terça-feira, 31 de maio de 2022

Querido diário - A Comissão Europeia ressoa na voz da direita

Há dez anos, estava o Governo Passos Coelho/Paulo Portas a aplicar de boa-vontade o Memorando de Entendimento com a troica  (ver Caderno nº9 - pag.29) e a Comissão Europeia voltava a pressionar para que se cortasse na duração do subsídio de desemprego. Mas porquê?  

Público, 31/5/2012

 

Em Abril de 2012, o Governo - pela mão do ministro da Economia Álvaro Santos Pereira (presentemente na OCDE) e do centrista  ministro do Trabalho Pedro Mota Soares (presentemente na firma Andersen Tax & Legal) - aprovara o corte na duração máxima de 38 para 18 meses alegadamente como forma de reduzir a subsidiodependência dos... desempregados. Na realidade, o que se pretendeu foi outra coisa: baixar os salários médios. Como? Primeiro, aumentando o desemprego, ao provocar uma recessão que equilibrasse as contas externas; e depois reduzindo os apoios aos desempregados (pagos pelos próprios e pelas empresas numa lógica de seguro), como forma de os obrigar a aceitar os salários - baixos - que se lhes fossem sendo oferecidos. Esta medida fez parte de um pacote que visou precisamente a descida dos salários médios, como forma de dar competitividade às empresas nacionais. 

Entre essas medidas figuraram: fim de 4 feriados nacionais, corte de 3 dias de férias, corte para metade do pagamento do trabalho extraordinário e fim do descanso obrigatório por trabalho extraordinário (criando um verdadeiro incentivo ao uso do trabalho suplementar para lá dos horários de trabalho e prejudicando a vida familiar dos trabalhadores), corte das compensações por despedimento, redução do valor e duração do subsídio de desemprego. E tudo isso deve ser somado ao quadro que fora já aprovado com a criação do código do Trabalho (em 2003) e sua consolidação (em 2009) que previu diversas medidas com o mesmo fim de reduzir salários, como foi a caducidade das convenções colectivos, o fim do tratamento mais favorável (sabotando os mínimos legais), a facilitação dos despedimentos ilegais, a criação de bancos de horas, a desregulação dos horários de trabalho, a explosão do número de agências de trabalho temporário, a fragilização contratual, o abuso continuado das falsas situações de trabalho independente, etc., etc.

Ao fim de duas décadas, o novo quadro é visível. 

7 de junho: videoconferência Práxis sobre a Semana de 4 dias

«Pode a semana de 4 dias, tema que dá os seus primeiros passos em Portugal e já é objecto de debate e várias iniciativas na Europa e no mundo, contribuir para uma mais justa repartição do tempo de trabalho e do tempo de lazer e de repouso dos trabalhadores? Como se pode articular a caminhada progressiva para uma semana de trabalho de quatro dias com a aspiração dos trabalhadores e a conhecida reivindicação do movimento sindical de redução do número de horas de trabalho semanal e com a protecção dos salários dos trabalhadores? Quais as consequências para a economia, para a produtividade e a organização do trabalho nas empresas? Que benefícios pode trazer para a saúde, a segurança e o bem-estar dos trabalhadores e das famílias? E para a causa do ambiente, a organização da vida urbana e a redução dos consumos?»

Estas são algumas das pertinentes questões que a videoconferência da Práxis coloca em debate, tendo como mote o livro de Pedro Gomes, «Sexta-feira é o novo sábado», recentemente editado.

A sessão conta com a participação do autor do livro, Pedro Gomes (economista e professor na Universidade de Londres), seguindo-se os comentários de Daniel Bernardino (Comissão de Trabalhadores da Forvia – Faurecia), Joana Vicente (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra), José Carlos Martins (Sindicato dos Enfermeiros Portugueses), Patrícia Caixinha (Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Seguradora) e Rogério Nogueira (Comissão de Trabalhadores da Autoeuropa). A moderação está a cargo de Catarina Almeida Pereira (jornalista) e Henrique Sousa (Direção da Práxis) assegura a apresentação e encerramento do debate.

A videoconferência realiza-se no próximo dia 7 de junho, terça-feira, a partir das 21h00. Inscrições aqui.

segunda-feira, 30 de maio de 2022

Citação falhada


“Portugal tem escrito uma história de sucesso económico impressionante”

(Olaf Scholz, chanceler alemão, por exemplo aqui)

"(...) não sei bem a que se referiu o chanceler federal, Olaf Scholz, na abertura da feira ontem, quando afirmou que Scholz diz que Portugal “tem escrito uma história de sucesso económico impressionante”. A partir de 2015, viveu-se menos mal em Portugal do que nos anos de chumbo da troika, está certo, graças a alguma recuperação económica e à revogação de medidas tomadas nos anos da troika. Mas "história de sucesso"? Há 30 anos, falava-se na Alemanha de um "milagre económico" graças às políticas de Cavaco Silva, entre as quais as privatizações (será que temos mesmo uma economia de mercado a funcionar?) e à construção de autoestradas, com cheta vinda de Bruxelas, claro. E lá por 2011 ou 2012, foi a própria Angela Merkel a achar que as vias rápidas e os túneis na Madeira não tinham tornado a ilha mais competitiva. Mas a "história de sucesso" de que fala Scholz não devia ter algum reflexo nos salários? Hoje António Costa assina um artigo de opinião no jornal Público, intitulado "Levamos a Hanover o futuro". O PM destaca, com toda a razão, "a qualidade dos nossos recursos humanos" e "a excelência das nossas PME's" (ok, se tivesse dito "de algumas das nossas PME's" teria sido mais correto). Mas não fala nos salários e não explica por que Portugal, aparentemente, só pode fazer valer esta sua excelência com salários baixos e com precariedade. Poupem-me!"

(Thomas Fisher, jornalista alemão e português a viver em Portugal há 39 anos, no Facebook)

domingo, 29 de maio de 2022

Manual


Tendo tido o prazer de apresentar este livro na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), escrevi uma breve nota no último Mil Folhas, o boletim da sua excelente biblioteca: 

Já alguém disse que a economia deixou de ser a resposta para passar a ser a questão. Hoje, quase ninguém duvida que a economia substantiva é política do princípio ao fim e que a ciência económica convencional, quando reduzida a uma racionalização matematicamente sofisticada do privilégio mais grosseiro, é certamente parte do problema. 

Na melhor tradição da economia política com experiência parlamentar, de David Ricardo a Gunnar Myrdal, dois economistas também académicos oferecem-nos neste manual uma atualizada introdução à fronteira do conhecimento nesta ciência apesar de tudo plural e conflitual – da economia comportamental à das desigualdades. Fazem-no com atenção ao contexto histórico-geográfico, num livro culto e com lastro, das ideias aos factos económicos. 

Dirigido a estudantes de economia, pode ser lido e consultado com proveito por outros cientistas sociais e por todos os outros cidadãos portugueses interessados, até porque nele abundam os exemplos da realidade nacional. Este manual contrasta com abordagens convencionais aparentemente desenraizadas, mas na realidade tributárias de fracassados consensos, forjados algures entre Washington e Frankfurt.

sábado, 28 de maio de 2022

Portugal gasta demasiado com os funcionários públicos?

