimento também. A promessa trabalhista de renacionalizar os caminhos de ferro, impensável há uma década, é agora popular: agradeçam às tarifas elevadas e aos lucros privados.      

Dado que são excertos de um artigo da The Economist desta semana, é caso para dizer que estamos perante o mais parecido que encontrarão com uma autocrítica, algo melancólica, vinda de uma revista que condensa todas as semanas os argumentos neoliberais sobre tudo e mais alguma coisa ou não tivessemos perante uma visão do mundo global e que se vê no centro.

Já há vários anos que leio esta revista todas as semanas e não me lembro de ver o termo neoliberal aí usado, ainda para mais com tanto à vontade analítico. Realmente, não há melhor para descrever as últimas décadas: o neoliberalismo não é mesmo um slogan. Curiosamente, os próprios autores neoliberais chegaram a usar este termo, mas só antes do início da hegemonia nos turbulentos anos setenta.

Entretanto, argumenta-se na The Economist que May e Corbyn sinalizam, cada um à sua maneira, uma ruptura com o neoliberalismo. Talvez sim, talvez não. Ainda é cedo. Seja como for, é um bom sinal que haja mais discernimento, até porque este tende a emergir mais frequentemente quando já estamos a olhar para o passado. Aliás, rupturas como a do Brexit poderão também contribuir, esta é a aposta, para fazer do neoliberalismo um credo do passado…

«Economia com Todos» na Feira do Livro

A escritores.online confirma: «encontra-se já disponível nas livrarias o livro ‘Economia com Todos’, dos autores do blogue Ladrões de Bicicletas, editado pela Relógio d’Água».

Na próxima sexta-feira, 9 de junho, a partir das 18h00, realiza-se uma Sessão de Autógrafos na Feira do Livro de Lisboa. Já sabem que a entrada no Parque Eduardo VII é gratuita. Apareçam.

E para despertar a atenção de eventuais interessados, os capítulos do livro e respetivos autores:

«Sempre a pedalar» (Ladrões de Bicicletas)....«O Neoliberalismo não é um slogan» (João Rodrigues)....«O desconserto da globalização» (José Castro Caldas)....«Estagnação e financeirização» (Nuno Teles)....«O papel do Estado no desenvolvimento das capacidades produtivas» (Ricardo Paes Mamede)....«Imprensa: A fábrica de chouriços vai ter robots» (João Ramos de Almeida)....«Flexibilizar para criar emprego?» (Diogo Martins)....«Estado Social e desmercadorização do bem‐estar» (Nuno Serra)....«O preço do Euro» (Jorge Bateira)....«Desvalorização interna e desequilíbrios macroeconómicos na Zona Euro» (Paulo Coimbra)....«À espera da reestruturação da dívida» (Eugénia Pires)....«Histórias do nosso futuro» (Alexandre Abreu)....«Macron, a Frente Nacional e a social-democracia europeia» (Hugo Mendes)....«Tornar possível o impensável» (José Guilherme Gusmão).

terça-feira, 6 de junho de 2017

Amanhã, em Lisboa: «O mundo do Trabalho em debate»

«Sob o efeito do neoliberalismo dominante, as dinâmicas do mercado de trabalho e as opções do poder político promoveram nas últimas décadas todo um conjunto de medidas que atingiram violentamente as condições de trabalho e os direitos da classe trabalhadora, deixando as organizações sindicais sob forte pressão.
Mais recentemente, as políticas de austeridade que atingiram a Europa do Sul produziram implicações diversas no campo laboral, nas suas modalidades de organização e nos seus protagonistas
».

Da nota de enquadramento do Seminário Internacional organizado pelo CES-Lisboa, «O mundo do Trabalho em debate: Tendências, poderes e protagonistas», que se realiza amanhã, 7 de junho, a partir das 9h30, no Auditório do CIUL (Centro de Informação Urbana de Lisboa).

Contando com a participação de diferentes especialistas nacionais e internacionais (ver programa e lista de oradores aqui), o seminário propõe-se debater as tendências das relações laborais na Europa e procurar respostas sobre ao papel atual dos sindicatos, vincando a necessidade da sua revalorização na defesa do direito ao trabalho e dos direitos do trabalho.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

A fábrica europeia de documentos não pára


A fábrica de documentos “estratégicos” da União Europeia deu à luz um novo produto, o “Documento de reflexão sobre o aprofundamento da União Económica e Monetária”, onde se procura “acarinhar e proteger” o euro. Por cá, a atenção mediática esteve mais concentrada na possibilidade de o presidente do Eurogrupo passar a ser um funcionário a tempo inteiro e nas implicações para a candidatura de Centeno ao lugar.

