Rui Tavares, um dos nossos melhores intelectuais públicos, escreveu recentemente uma crónica intitulada “a grande valorização”. Nela fala de duas opções que “nos propõem” – a desvalorização interna e a desvalorização cambial –, opondo-lhes uma “grande valorização”, assente no que parecem ser propostas de economia do lado da oferta, tal como investimento em “capital humano” e “atracção de capitais”. No actual contexto, com os instrumentos de política disponíveis, esta abordagem tende a conduzir à redução do IRC ou ao aprofundamento da submissão do ensino e formação ao que se julga ser a necessidade do capital realmente existente, relação social fundamental na economia, e que de humano tem cada vez menos. Este enfoque pode ter várias justificações, mas em nada, friso o em nada, contribui para resolver os problemas de cada vez maior capacidade produtiva por utilizar, de procura em queda, os problemas do desemprego de massas.
De resto, não estamos perante duas “propostas”: a desvalorização interna está inscrita no euro e está em curso há vários anos, mesmo antes de a troika ter aterrado na Portela, tendo sido imposta a partir de Bruxelas e destruído já bem mais de 500 mil postos de trabalho, provocado uma quebra acentuada nos salários, levando a taxa de desemprego para o dobro do máximo histórico antes do euro, feito o investimento quebrar mais de 30% (em cima dos 20% de quebra nos anos do euro antes da sua crise), levando a privatizações sem fim e à destruição, a prazo, do Estado social.
A “grande valorização” não é alternativa porque não pode ser mais do que um complemento à austeridade. E os instrumentos para superar a austeridade não serão criados à escala europeia, como Rui Tavares saberá melhor do que ninguém, mesmo depois das eleições alemãs, até porque o SPD, retórica à parte, partilha o essencial da agenda de Merkel, ou não tivesse sido o seu líder o mentor do reforço institucional da ortodoxia orçamental.
Resta-nos a recuperação da soberania monetária para termos capacidade para financiar a expansão orçamental necessária, com controlos de capitais e substituição de importações. Esta não é um “regresso ao passado”, porque este termo pressupõe uma visão da história, presente na crónica, em que a integração, por via dos mercados globalizados e do euro, constituiu de alguma forma um progresso. Creio que temos cada vez mais ampla evidência para dizer que foi antes uma grande regressão.
Quanto ao ponto de que a proposta de saída do euro, que é bem do que a proposta de recuperar a política cambial, impede a convergência política à esquerda, tal depende das configurações dessa convergência. Há convergências fundamentais em que estamos envolvidos que podem e devem ser feitas a montante da proposta de saída, nas propostas de denúncia do memorando e da defesa da grande reestruturação da dívida, sem contudo recusar categoricamente o cenário de saída, como fez de resto o Congresso Democrático das Alternativas. Quem pode com seriedade querer denunciar o memorando e não estar preparado, no mínimo, para poder ter de sair do euro? É claro que esta questão pode ser evitada, através da recusa em denunciar o memorando, apelando, como faz Seguro, a uma cada vez mais vaga renegociação, dependente da vontade dos credores. Este é, estou seguro, o caminho para a continuação da grande derrota em curso.
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7 comentários:
"Resta-nos a recuperação da soberania monetária ..."
Esta opção não é, no essencial, uma opção de aposta na desvalorização cambial?
E uma estratégia de desvalorização cambial não é, no essencial, uma aposta num modelo de baixos salários (reais) como forma de ganhar competitividade externa? Ou seja, num cenário de desvalorização cambial, com os factores de produção importados, como a energia, a sofrerem valorizações consideráveis qual a componente dos custos que se reduz se não os salários?
os problemas de cada vez maior capacidade produtiva por utilizar
Se ela está por utilizar isso é, possivelmente, porque ninguém precisa dessa produção.
Por exemplo, na construção civil há muita capacidade produtiva por utilizar, mas ainda bem que assim é, porque o país já tem casas a mais.
Idem na produção de automóveis, é verdade que há capacidade produtiva por utilizar (na Europa), mas isso deve-se a que cada vez se vendem menos automóveis (na Europa).
Ou seja, o facto de haver capacidade produtiva por utilizar pode não ser um problema, pode simplesmente significar que a sociedade já não necessita dos bens que essa capacidade produtiva permitiria produzir.
O comentário do Luis Lavoura representa todo o discurso errado que tem impregnado o economês actual.
Meu caro Luis, é a procura dummy.
Sem a procura não há produção. Não é um problema de oferta, é de procura. Seja nos automóveis, casas ou até outros bens. Essa conversa da sociedade não necessitar era recorrente no século 19 e foi assim até a questão do "respeitinho" pela oferta ter criado a recessão dos anos 30 do século passado.
Não precisamos de Economês Neanderthal. Para isso já temos as imbecilidades ECBs, troikas e afins
Luís Lavoura:
Também pode querer dizer que o custo do trabalho, não justifica o investimento para aumentar a capacidade produtiva através de tecnologia.
Joao Rodrigues e restantes Ladroes de Bicicletas,
se preconizam uma saida do Euro, convem discutir com grande detalhe como isso sera feito. Por favor, ver recente analise do Francisco Louca no Esquerda.net.
Tenho acompanhado esta discussao e concordo com o analise do F. Louca: a saida do Euro so em ultimo caso. Se ainda assim nao existir outra hipotese: temos que ter preparado esse processo. Para alem do Jorge Bateira, onde podemos encontrar mais informacao de como isso se processaria, qual a finalidade e consequencias?
Obrigado,
D.
"Resta-nos a recuperação da soberania monetária para termos capacidade para financiar a expansão orçamental necessária, com controlos de capitais e substituição de importações."
e tudo isto sem consequências de maior, presumo... é como beber um copo de água!
ao anónimo das 9h45 há mais noutras bandas
http://resistir.info/portugal/o_teixeira_08nov12.html
http://resistir.info/europa/permanencia_euro.html
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