No seu mais recente relatório sobre Portugal, a Comissão Europeia está preocupada com «o crescente aumento de funcionários públicos nos últimos anos», alertando para o impacto desse aumento na pressão «permanente sobre os gastos públicos». A sustentar esta avaliação, e de modo a defender a «racionalização dos gastos e do número de trabalhadores do Estado», a Comissão assinala que Portugal gasta, em percentagem do PIB, mais que a Europa a pagar salários da Função Pública (11,8%, com a média europeia a rondar os 10,5%).

É curioso que seja este o indicador escolhido pela CE (peso dos salários da função pública no PIB), e não o mais usual, relativo à percentagem de funcionários públicos no emprego total. Mas percebe-se: se recorresse a este último, já não poderia posicionar Portugal acima da média europeia (e, assim, defender a necessidade de «racionalizar» o emprego público). De facto, e como já se assinalou aqui, com um valor a rondar os 14%, Portugal encontra-se, em termos de peso da Função Pública no emprego total, bem abaixo da média europeia (situada em 18%).


Sucede, por outro lado, que é preciso cautela na leitura do peso da «folha salarial» do emprego público. É que muito provavelmente o seu valor reflete, no caso português, a dinâmica de envelhecimento da função pública e, nessa medida, a relevância dos escalões de topo das carreiras, com remunerações mais elevadas. É que, de facto, somos hoje um dos países com maior percentagem de funcionários públicos com 55 e mais anos (37% do total), sendo apenas superados pela Grécia, Espanha e Itália. Aliás, no conjunto de países da UE sinalizados pela OCDE, Portugal foi aquele em que o envelhecimento da função pública mais se agravou nos últimos cinco anos (com um aumento de 17 p.p., entre 2015 e 2020, do peso relativo de trabalhadores com 55 e mais anos).


Quer isto dizer que, a breve trecho, a entrada na reforma destes trabalhadores do Estado implica duas coisas: a necessidade de assegurar a sua substituição (não temos, de facto, funcionários públicos a mais, traduzindo os recentes aumentos a reposição dos cortes de efetivos no tempo da troika) e, com essa substituição, a redução natural do volume global de despesa com salários (uma vez que as entradas constituem início de carreira, com remunerações mais baixas). E por isso não se percebe a dita necessidade de adotar medidas orientadas para a «racionalização dos gastos e do número de trabalhadores do Estado», assinalada pela Comissão Europeia.

Nada disto parece ser do desconhecimento da CE, que dá boa nota, no referido relatório, do «grande desafio» do envelhecimento da Função Pública (reconhecendo, por exemplo, que temos «uma das maiores proporções de professores acima dos 50 anos») e do facto de o envelhecimento da população implicar uma procura crescente de profissionais de Saúde (com o desafio adicional, neste caso, de não deixar escapar profissionais para o privado). A questão é que se identifica as dificuldades, a Comissão reprova as respetivas soluções, refugiando-se na confortável vacuidade de defender aumentos de eficiência, como se isso bastasse para responder à magnitude dos problemas.

sexta-feira, 27 de maio de 2022

As espirais da desistência

 

No início de abril, quando os efeitos da guerra na Ucrânia se fizeram sentir nos preços, os ministros do Eurogrupo foram taxativos. Em conferência de imprensa, o seu presidente rejeitou que os salários subissem para evitar uma “espiral inflacionista”. Dias depois, em Portugal, o primeiro-ministro socialista, António Costa, seguiu o mesmo discurso. (...)As organizações patronais reagiram na mesma linha, contra o aumento salarial. 

Ora, há três questões que se colocam. 

Assim se inicia a minha crónica no Setenta e Quatro que pode ser lida aqui.

Da política de direita


O que têm em comum Boris Johnson e Mario Draghi? Instituíram um imposto extraordinário significativo sobre os lucros caídos do céu das empresas petrolíferas, medida modesta, de resto recomendada por organizações internacionais sem quaisquer simpatias social-democratas. 

Por cá, o PS, que é toda uma iniciativa liberal, não quer “hostilizar” o capitalismo fóssil, mas também de herdeiros e de luxo, encarnado, por exemplo, por Paula Amorim.

O Governo prefere dar 60 euros de uma só vez aos mais pobres, com receio que gastem tudo em vinho inflacionado, e ir além da troika na transferência de rendimento do trabalho para o capital. 

Perante isto e muito mais, o que faz a esquerda? Vota contra o orçamento, claro. É claro também que se pode sempre contar com a abstenção, certamente violenta, do deputado único do Livre.

 

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Da pobreza de espírito dos ricos de cá

«O país tem que ter uma estratégia. Todos concordam que temos que qualificar o turismo. Ninguém quer turismo de mochila. Queremos qualificar o turismo. Se queremos qualificar o turismo, não vamos querer turistas que queiram andar de Metro. Porque ninguém vai à Louis Vuitton de Metro»
Álvaro Covões, sobre o fecho da Avenida da Liberdade ao trânsito nos domingos e feriados, recentemente aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa.

«Somos um país tão pobre, tão pobre, que, a falar de "ricos", parecemos os copistas na idade média a desenhar os povos do fim do mundo com três cabeças e cauda. Nem fazem ideia que a classe média-alta anda toda de metro nos países ricos. A coisa é de tal modo ignorante que só conseguem imaginar os "ricos" com os hábitos das gentes de cá, que andam de carro no trânsito das grandes cidades e, cheios de ansiedade social, compram Louis Vuitton para que ninguém os confunda com os mais pobres que eles».

Luís Gaspar (facebook)

quarta-feira, 25 de maio de 2022

Portugal na armadilha neoliberal da UEM


Podemos comparar os dois períodos de igual duração, imediatamente antes e depois do euro, isto é, de 1976 a 1998 e de 1999 a 2021. O crescimento anual médio de Portugal foi, no primeiro período, de 3,4% e foi, no segundo, de 0,8%. A realidade é que o país, desde que aderiu à moeda única, reduziu o seu ritmo de crescimento a cerca de um quarto. (Jerónimo de Sousa)

O PCP aponta para o maior estrangulamento ao nosso desenvolvimento, aquele que muita gente à esquerda infelizmente ainda teme discutir. É lamentável esta inibição porque, sem um diagnóstico acertado, o conjunto da esquerda não terá propostas consistentes, não será a alternativa credível de que tanto precisamos.

O euro condena a economia portuguesa à estagnação, um processo que de facto se iniciou ainda antes do euro com a renúncia ao uso do instrumento cambial para nos "habituarmos" ao que viria a seguir. Sem jargão técnico e sem rodeios, é preciso dizer com clareza que o euro condena à emigração os nossos jovens mais qualificados após termos investido na sua formação, e condena os que ficam a empregos em larga medida precários e/ou de baixos salários.

Com uma moeda demasiado forte e sem política económica autónoma, o país desindustrializou-se em vez de progredir na complexificação do seu tecido industrial. Sem política industrial à maneira dos "tigres asiáticos", uma política proibida pelas normas da UE, estamos condenados a ser uma periferia para repouso dos reformados ricos da Europa. O turismo e os serviços pessoais, acompanhados da bolha especulativa no imobiliário, criada pelo capital estrangeiro (os "investidores"), serão cada vez mais a base da nossa economia. Estamos a cristalizar o "modelo Flórida".