O documento propriamente dito concentra-se, por um lado, na construção da União Bancária e na União de Mercados de Capitais e, por outro lado, no reforço dos poderes políticos europeus, quer da Comissão Europeia (CE), através de um papel mais activo do "Semestre Europeu", quer do Eurogrupo, através da criação de um “Tesouro” europeu, com maior músculo financeiro. As intenções da CE atemorizam de muitas maneiras, sobretudo na forma camuflada como pretende reforçar o seu poder - passagem da “educação, a fiscalidade e a conceção dos sistemas de proteção sociais” para a alçada do “Semestre Europeu”, maior condicionalidade política nos fundos estruturais, criação de um enorme mercado de titularização da dívida, etc. Tudo, claro está, com juras de transparência e democracia. Todavia, o que mais me chamou a atenção neste documento foi, na parte de diagnóstico da crise, nem uma só vez se referir os desequilíbrios externos entre países excedentários e deficitários na zona euro. Assinala-se a imbricação da banca com os estados nacionais, mas o que é reconhecido como causa maior da crise do Euro não aparece no texto. Lendo todo o documento percebe-se porquê. Com a criação do Euro foi-nos contada a história - em que, alegremente, acreditei até à crise – da irrelevância dos desequilíbrios macroeconómicos internos à zona Euro, já que, com um banco central comum, a política monetária era igual para todos os países. Quando muito existiriam problemas microeconómicos em certos sectores e/ou bancos. Nunca em países. Hoje, da esquerda à direita, sabemos que não foi assim. Podemos não ter tido uma crise cambial, mas a fuga de capitais fez-se sentir na impossibilidade de refinanciamento da banca e do Estado.

O documento de reflexão da Comissão Europeia conta-nos uma nova história (sem nunca mencionar os desequilíbrios): no longo prazo, graças à União Bancária e à União de Mercado de Capitais, deixarão de existir bancos nacionais, substituídos por grandes bancos com alcance a toda a Zona Euro*. A imbricação estado-banca deixará de existir, cortando a dinâmica financeira descendente, a que assistimos durante a crise. Com um banco central comum e uma banca comum, os desequilíbrios de balança de pagamentos serão agora mesmo transformados em meros problemas empresariais. Aplicados à banca, serão problemas de sucursais. A solução para o maior problema da zona Euro é assim resolvido sem nunca ser mencionado.

A solução é lógica, mas falsa. Com bancos europeus e um banco central europeu parece ter-se encontrado uma solução para a fragmentação bancária e financeira nacional que, ao atribuir de facto valores diferentes a euros depositados na Alemanha ou na Grécia, punha em causa a moeda única. No entanto, esta é uma solução que “dispara” sobre um problema que estará sempre em movimento, dada a natureza defeituosa da moeda única. A criação de grandes bancos privados de vasto alcance territorial na zona euro nunca resultará numa banca realmente europeia. O Euro é uma moeda sem Tesouro, ou seja, sem receitas ficais directas que o apoiem (a criação do tesouro anunciada não é mais do que a gestão de um instrumento financeiro de dívida sem qualquer poder de impor impostos europeus). Tal realidade significa que a grande banca, alemã e francesa, continuará dependente na sua sobrevivência dos seus estados nacionais (e da sua capacidade orçamental e fiscal). Ou seja, em caso de nova crise de balança de pagamentos, uma sucursal portuguesa não terá certamente o mesmo peso da sede em Frankfurt ou La Défense e será não só vítima de congelamento do seu refinanciamento, como aconteceu com a banca portuguesa em 2011, mas também, provavelmente, drenada de recursos, como aconteceu com as sucursais da banca internacional no Leste Europeu, em 2009, ou na Argentina, em 2001. Os problemas não desaparecem então, só se transmutam face a uma estrutura monetária sem futuro.

*Para mais sobre as consequências nefastas da União Bancária e da União de Mercados de Capitais, eu e o João Rodrigues escrevemos um artigo sobre o assunto a sair na versão portuguesa do Le Monde Diplomatique deste mês.

domingo, 4 de junho de 2017

O problema da estrutura da Zona Euro



É verdade, há razões de sobra para afirmar que a actual zona euro não é viável. Nisso, Stiglitz tem razão. Mas há um problema com o resto do seu discurso que é o de admitir que a zona euro poderia ter sido construída como se de um Estado federal se tratasse, logo desde o início, com Maastricht. Aqui entra a deformação do economista convencional que ignora as interdependências entre a economia, a política, a cultura, etc.

