segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O neoliberalismo por detrás da máscara


Quando apodamos de "neoliberais" políticas como as deste governo, volta e meia lá surge quem invoque a etimologia da coisa para argumentar que medidas como o aumento da carga fiscal ou as sui generis nacionalizações da banca em que o Estado rói o osso e deixa a carne têm pouco ou nada de liberais e muito de intervencionistas, pelo que o epíteto "neoliberal" seria automaticamente descabido. Entendamo-nos de uma vez, portanto: independentemente da etimologia, o laissez-faire económico é, quando muito, uma característica apenas secundária e amiúde dispensável do neoliberalismo. O que é absolutamente central é a predação do capital sobre o trabalho e a natureza, a expansão do privado à custa do comum, a prioridade ao lucro relativamente às necessidades humanas. O Estado e as suas possibilidades coercivas constituem, não um alvo a abater, mas um instrumento indispensável a mobilizar. Com extraordinário sucesso nas últimas décadas, acrescente-se.

Naturalmente, a resistência, o desespero e a indignação resultantes da engenharia social neoliberal são em si mesmos geradores de tensões anti-sistémicas, pelo que outra característica essencial do neoliberalismo, aliás já sugerida no parágrafo anterior, é a intensificação do biopoder: vigilância, encarceramento, subjugação e controlo são, não por coincidência, características das nossas sociedades que têm progredido a par e passo com a intensificação da desigualdade, da exploração e  da predação dos recursos naturais. A figura em cima (retirada daqui) representa, lado a lado e para as últimas décadas, a evolução da percentagem do rendimento auferido pelo decil mais rico da população norte-americana e a da população "correccional" dos EUA (presos detidos e em liberdade condicional). Correlação não é causalidade, mas neste caso não é difícil identificar os nexos causais.

É certo que o caso norte-americano tem bastante de excepcional, incluindo uma "guerra contra a droga" concebida na década de 1970 para deflectir o potencial anti-sistémico do movimento dos direitos civis ou o facto de se tratar do país com a maior população "correccional", em termos tanto relativos como absolutos, em todo o mundo. Porém, o padrão é universal. Quando no espaço de poucas semanas ficamos a saber que o peso dos salários na economia portuguesa está a aproximar-se de mínimos históricos, que a população prisional do nosso país tem vindo a bater recordes e que as dívidas à Segurança Social superiores a 3.500€ passaram a ser puníveis com prisão até três anos, torna-se mais fácil ligar os pontos e vislumbrar, por detrás da máscara, a verdadeira face do neoliberalismo tardio - também na sua versão portuguesa.

2 comentários:

HC disse...

A "mão direita do estado" sempre activa na "docilização dos corpos". Bourdieu e Foucault 'juntos' para nos ajudarem a compreender o zeitgeist.

Anónimo disse...

Entendamo-nos de uma vez, portanto: independentemente da etimologia, o laissez-faire económico é, quando muito, uma característica apenas secundária e amiúde dispensável do neoliberalismo.

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Explique melhor esta tese estapafúrdia, s.f.f. Ou acha que a asserção agressiva de uma tese o dispensa de a justificar com argumentos????

Será q V Exa tem a noção de quão absurdo é este seu argumento????