A política das "contas certas", sem qualquer base científica que a fundamente, conduziu à erosão do nosso Estado social, ainda precário, através do controlo do défice pelo silencioso e sistemático corte no investimento público. Para uma análise mais extensa, interdisciplinar, e fundamentada na literatura académica, ver aqui a minha contribuição para o livro Ética, Economia e Sociedade (edição UCP) escrito para marcar os 20 anos da fixação das taxas de câmbio e criação do euro

Temos assim um país envelhecido, muitíssimo desigual, com uma muito elevada percentagem de população pobre, altamente vulnerável às alterações climáticas, e com um governo que diz ter estratégia de desenvolvimento, ainda que todos saibamos que não tem os necessários instrumentos de política económica (orçamental, monetária, cambial, industrial).

É esta a nossa democracia, periférica e "boa aluna". De facto, quando votamos em eleições legislativas é para eleger uma Assembleia da República que vai criar a delegação portuguesa do governo (não eleito) de Bruxelas-Frankfurt. E assim será enquanto esta UE durar.

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Nota: chamo a atenção para a forma como termino o texto ("E assim será enquanto esta UE durar."). Portanto, não assumi que Portugal tem condições para uma saída unilateral. Como disse Albert Hirschman, há três formas possíveis de lidar com esta situação: sair, submeter-se, ou questionar. Enquanto se espera que um dos fundadores da CEE ponha tudo em causa, acho que só devemos questionar a interpretação e execução das regras, explorando ao máximo a margem de manobra que nos resta para promover o desenvolvimento do país.

A fonte e a ilusão


Ainda hoje a maioria das pessoas não liga o euro à devastação sectorial e aos baixos salários. Mas o euro não é apenas ter a "liberdade" de escapar aos câmbios nos aeroportos: é a fonte de transferência de rendimentos dos países pobres para os ricos, que torna os países pobres cada vez mais endividados.

Juntar países com desiguais níveis de desenvolvimento numa mesma zona monetária é a ideia perfeita para os mais ricos. Desvaloriza a moeda dos países mais fortes enquanto encarece a moeda dos países mais fracos, favorecendo a economia e as exportações dos mais fortes, em detrimento da dos mais fracos, tornando as suas produções nacionais mais caras do que "consumir" importações. Sem orçamento europeu que compense o fosso que se vai abrindo, impossibilitados (por ideologia económica) de colocar o Estado a intervir em defesa da economia nacional; com o seu banco central sem autonomia e a quem foi vedado o financiamento da acção do Estado, os países mais pobres vão se endividando, sem fim.

E a dívida é a trela que nos mantém presos aos diktats externos, por acaso dos governos dos países mais ricos a quem interessa tudo manter assim.

E não se escapa a essa trela reduzindo a dívida por meios orçamentais, como forma de evitar que o país seja o primeiro na mira dos mercados financeiros libertados da regulação do BCE. O "mecanismo" criador de dívida está em funcionamento, a cada instante, obrigando os países mais pobres a ter de apostar em sectores produtivos de baixo valor acrescentado, sem capacidade de expansão e apoiados em trabalho mal pago, que vão contribuindo para a divisão dos trabalhadores entre os mais bem pagos e os mais mal pagos, entre trabalhadores e trabalhadoras, entre os nacionais e os migrantes, enquanto se amplia a desigualdade social assente numa concentração da propriedade, com reflexos nas escolhas políticas que vão cavando as próprias bases da democracia. 

É isso que quer? Depois não se queixe...

Ajustar ou revoltar?

 

Os pobres não trabalham porque têm demasiados rendimentos; os ricos não trabalham porque não têm rendimentos suficientes. Expande-se e revitaliza-se a economia dando menos aos pobres e mais aos ricos.

John Kenneth Galbraith

De vez em quando, muito de vez em quando, o Público dá-nos a ver o capitalismo realmente existente, depois da institucionalização da desordem neoliberal, cujo princípio motivacional foi tão bem resumido pela pena irónica de Galbraith. 

A Oxfam recomenda algumas medidas modestas, colocando alguns freios fiscais ao poder deste capital tão grande. Fá-lo em Davos, um dos seus centros de articulação. Há-de ter muita sorte com este pedido e logo neste sítio.

Apostado em não “hostilizar”, a expressão é do Ministro da Economia, as Paulas Amorins e Azevedos desta vida, o Governo português nada fará. Ou, ainda pior, fará: os assalariados perderão poder de compra e haverá uma transferência para o o capital. E os mais pobres receberão um pagamento único de 60 euros e já têm muita sorte. 

Ajustar ou revoltar?

       

terça-feira, 24 de maio de 2022

Companhias

Na Almedina Estádio Cidade de Coimbra, onde amanhã, pelas 18h, ocorrerá a primeira apresentação, O Neoliberalismo não é um slogan está ao lado de Liberalismo e seus descontentes, de Francis Fukuyama. 

Dado que o Fukuyama do Fim da História tem um certo papel no meu livro e que sou um descontente com o neoliberalismo, termo que Fukuyama de resto agora usa, fico satisfeito com esta companhia.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

Meia dúzia


1.
Estima-se que os grandes capitalistas, de sectores que vão da alimentação à energia, estejam hoje 453 mil milhões de dólares mais ricos do que há dois anos. O fenómeno global tem declinações nacionais: por cá, as Paulas Amorins e os Soares dos Santos deste desgraçado capitalismo têm motivos para sorrir. É que nem um modesto imposto extraordinário à italiana os irá perturbar, quanto mais controlos de margens e de preços. 

2. O governo continua apostado em fingir que as taxas de juro dependem do cumprimento de regras orçamentais perpetuamente austeritárias, da infame credibilidade junto dos “mercados”. Toda a gente sabe que as taxas de juro dependem das decisões políticas do Banco Central Europeu. Tal fingimento serve um propósito: naturalizar a brutal redistribuição do trabalho para o capital em curso, à boleia da perda de poder compra que está a ser imposta aos trabalhadores do sector público. 

3. Os EUA parecem apostados em bloquear qualquer solução diplomática na Ucrânia, em nome de uma guerra sem fim que lhes permita exportar gás e armas sem fim para a Europa, ao mesmo tempo que reforçam a subordinação política da UE à NATO, ganhando balanço para o confronto com a China. E isto quando o enfrentamento das alterações climáticas, certamente a maior ameaça à segurança, depende da cooperação entre estes dois países.

4. Um insuspeito ex-chefe do Estado-Maior do exército garante-nos o seguinte: “Grande parte dos avultados apoios financeiros à Ucrânia são para pagar às indústrias de defesa, nomeadamente à americana, o armamento que lhes é fornecido. Sabemos, no entanto, os lucros astronómicos que aquelas indústrias conseguem e a vantagem que têm com o prolongamento das guerras.” 

5. Os governos alemão e francês, apesar de atrelados à NATO, ou seja, aos EUA, tentam salvar uma réstia de autonomia, dadas as consequências, incluindo económicas, do prolongamento da guerra. São logo admoestados pelos guerreiros de sofá nacionais, bem representados na Assembleia da República. “Não contribui para o isolamento da Rússia Macron e Olaf Scholz estarem a falar com Putin ao telefone”, garante o sempre intrépido Marcos Perestrello do PS, imaginando-se certamente em Washington. 

6. Marcelo até diz que Portugal é beneficiário líquido da situação. Confunde Portugal com alguns círculos de negócios. A miopia de classe da elite dominante é estonteante. Uma economia frágil e dependente, sem instrumentos de política decentes, será profundamente afetada, a começar na perversa subida da taxa de juro pelo BCE.