Numa perspectiva de Economia Política, e pelos relatos dos participantes à época, sabemos que era impossível avançar em simultâneo com uma política monetária e uma política orçamental únicas. Esta pressupõe um Orçamento supra-nacional e as suas escolhas são, por natureza, políticas. Não havia, ainda não há, e não haverá num horizonte imaginável, um "povo europeu" com o respectivo Parlamento e instituições democráticas.

Ainda assim, contra as recomendações dos relatórios que a Comissão encomendou, decidiram avançar num projecto estruturalmente deficiente: não há (nem haverá) transferências orçamentais para as regiões mais frágeis numa escala idêntica à das que a Alemanha hoje faz, todos os anos, para as suas regiões mais pobres. Nem haveria unanimidade na UE para dar esse passo: a dissolução dos Estados, convertendo-os em regiões (pouco) autónomas.

Para preservar os convites, Stiglitz não pode ir mais longe. Mas, lendo-o, ou ouvindo-o com atenção, percebe-se que ele sabe que o salto qualitativo que poderia salvar o euro não é possível. Stiglitz conhece a raiz do problema, pelo menos na sua dimensão orçamental, mas quer continuar a ser conferencista muito bem pago.

Cabe-nos a nós, economistas da Economia Política, explicar ao cidadão comum que o € pode arrastar-se penosamente até ao colapso. Com muito sofrimento para "os de baixo" e muita responsabilidade de vários sectores da esquerda.

Estranhas coincidências

Imagem retirada da Wikipedia - "UK electoral polls

Apesar da suspensão da campanha, o primeiro atentado de Manchester não inverteu a ascensão do Partido Trabalhista. A campanha prosseguiu, Theresa May desapareceu defitivamente em combate, faltou a um debate essencial na BBC. E as sondagens continuaram a dar o Partido Conservador em queda. A última sondagem de ontem, dá os dois primeiros partidos com uma diferença de um ponto percentual de diferenta - repito: 1 ponto percentual! - quando há 15 dias tinha 20 pontos de diferença.

E não é que a poucos dias das eleições no Reino Unido surgem dois novos atentados no dia da final da Taça dos Campeões entre o Real Madrid e Juventus (na Ponte de Londres e em Borough Market)?

As forças policiais dizem que conseguiram responder em 8 minutos à primeira chamada de alarme e matar os terroristas, antes mesmo de conseguiram se fazer explodir, até porque não tinham quaisquer explosivos consigo.

Supostamente, após o atentado na ponte feito com uma carrinha branca, os três homens deixaram-na e seguiram para o Borough Market onde esfaquearam pessoas. A descrição feita pela documentarista Gabriele Sciotto, ao The Guardian (2:20), conta que a reacção policial foi muito rápida. Viu três homens a 20m de si e estava um polícia em Borough Market a tentar assustá-los. Os três homens correram na direcção de Gabriele porque estavam a ser perseguidos pelo polícia. Foram para a Stoney Street em direcção ao Wheatsheaf pub. Eram três. "De repente, montes e montes de polícias surgiram da outra direcção. Houve muitos gritos. 'Stop, no chão, no chão', coisas destas. Então a polícia começou a disparar". E os homens foram atingidos. Um deles ainda se movia. "Os polícias estavam assustados". Mais tarde, disse-se que a polícia disparara em resposta a tiros. 

Mais tarde (ver entrada às 12:49), os depoimentos contradizem-se. Lewis Bennett, 39 anos, no mesmo site do The Guardian, afirma que um dos atacantes foi morto por um polícia num bar, depois de ter esfaqueado diversas pessoas. Outra testemunha diz que ouviu tiros às 1h15, quando todas as declarações policiais (entrada às 4:43) dizem que "responderam pronta e corajosamente" confrontando  os três homens que foram atingidos e mortos" e outra entrada (4:46), dá os homens como mortos às 22h16.

Noutra entrada (7:51). diz-se que às 23h a polícia chegou e disse para que as pessoas as seguissem com as mãos na cabeça.

Nunca há sobreviventes nestes atentados. E a campanha vai de novo ser suspensa.