Rankings, aqui vamos nós outra vez

Saíram os resultados do ranking do Financial Times para a formação executiva em 2022. Nas próximas horas, vamos presenciar o desfilar do orgulho insuflado das insitituições nacionais que integram o ranking e a sua amplificação pela comunicação social, cada vez mais incapaz de ter uma linha editorial com o mínimo de espírito crítico. 

A primeira coisa que importa relembrar é que este ranking não avalia as instituições de ensino na sua globalidade. Ou seja, o ranking não está a avaliar a NOVA, a Católica, a FEP ou o ISEG, está apenas a avaliar a formação executiva ministrada nessas faculdades. A formação executiva é uma formação que não confere grau académico. Amiúde, é desenhada em parceria entre empresas e faculdade, sendo o ensino ministrado por um misto de académicos e atores relevantes dos setores. É, na verdade, um produto criado para o mercado. 

Depois, é preciso recordar que o mais importante de um ranking é sabermos os seus critérios. Sem isso, estamos completamente cegos quanto ao que está a ser verdadeiramente avaliado. 

E que critérios tem o Financial Times? Deixo-vos apenas com quatro deles, para aferirem da escassa utilidade do exercício. 

Alguns exemplos

"Preparação (9.1): nível de interação entre cliente e escola, até que ponto as ideias dos clientes foram integradas no programa e a eficácia da escola em incorporar suas pesquisas mais recentes ao ensino.

Value for money (8,8): avaliação dos clientes do design do programa, ensino e materiais para relação custo-benefício.

Crescimento (5,0): com base no crescimento geral das receitas de programas.

Acompanhamento (9.1): nível de acompanhamento oferecido após o retorno dos participantes aos seus locais de trabalho e oportunidades de networking com colegas participantes."

Traduzindo: parte essencial da avaliação depende de uma relação clientelar e mercantil entre o mundo empresarial e o meio académico (a integração das ideias dos "clientes" melhora a pontuação), a capacidade de gerar receita a partir dos programas é valorizada, bem como a capacidade dos alunos (desculpem, clientes) atribuírem uma boa relação custo-benefício e expandirem a sua network.

O ranking do Financial Times não avalia a qualidade académica. Avalia a capacidade das faculdades de negócios se transformarem no ideal-tipo da universidade neoliberal.

As formações executivas das faculdades estão transformadas em pouco mais do que programas com propinas milionárias, em que a busca de conhecimento substantivo não é o objetivo principal. O que todos desejam é frequentar o mesmo coffee-break que o diretor da empresa que os pode vir a contratar. Pelo preço cobrado, não é bem um programa académico: é uma tentativa de comprar um bilhete dourado para o topo através da partilha de uns croquetes e de umas miniaturas. 

A universidade a que aspiramos é outra. A que tem o conhecimento no seu centro, se coloca ao serviço da sociedade e rejeita ser mais um elo das cadeias de reprodução das desigualdades de poder que caracterizam as nossas sociedades. 

Essa universidade será construída contra o ranking do Financial Times, ao invés de a ele se submeter.


sexta-feira, 20 de maio de 2022

Do «retorno» do SNS para a economia

Foi recentemente divulgado mais um Índice de Saúde Sustentável, anualmente elaborado pela Abbvie e IMS-Nova, que atualiza a estimativa do «retorno para a economia» resultante da prestação de cuidados pelo Serviço Nacional de Saúde, designadamente através da redução do absentismo e do seu contributo para o aumento da produtividade (dado o acréscimo de dias trabalhados face ao que seria expectável).

Nestes termos, concluiu-se que em 2021/22 os cuidados de saúde prestados pelo SNS permitiram que o número médio de dias faltados por doença fosse aproximadamente de 7 em vez de 10 (o que se traduz num ganho a rondar os 1,1 mil M€), ao mesmo tempo que o número médio de dias perdidos, em termos de produtividade, fosse de 17 e não de 27 (o que se traduz num ganho a rondar os 3,9 mil M€). Aplicando a estes valores um índice de remuneração de trabalho, obtém-se um ganho global de 7,5 mil M€, acima do registado em 2020 (a rondar os 6,8 mil M€).


Contas feitas, importa assinalar o que estes ganhos (que são apenas uma parte, mais «material», dos benefícios decorrentes da prestação de cuidados de saúde) representam face ao investimento no SNS. Como mostra o gráfico aqui em cima, em 2021 «compensam» quase 60% da despesa total do SNS inscrita no orçamento do Ministério da Saúde, permitindo considerar que a mesma se reduz, em termos «líquidos», de cerca de 12,4 mil M€ para 4,9 mil M€. Trata-se, aliás, da diferença mais significativa registada nos últimos quatro anos.

Não têm por isso razão os que sugerem, de modo mais ou menos velado, que o investimento em serviços de provisão pública direta, neste caso em saúde, deve ser encarado como simples despesa, como sendo o que a economia produz e que o Estado gasta. Aliás, e percebendo a boa intenção associada ideia de «retorno para a economia» decorrente da prestação universal de cuidados pelo SNS, importa sublinhar que o próprio SNS é, também ele, economia (desde logo pelo emprego que gera, mas também pelos setores de atividade que mobiliza e serviços que presta).

quinta-feira, 19 de maio de 2022

O imperialismo não é um lapso


A decisão tomada por um só homem de lançar uma invasão totalmente injustificada e brutal do Iraque - quero dizer da Ucrânia.

quarta-feira, 18 de maio de 2022

O que pode correr mal?


Deixem ver se percebo o plano das elites euro-liberais, cada vez mais na sombra dos EUA e da sua aposta na exportação de armas e de gás: insistir na escalada sancionatória, com as respetivas pressões inflacionárias a serem combatidas, de forma ineficiente e injusta, por via da subida das taxas de juro pelo BCE, ou seja, por via da recessão e do desemprego. O que pode correr mal? 

Entretanto, por cá, espera-se que o medíocre e desigual modelo “Florida da Europa”, assente numa economia com cada vez menor pressão salarial, torne este país periférico num beneficiário líquido da periclitante circunstância internacional, isto a fazer fé no amoral entusiasmo do promotor de capitalismo de servir à mesa que também é Presidente da República. O que pode realmente correr mal?

terça-feira, 17 de maio de 2022

É proibido proibir?

Alguém me pode explicar a razão para andarmos a dar respeitabilidade às criptomoedas, através da proposta da sua taxação, ao invés de pura e simplesmente proibir tais “ativos” especulativos, literal e metaforicamente tóxicos, até tendo em conta a energia que consomem, como fez por exemplo a China? 


Não é um slogan

Estive a trocar umas ideias com Daniel Oliveira sobre o neoliberalismo, que não é mesmo um slogan. Podem ouvir a conversa no podcast Perguntar não ofende

E aproveito para deixar o convite para a primeira sessão de apresentação de um livro que estará esta semana nas livrarias. 

 

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Preços dos combustíveis: a guerra sem cartel dos liberais

Imagem: João Fazenda (Expresso)

Depois de dois meses em que os preços dos combustíveis subiram para máximos históricos, o anúncio da redução do ISP suscitou uma grande expectativa em relação à descida. O Governo garantiu uma redução de 15 cêntimos por litro no preço da gasolina e do gasóleo em resultado desta medida. A direita aplaudiu a medida e a Iniciativa Liberal (IL) chegou mesmo a decretar uma “vitória liberal”. Mas quando as pessoas se dirigiram às bombas para encher o depósito na segunda-feira seguinte descobriram que muitas gasolineiras tinham mantido os preços ou reduzido menos do que o anunciado.

A IL (quem mais?) saiu em defesa do mercado, dizendo que as margens de comercialização das gasolineiras não se têm afastado da média recente. Só que até as próprias empresas são mais honestas em relação à sua atuação. O presidente da Galp, Andy Brown, reconheceu recentemente que a empresa tem registado lucros extraordinários à boleia da crise. “O mercado da energia está num estado de perturbação que nunca vi. Mas sim, estamos a ganhar dinheiro e a guerra fez subir os preços”, explicou.

O resto do artigo pode ser lido no Setenta e Quatro.

 

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Ler mal ou demasiado bem

Jornal Expresso online, 8/12/2021

Em Dezembro de 2021, as autoridades russas alertaram para as "consequências perigosas" e que usariam todos os meios disponíveis para pôr fim a ameaças que consideravam estar a ser feitas com o aumento das actividades militares dos Estados Unidos e dos países da NATO nas fronteiras russas. Perigosas ou não, as movimentações militares não ajudaram a criar um ambiente de paz, propício a um entendimento pacífico entre a NATO e a Rússia. Os Estados Unidos poderiam ter esvaziado a situação, afirmando que a adesão da Ucrânia à NATO nunca seria aceite, que era do interesse da Humanidade que se mantivesse neutra e promovendo uma solução pacífica para a região coberta pelos acordos de Minsk. Mas isso não aconteceu. E sabemos hoje, quais foram "todos os meios disponíveis" - irrazoáveis, ilegais, humanamente condenáveis, que, no nevoeiro da guerra, fizeram emergir forças mortíferas incontroláveis - usados pela Rússia desde 24 de Fevereiro de 2022.

Mas das duas, uma: ou a invasão russa da Ucrânia não foi uma surpresa e então é de concluir que a invasão militar fazia parte dos planos da NATO; ou foi uma surpresa e então isso quer dizer que a NATO e o Ocidente não entendem as preocupações e as palavras do Kremlin, não percebem como lá se pensa e, por isso, não levaram a sério os alertas e protestos russos.

Nenhuma destas hipóteses abona muito a favor da razoabilidade das estruturas da NATO e do que presentemente se passa no Ocidente, com os alertas da Rússia de que está disponível para usar armas nucleares (dispositivos previstos no seu conceito militar) e, nomeadamente, com o pedido da adesão da Finlândia e da Suécia à NATO.

Veja-se a mensagem bélica que é passada pela comunicação social que cobre esses avisos.

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Coisa mista


Vós podeis chamar-me louco, 
Democrata, socialista, 
E comunista também, 
Que eu sou de tudo isso um pouco, 
Pois sou uma coisa mista 
Do bom que isso tudo tem. 

António Aleixo 

Na apresentação da revista Manifesto, em Loulé, no passado sábado, não pude deixar de citar o grande poeta, ainda para mais na companhia do seu neto, Vítor Aleixo, Presidente da Câmara Municipal de Loulé eleito pelo PS, um ecossocialista, como fez questão de defender. Não é por acaso que este município é considerado uma referência na área ambiental no país. “Uma coisa mista”, claro, incluindo ao nível da economia, como defendi. 

Foi uma sessão animada na biblioteca municipal, que muito beneficiou também da intervenção de Nuno Serra, Diretor de uma revista que procura ser “do bom que tudo isso tem”. Várias dezenas de pessoas trocaram ideias sobre os assuntos, da pandemia à guerra, passando pela comunicação cada vez menos social. É também para isto que serve uma revista de ideias.

terça-feira, 10 de maio de 2022

Dia 18 de maio: videoconferência Práxis sobre o impacto da negociação coletiva nos salários em Portugal

«Em que medida as convenções coletivas regulam hoje em dia as relações de trabalho e, acima de tudo, os salários? Será que o crescimento acelerado do salário mínimo nacional tem desatualizado grande parte das tabelas salariais? E os sindicatos, terão força suficiente para conquistar aumentos à altura da inflação galopante? O que vale a negociação coletiva nos nossos dias?»

Estas são algumas das pertinentes questões que a videoconferência da Práxis coloca em debate, partindo de um estudo recente sobre «o contributo do salário convencional no setor privado para a evolução do salário ao longo do ciclo de vida».

A sessão conta com a participação dos autores, David Card («Prémio Nobel da Economia» 2021) e Ana Rute Cardoso (investigadora do ICS), que o apresentam, seguindo-se os comentários de Sérgio Monte (Secretário Geral Adjunto da UGT), Manuel Freitas (Dirigente da FESETE/CGTP-IN) e Diogo Martins (Economista e doutorando na Universidade de Massachussets Amherst). A moderação e o encerramento estão a cargo de Reinhard Naumann (Direção da Práxis).

A videoconferência realiza-se no próximo dia 18 de maio, quarta-feira, a partir das 18h00, devendo a inscrição ser feita aqui. Está assegurada a tradução simultânea e o estudo pode ser descarregado aqui (aos inscritos na sessão será facultado um resumo do mesmo em português).

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Pressões políticas


Se subir as taxas de juro hoje, tal não fará descer os preços da energia. 
Christine Lagarde

O problema é que a pressão dos credores para que o BCE as suba não cessa de se intensificar, com reflexos já nos mercados de dívida, por via do alargamento do diferencial entre as taxas de juro dos países centrais e as dos países periféricos. Este alargamento é o resultado da redução da compra de dívida pelo Banco Central, acompanhada do anúncio do seu fim em Junho próximo. A promessa de não subir as taxas de juro em 2022, feita há alguns meses, foi, entretanto, renegada. Sabendo nós que o Banco Central controla, se assim o desejar, as taxas de juro em todas as maturidades nos mercados de dívida, a pressão ascendente é tão política quanto política tem recentemente sido a situação de financiamento barato do Estado português.

A subida das taxas de juro é, de resto, uma forma ineficiente e injusta para resolver os eventuais problemas inflacionários. A quebra do investimento e da procura, em geral, e o aumento do desemprego, em particular, são os mecanismos recessivos que daí resultariam, em especial nas periferias europeias endividadas. As respostas têm de ser sectoriais, como a pressão nos preços, mas estas respostas colocariam em causa a sabedoria económica convencional. Por exemplo, se queremos ter energia mais barata, então controlemos publicamente este sistema de provisão, insistamos no controlo de preços, na senda das tarifas eléctricas reguladas, e invistamos maciçamente nas energias renováveis. E, claro, façamos tudo para que a guerra seja superada por uma solução política negociada, que evite também a escalada sancionatória em curso. 