Num video posto no The Guardian (veja-se no link acima), vê-se jovens, cidadãos comuns, a caminhar pelas ruas com as mãos na cabeça, como se se tivessem rendido. "Porque puseram as mãos na cabeça?". "Não sei" responde um dos jovens. "Todos estavam a pôr..."

The Beatles - Lucy in the Sky with Diamonds


Parece que o Sgt. Pepper's está a fazer cinquenta anos

sábado, 3 de junho de 2017

Tudo ligado com a nossa energia

Depois de Ricardo Salgado, agora é a vez de António Mexia: mais um dos três lamentáveis Doutores Honoris Causa ao tempo de João Duque é constituído arguido. É o que dá quando se confunde a honra do conhecimento ao serviço do bem comum com o poder que o dinheiro dá quando está concentrado em poucas mãos. Uma confusão que as sociedades mais desiguais têm tendência a fazer, dado que muito nelas conspira para a tóxica confusão de esferas, para a corrosão das instituições em sentido amplo.

Incensar grandes gestores e capitalistas só porque têm poder para receber rendimentos milionários é parte do problema; um problema agravado pela fraqueza engendrada dos freios e contrapesos, por exemplo sindicais, à aliança entre gestores e accionistas, conluiados para extorquir valor à custa dos trabalhadores e do conjunto da comunidade.

E ninguém sem palas liberais pode ficar surpreendido pelo facto de os processos de privatização e de construção de mercados, com inspiração europeia, em sectores, como a energia, gerarem amplas oportunidades e incentivos para que as inevitáveis grandes empresas, e os que nela têm protagonismo, procurem moldar as igualmente inevitáveis regras políticas do jogo mercantil a seu favor.

Já agora, em vez de se aceitar a perversa divisão de tarefas que marca este tempo neoliberal - onde uns brincam aos mercados, enquanto que outros brincam aos pobrezinhos com a condição de recursos associada às tarifas sociais -, deveríamos estar a pensar em voltar ao controlo e plano públicos nacionais neste sector estratégico. Se calhar, até podemos reaprender com os chineses nesta área. E quem diz na energia, onde a EDP foi uma importante criação do Estado democrático português, diz na banca. Sim, isto anda tudo mesmo ligado. Questão de economia política.

Valorizar o Trabalho


quinta-feira, 1 de junho de 2017

Façamos o jeito a Montenegro


Pela voz de Luís Montenegro, o PSD trouxe ao debate público o tema da reforma do sistema eleitoral. Percebe-se o momento escolhido: atravessado por uma crise de discurso político e pressionado pela iminência da divulgação dos resultados económicos do 1º trimestre, havia a necessidade de recuperar um tema de grande acolhimento mediático e popular para polarizar notícias e deixar cair no dia seguinte. Desta feita foi o sistema eleitoral, mas podia bem ter sido a revisão do orçamento da frota dos automóveis ministeriais. O importante é o ruído.

Mas vamos às propostas. O líder parlamentar do PSD sugere três medidas essenciais: 1) redução do número de deputados; 2) introdução do voto preferencial e 3) criação de sub-círculos eleitorais nos distritos de maior dimensão.

Quanto à primeira proposta não me alargarei muito. Quero apenas referir que a poupança marginal que essa medida representaria (os vencimentos de umas poucas dezenas de deputados são uma gota de água no oceano do Orçamento de Estado) nunca daria para compensar o prejuízo democrático da diminuição das minorias políticas representadas. Além de disporem de menos meios e deputados para atenderem à multiplicidade de solicitações do trabalho parlamentar, onde não se insere apenas o plenário mas também todas as comissões especializadas, os partidos minoritários seriam ainda mais vistos como resíduos representativos da sociedade portuguesa, comprometendo a sua projeção e favorecendo a concentração no centro do espectro político.