Mais um excerto do artigo que o Paulo Coimbra e eu escrevemos para o Le Monde diplomatique - edição portuguesa

domingo, 8 de maio de 2022

Um jornal do trabalho


O novo ministro das Finanças, Fernando Medina, não podia ter sido mais ofuscador sobre a linha que preside ao Orçamento do Estado (OE): «Ter contas certas é uma política de esquerda». O novo ministro da Economia, António Costa Silva, não podia ter sido mais hesitante em relação a uma proposta fiscal, modesta e defendida por várias organizações internacionais insuspeitas, mas ainda assim destinada a ficar na gaveta governamental: «Não podemos hostilizar as empresas, mas vamos falar com elas e provavelmente vamos considerar um windfall tax [imposto extraordinário] para os lucros aleatórios e inesperados que elas estão a ter». Por sua vez, o primeiro-ministro António Costa foi claro sobre as consequências socioeconómicas de uma maioria absoluta: «Todos os que viveram nos anos 70 e 80 se recordam [das consequências] de responder unicamente com aumento dos rendimentos ao aumento dos preços. Se os preços estão a aumentar porque os custos de produção estão a subir na área da energia, então, por essa via, iríamos só aumentar mais os custos de produção». 

António Costa invocou o espectro que o neoliberalismo esconjurou institucionalmente há muito, isto é, o poder compensatório dos sindicatos, capazes de lutar pelo aumento do poder de compra dos salários, num contexto de luta de classes subjacente ao processo inflacionário. Reduziu então os salários a um custo a conter, em nome de uma explicação genericamente correta, mas incompleta e politicamente enganadora, para a inflação: esta seria um fenómeno real, distributivo e, por isso, eminentemente político. Nas actuais circunstâncias históricas, a inflação moderada é sobretudo empurrada pelos custos, em primeiríssimo lugar da energia. A aceleração da inflação – de 0,9%, em 2021, para 4%, em 2022 – será, a fazer fé no governo, um choque temporário e destinado a desvanecer-se por mecanismos económicos e geopolíticos incertos. Para esse desvanecimento, insiste o primeiro-ministro, seria necessário manter uma economia com muito baixa pressão salarial. Há sempre novas razões para este padrão estrutural, em que os salários são a variável de ajustamento. 

O ministro da Economia reconheceu que há grandes empresas, da fileira energética à distribuição, a beneficiar de lucros extraordinários, mas ficou-se literalmente pela conversa, revelando o receio governamental de «hostilizar» quem não hesita em transformar poder de mercado em músculo político organizado. Se nem se quer instituir, na área da fiscalidade, uma medida tímida e reconhecidamente conforme aos mercados, então o que dizer de medidas robustas e necessárias de controlo dos preços e das margens destas empresas, que excedam os (sempre úteis) preços tabelados no mercado regulado de eletricidade? 

O centro da política económica do governo reside num OE que promete reduzir o défice de 2,8%, em 2021, para 1,9% do produto interno bruto (PIB), em 2022. O ano de 2020, com um défice de 5,7% do PIB, teria sido absolutamente excepcional, tal como a pandemia, produto de uma queda abrupta do PIB de 8,4% induzida por uma quebra da despesa privada. É importante relembrar que, de Janeiro de 2020 a Junho de 2021, entre receitas públicas renunciadas e despesa pública adicional, o impulso orçamental português de 5,6% do PIB representou um terço do registado nas economias avançadas em que nos integramos. E isto no momento em que uma política orçamental vincadamente expansionista teria sido necessária para uma recuperação mais rápida dos efeitos da crise. 

Pode ser classificada como de esquerda uma política com um registo comparativo tão medíocre? Será de esquerda uma política que permite um dos maiores aumentos anuais da taxa de risco de pobreza de que há memória, dado que, entre 2019 e 2020, esta passou de 16,2% para 18,4%? E que dizer de uma política que adiou investimentos públicos essenciais ou que só os faz tardiamente e apenas à boleia de vitaminas europeias insuficientes, e que vêm com condicionalidade política reforçada, tal como prometido no OE de 2022? E que dizer de uma política económica que, perante as incertezas redobradas do presente, planeia dedicar somente 0,6% do PIB ao que no OE para 2022 se designa por «medidas de mitigação do choque geopolítico», incluindo 55 milhões de euros para financiar uma prestação única de 60 euros para famílias carenciadas, pretendendo protegê-las assim dos aumentos dos preços? Trata-se de um valor tão residual que, em percentagem do PIB, o relatório do OE indica um valor de 0,0% (nas finanças não trabalham com centésimas de PIB). Haveria mais questões mais ou menos retóricas, mas, felizmente, o pior da pandemia já terá passado e o modelo de Portugal como «Flórida da Europa», centrado nos fluxos turísticos, garante uma recuperação económica de 4,9% do PIB e uma redução das despesas relacionadas com a pandemia de 2,3% do PIB, em 2021, para 0,8%, em 2022. Esta recuperação permitirá superar os efeitos da crise pandémica este ano, se tudo correr como o previsto num mundo imprevisível. E permitirá manter a trajectória de redução do défice orçamental e da dívida pública em percentagem do PIB de 2021, em conformidade com regras ordoliberais europeias que nunca foram suspensas na cabeça dos responsáveis governamentais nacionais. Tudo isto aparentemente sem austeridade, ainda para mais com a boleia adicional de uma inflação que faz subir a receita fiscal, como a do imposto sobre o valor acrescentado (IVA), e que faz reduzir o valor real da dívida.

O resto do artigo, Do trabalho para o capital: as verdadeiras contas certas, escrito pelo Paulo Coimbra e por mim, pode ser lido no Le Monde diplomatique - edição portuguesa de Maio. Na parte central do artigo aprofundamos as dinâmicas subjacentes ao seguinte padrão regressivo, impulsionado pelo Governo: 

Em termos de rendimentos, o que prevê agora o OE para 2022? Prevê que os salários reais recuem 0,8% e que a produtividade cresça 3,5%. Assim sendo, o que podemos concluir? Podemos concluir que, comparativamente com 2021, o poder aquisitivo dos salários vai recuar 0,8% e que, tudo o resto igual, caindo 4,3% o peso das remunerações no PIB, se operará a maior transferência de rendimento do trabalho para o capital a que já assistimos em Portugal no século XXI. 

sábado, 7 de maio de 2022

O Alojamento Local e a ilusão de um queijo suiço

Num interessante exercício cartográfico, Manuel Banza representou, à escala do quarteirão, a pressão turística associada à concentração de unidades de Alojamento Local (AL) na cidade de Lisboa, confirmando a sua particular incidência no centro histórico, onde se atingem os mais elevados rácios de unidades de AL por fogos residenciais, contribuindo significativamente para a sangria de população residente e perdas de alojamentos e famílias, que os Censos de 2021 já vieram confirmar (ver aqui e aqui).


A análise, que recorre à georreferenciação de dados, permite igualmente detetar, ao inscrever no mapa as unidades de Alojamento Local, as áreas de maior e menor densidade deste tipo de oferta turística - sim, uma oferta que é turística e não residencial - fazendo sobressair os quarteirões mais e menos ocupados, destacando-se novamente a área do centro histórico, como sucede, por exemplo, em quarteirões da Baixa Pombalina e da zona do Castelo.


Dada a análise fina que esta abordagem permite, compreende-se que Manuel Banza proponha que a suspensão de novas licenças de AL seja aplicada à escala do quarteirão e não da freguesia. De facto, há freguesias abrangidas pela suspensão (quando o número de unidades de AL excede os 2,5% do total de fogos) que têm quarteirões abaixo desse valor, tal como há freguesias que não atingem os 2,5% mas que têm quarteirões com valor superior.

Importa contudo não esquecer que os impactos da oferta de Alojamento Local têm uma lógica de contexto, de mancha, que torna irrelevante a existência de «zonas ocas» (abaixo de 2,5%) em freguesias onde existe um claro excesso de AL. Ou seja, se faz sentido aplicar a restrição a quarteirões contíguos a uma freguesia com elevada incidência (mesmo que a freguesia a que esses quarteirões pertencem esteja abaixo da média), já o levantameto da restrição em quarteirões de freguesias acima da média tem um efeito contraproducente face ao objetivo de limitar o Alojamento Local. Na prática, seria o mesmo que encher os buracos de um queijo suiço apenas para dar a ilusão de que se está a comer um pedaço menor.

sexta-feira, 6 de maio de 2022

Uma jangada ibérica para a transição energética


Perante as consequências dramáticas da guerra na Ucrânia para o sector energético, e de modo a evitar que a escalada de preço do gás natural contagie o preço da eletricidade, os governos ibéricos lançaram uma discussão no Conselho Europeu que viria a redundar num estatuto de exceção para a Península Ibérica. 

A designada “exceção ibérica” permitirá aos governos de Portugal e Espanha implementar um mecanismo extraordinário e temporário (cuja entrada em vigor foi anunciada para o mês de maio) para controlar a subida de preço da eletricidade, estabelecendo um teto máximo para o custo do gás natural utilizado na sua produção. Infelizmente, foi necessária uma guerra para que Portugal se aliasse a Espanha e ousasse reclamar algum controlo sobre este sector estratégico, ainda que para isso tenha de pedir autorização a uma Comissão Europeia sempre zelosa das regras da concorrência.

O resto do artigo pode ser lido no setenta e quatro

quinta-feira, 5 de maio de 2022

Eles estão por todo o lado


Prolongando os argumentos de alguns intelectuais que se dizem de esquerda, apostados, por exemplo, em “democratizar” a NATO, uma contradição nos termos tão ou mais absurda do que a da democratização da UE, Lula não passaria de um “putinista”, à imagem e semelhança dos comunistas portugueses: 

“Ele [Zelensky] quis a guerra. Se ele [não] quisesse a guerra, ele teria negociado um pouco mais. É assim. Eu fiz uma crítica ao Putin quando estava na Cidade do México, dizendo que foi errado invadir. Mas eu acho que ninguém está procurando contribuir para ter paz. As pessoas estão estimulando o ódio contra o Putin. Isso não vai resolver. É preciso estimular um acordo.”

E o próprio Papa Francisco parece vagamente suspeito na sua contextualização em torno da expansão da imperial NATO. 

Em ambos os casos, aposto que é da influência maligna da teologia da libertação. 


Dêem uma farda a Von der Leyen

 

Foi há dias e mais ou menos na mesma altura. 

Primeiro. A presidente da Comissão Europeia dirigiu-se ao parlamento europeu para apresentar mais um pacote de sanções à Russia, incluindo mais limites à informação, depois da suspensão dos canais Russia Today (RT) e Sputnik (procurar "sanções contra os autores da desinformação"): 

Terceiro, estamos banindo três grandes emissoras estatais russas de nossas ondas de rádio. Eles não poderão mais distribuir seu conteúdo na UE, seja qual for o formato, seja por cabo, satélite, internet ou aplicativos para smartphones. Identificamos esses canais de TV como porta-vozes que amplificam agressivamente as mentiras e a propaganda de Putin. Não devemos mais dar-lhes um palco para espalhar essas mentiras.

Este tipo de sanções não representam apenas o fecho às emissões destes canais. De acordo com a informação prestada pela Comissão Europeia sobre os casos RT e Sputnik, limita-se o próprio exercício da liberdade de informaçao (procurar E.Others filelds - Media): 

(...) Ao mesmo tempo, a liberdade de expressão pode ser restringida de forma proporcional por interesses públicos legítimos. A liberdade de expressão não pode ser invocada por outros meios de comunicação para contornar o regulamento. A não evasão aplica-se igualmente aos jornalistas. Assim, se outro meio de comunicação ou jornalista pretender informar os seus leitores/espectadores, mas na realidade a sua conduta visar transmitir ao público o conteúdo do Russia Today ou Sputnik ou tem esse efeito, estará a violar a proibição estabelecida no Regulamento. 
Q6. A proibição inclui responsabilidades para os operadores para garantir que a proibição seja aplicada. “Operadores” não é um termo definido; como esse termo deve ser entendido? 
O regulamento estabelece uma proibição ampla e abrangente. O Regulamento proíbe tanto a radiodifusão (lato sensu) como o facto de os operadores “permitirem, facilitarem ou de qualquer outra forma contribuirem para a radiodifusão”. Assim, a proibição aplica-se a qualquer pessoa física ou jurídica que exerça uma atividade comercial ou profissional que transmita ou permita, facilite ou contribua de outra forma para difundir o conteúdo em questão. Além disso, por força da cláusula geral e ampla de não evasão do artigo 12.º do Regulamento n.º 833/2014, é proibida a participação, consciente e intencionalmente, em atividades que tenham por objeto ou efeito contornar a proibição em causa, incluindo agindo em substituição de uma pessoa singular ou colectiva, entidade ou organismo sujeito à proibição prevista no artigo 2.º-F do regulamento. Os operadores não podem proteger-se das obrigações decorrentes do Regulamento n.º 833/2014 invocando outras disposições do direito derivado da UE, como o artigo 15.º da Diretiva de comércio eletrónico.

Trata-se, portanto, de censura. 

Censura para evitar que informação - segundo a Comissão Europeia, mentirosa e propagandística - chegue aos cidadãos europeus desinformados. Mas ao mesmo tempo, a Comissão lança-se num trabalho bélico de propaganda contra a Rússia. E pior: nada impede a que a mentira e a propaganda possam ser exercidas sobre os cidadãos europeus, pelos canais dos "amigos" da Ucrânia, alinhando com o esforço de guerra, de forma a manter os europeus unidos na guerra ainda não declarada à Rússia. 

Segundo. Mais ou menos na mesma altura que Ursula Von der Leyen se dirigia aos eurodeputados, tornou-se conhecido que as múltiplas "notícias" veiculadas desde os primeiros dias da guerra na Ucrânia referindo a existência de um piloto ucraniano que derrubara dezenas de aviões russos, tratando-o como herói ou mito, eram na verdade... uma mentira de relações públicas... para levantar o moral

quarta-feira, 4 de maio de 2022

Serge Halimi em Lisboa

A crise internacional resultante da guerra na Ucrânia acrescenta-se às várias crises que já assolavam o mundo (sanitária, económica, ambiental, etc.) e acentua a responsabilidade dos meios de comunicação social na disponibilização de informação e de análises fiáveis, aprofundadas, verificáveis, contextualizadas. Como mostram as recentes eleições francesas, as esquerdas europeias que se opõem ao neoliberalismo e à extrema-direita estão há vários anos em perda. Que desafios se colocam à sua influência social e política? Como recolocar a esperança? 

Poderão assistir à sessão pelo Youtube

 

Da verdadeira liberdade


«O "meu" Abril não é apenas a instituição de uma democracia política e formal. O meu Abril implicava haver também uma democracia económica. Não no sentido de haver liberdade de empreendedorismo, mas no de assegurar o bem-estar para toda a gente.
Só quando estão asseguradas as liberdades básicas - o pão, a habitação... - é que as pessoas podem ter liberdade de pensar, de escolher, de se instruírem. Se o básico não estiver assegurado, estarão concentradas na sua sobrevivência e são facilmente manipuladas. Falta assegurar o básico a todos e a cada um.
»

Adolfo Luxúria Canibal (Blitz)

terça-feira, 3 de maio de 2022

O liberalismo "funciona".. e dá dinheiro às gasolineiras

Site Correio da Manhã, 2/5/2022

Até parece o lado negro das ideias da Iniciativa Liberal. 