Olhemos agora a segunda proposta. O voto preferencial sugerido por Montenegro é um sistema que já encontra implantado em países como o Brasil. Funciona do seguinte modo: quando o eleitor se dirige à urna, não vota apenas no partido pretendido mas também no candidato que mais prefere desse partido. Segundo os seus defensores, este modelo tem a vantagem de atribuir maior liberdade de escolha ao eleitor, que deixa de estar condicionado pela ordenação de candidatos definida centralmente pelas direções dos partidos. Nada mais enganador, já que uma das outras características do sistema é que o número de votos recebido por um dado candidato contribui para a sua eleição mas também, em menor medida, para a eleição dos demais candidatos do partido que representa. No Brasil, esta arquitetura eleitoral originou comportamentos que obscurecem a democracia. Na verdade, tornou-se prática comum os partidos utilizarem figuras mediáticas como candidatos, desde ex-futebolistas a comediantes em desgraça, passando pela mulher-pêra e pela mulher-melancia, de modo a que os votos que estes conseguem reunir contribuam para eleger os burocratas ocultos dos partidos, figuras cinzentas totalmente desconhecidas dos cidadãos. Existem até partidos sem matriz ideológica definida, popularmente chamados “partidos pega tudo”, que baseiam a sua ação política no convite a figuras mediáticas para integrarem as suas listas. É um jogo onde todos os participantes ganham: ganha a celebridade por ter um partido pelo qual ser eleita, ganham os membros do partido por serem eleitos à sua boleia. Só perdem a democracia e os cidadãos.

O centro da política desloca-se do debate de ideias para o show mediático. Os valores e as propostas políticas são substituídos por índices de popularidade, em grande medida construídos pela comunicação social de massas, frequentemente conivente com as estruturas de poder instituídas, o que reforça o viés conservador do modelo. Tudo é pior. A maior liberdade individual do sistema é um logro.

Por último, a proposta de criar sub-círculos eleitorais teria o mérito, segundo o deputado social-democrata, de aproximar os eleitos das localidades que os elegeram em distritos de grande dimensão. Antes de respondermos a este argumento, importa descrever sucintamente o sistema eleitoral português: Portugal tem 22 círculos eleitorais, compostos pelos 18 distritos, as 2 Regiões autónomas e os círculos Europa e Fora da Europa. Cada círculo eleitoral elege um número de deputados determinado pelo número de cidadãos eleitores. Assim, círculos com maior população como os de Lisboa e Porto elegem muito mais deputados do que distritos com pouca população, como Portalegre ou Bragança.

O sistema de círculos por distritos/regiões autónomas é justificado pela necessidade de a representação democrática assegurar a dispersão geográfica do território. Mas aqui reside desde já o primeiro problema: como é sabido, os candidatos a deputados pelos vários partidos são amiúde fixados centralmente, após consulta limitada às estruturas locais. Desde logo, não se percebe como é que Montenegro resolveria esta questão aumentando o número de círculos eleitorais.

Adicionalmente, a desmultiplicação em vários círculos constitui com frequência um estímulo ao voto útil. Tomemos o caso de Bragança, que elege apenas 3 deputados: que incentivo tem um eleitor para votar num partido minoritário, digamos, no Bloco de Esquerda, se, dada a concentração do voto tradicionalmente ao centro e o escasso número de deputados eleitos pelo círculo, a probabilidade de esse partido eleger um deputado por esse distrito é residual? O incentivo é pouco. Poderá querer contribuir, por convicção, para a percentagem de votos nacionais, mas isso nada influirá na representação efetiva. O magnetismo do voto útil torna-se, pois, muito pronunciado, sendo as regras do sistema as responsáveis por alterarem as preferências a priori dos cidadãos. Nenhum bom sistema eleitoral deveria permitir este efeito.

Em paralelo, é sabido que a desmultiplicação em vários círculos eleitorais tende a desvirtuar a relação entre a votação obtida nacionalmente por cada partido e a sua representação efetiva. Se os resultados globais das últimas eleições legislativas fossem aplicados a um único círculo eleitoral, os partidos minoritários veriam a sua representação substancialmente melhorada.

Com efeito, a reforma do sistema eleitoral não passa pelo voto preferencial nem pela criação de círculos adicionais. A reforma necessária tem de assegurar que cada voto conta. Cada eleitor deve sentir que o seu voto tem tradução na sua representação, independentemente do partido e do círculo eleitoral.

Um importante passo nessa direção seria a criação de um círculo de compensação nacional, à imagem do que já existe hoje nas eleições regionais dos Açores. Esse círculo de compensação acolheria os votos que não tinham contribuído inicialmente para a eleição, provenientes dos diferentes círculos eleitorais “diretos”. Esses votos serviriam depois para calcular a distribuição do número de deputados eleitos pelo círculo de compensação. Este mecanismo combateria a vertigem do voto útil e aproximaria o voto das efetivas preferências eleitorais dos cidadãos.

Talvez este texto seja um favor ao ruído pretendido por Montenegro. Mas, se é para falar de reforma do sistema eleitoral, é importante estruturar oposição às ideias feitas.