Para fazer baixar os preços dos combustíveis, parecia suficiente baixar a "carga fiscal" que incidisse sobre esses produtos que, imediatamente, por artes fluidas da economia de mercado, os preços se ajustariam, o consumo aumentaria e todos lucraríamos, felizes. Só que alguém se apropriou da felicidade colectiva. 

Afinal, há interesses que conflituam entre si e o mercado, afinal, não é uma entidade etérea, onde os agentes económicos competem entre si através da baixa de preços, mas sim uma organização dominada por um número muito limitado de grandes operadores, sob suspeita permanente - às vezes provada - de cartelização de preços.  E - como era de esperar - a baixa dos impostos foi apropriada por quem reina no mercado e por quem determina o preço e a quantidade a vender. 

A receita fiscal - que poderia ser usada pelo Estado em proveito dos cidadãos, na educação, saúde, etc. - passou a ser um "subsídio" aos donos das empresas gasolineiras, pago directamente pelos consumidores.  

Mas por que razão não era isto evidente para o Governo? Lembram-se da criação do "IVA da restauração" (criação da taxa intermédia de IVA em 1996, em vez da taxa normal) que, como foi alegado, era suposto baixar os preços praticados e que apenas fez aumentar a margem dos restaurantes? 

Há coisa de um ano, em meados de Julho de 2021, o Governo deu sinais de querer intervir no mercado.

Porno-riquismo energético


A última edição da Visão, revista pródiga na glamourização do chamado porno-riquismo, inclui um artigo intitulado “Paraíso em risco: costa alentejana varrida por turismo e construção”.

Nem de propósito, há poucos dias soube-se que a Energia Unida, uma empresa centrada na dinamização de comunidades de energia renovável (CERs), e a Vanguard Properties, um promotor imobiliário que atua no segmento de luxo, estabeleceram uma parceria para criar a “maior comunidade energética da Europa na Comporta”. Esta CER insere-se no projeto imobiliário “Terras da Comporta”, um empreendimento de luxo de 11 milhões de euros.

Na legislação portuguesa, uma CER consiste numa pessoa coletiva, cujos membros, sócios ou acionistas “podem ser pessoas singulares ou coletivas, de natureza pública ou privada, incluindo, nomeadamente, pequenas e médias empresas ou autarquias locais” e tem a faculdade de “produzir, consumir, armazenar, comprar e vender energia renovável com os seus membros ou com terceiros”. Note-se que a CER deve ter por “objetivo principal propiciar aos membros ou às localidades onde opera a comunidade benefícios ambientais, económicos e sociais em vez de lucros financeiros”.

De acordo com o Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030, as CERs, ao disseminarem a produção descentralizada de energia, potenciariam a “participação ativa” dos cidadãos na transição energética, contribuindo para a mitigação da pobreza energética.

Contudo, as CERs, virtualmente inexistentes em Portugal, e desconhecidas da maioria dos cidadãos, são já um nicho apetecível para as comercializadoras de energia elétrica, que começam assim a oferecer soluções “chave na mão“ aos consumidores, desvirtuando a missão das prórpias CER - a democratização da energia - e ditando a sua mercadorização.

Eis, pois, o primeiro exemplo do cruzamento perverso entre porno-riquismo e transição energética. Certamente, muitos outros virão. Tudo em nome do combate às alterações climáticas, claro, produzidas por sociedades capitalistas crescentemente desiguais, não o esqueçamos.

Revista Manifesto nº 6 - Apresentação em Loulé


O nº 6 da Revista Manifesto será apresentado no próximo sábado, dia 7 de maio, a partir das 16h00, na Biblioteca Municipal de Loulé. Intervém na sessão João Rodrigues, Nuno Serra e Vítor Aleixo, seguindo-se um período de debate.

Esta edição da revista, disponível em várias papelarias e livrarias do país, pode ser adquirida aqui. O editorial deste número e a lista de artigos estão também acessíveis, gratuitamente, na página da Fórum Manifesto.

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Razões neste tempo


Apelidar de putinistas aqueles que acham que a NATO não é uma pomba da paz e que alertam para os perigos de envolver a Europa numa guerra contra a Rússia que pode ter consequências devastadoras é de uma insensatez quase suicida. Achar que a guerra não é solução não é apoiar nenhum invasor. Achar que os dirigentes europeus, em vez de alimentar a ilusão de uma vitória militar impossível, com custos humanos inimagináveis, e de se envolver (nos envolver) numa guerra com consequências económicas e sociais imprevisíveis, se deveriam empenhar em encontrar uma solução que permita conciliar as pretensões de segurança de russos e ucranianos, não é apoiar nenhum invasor. Em 1924, milhões de mortos depois de ter sido assassinado por defender a paz, Jean Jaurès foi homenageado em França e trasladado para o Panteão Nacional. Teve razão antes de tempo.

Repesco um excelente artigo de António Filipe da semana passada: A segunda morte de Jean Jaurès.

E aproveito para deixar por aqui uma conversa, em que participei, no Podcast do AbrilAbril, também da semana passada, com Teresa Cravo, André Saramago e Nuno Ramos de Almeida.
 

domingo, 1 de maio de 2022

Desinformação

O peso da retribuição do trabalho no PIB é um rácio em que o numerador é igual às compensações por trabalhador e o denominador igual ao PIB por trabalhador. 

Segundo a Ameco, a base de dados estatística disponibilizada pela União Europeia, a variável adjusted wage share, percentage of GDP at current market prices (ALCD0) ou, em português, peso ajustado dos salários em percentagem do PIB a preços correntes de mercado, é o resultado do quociente que se obtém dividindo Compensações Nominais por Trabalhador (o que inclui salários, ordenados e contribuições da entidade patronal para a segurança social) por PIB Nominal por Trabalhador. Ou seja, é a variável que mede aquele peso da retribuição do trabalho no PIB. 

Com base em dados da Ameco e, para 2022, em informação do Orçamento de Estado e cálculos próprios, projeta-se abaixo a evolução desta variável para Portugal, para a Alemanha e para a zona euro.


A este respeito, hoje, dia 1 de Maio, dia dos trabalhadores, que informação divulga a conta Twitter do primeiro-ministro António Costa? 


Usando os critérios europeus acima mencionados, eu e o João Rodrigues escrevemos o seguinte num artigo - Do trabalho para o capital: as verdadeiras contas certas -  do Le Monde diplomatique - edição portuguesa de Maio (já está no prelo): 

Em termos de rendimentos, o que prevê agora o OE para 2022? Prevê que os salários reais recuem 0,8% e que a produtividade cresça 3,5%. Assim sendo, o que podemos concluir? Podemos concluir que, comparativamente com 2021, o poder aquisitivo dos salários vai recuar 0,8% e que, tudo o resto igual, caindo 4,3% o peso das remunerações no PIB, se operará a maior transferência de rendimento do trabalho para o capital a que já assistimos em Portugal no século XXI.