Vital Moreira continua a preferir os epítetos e os anátemas à discussão racional sobre argumentos específicos. Deixo aqui perguntas concretas ao dinamizador do Causa Nossa:
(i) Num quadro de mercado interno de bens, serviços e capitais, considera ou não razoável a existência de níveis mínimos de fiscalidade sobre os lucros que previnam a erosão da capacidade de financiamento dos Estados e o crescente peso dos impostos indirectos (não progressivos) face aos impostos directos (tipicamente mais justos)?
(ii) No contexto da integração monetária considera ou não necessária uma política orçamental ao nível da UE, que permita fazer face a desempenhos económicos assimétricos de curto-prazo entre as economias dos Estados Membros (como existe em contextos federais, como os EUA e a Alemanha)?
(iii) Parece-lhe ou não que a conjugação de uma política monetária única, de fortes restrições às políticas orçamentais nacionais e da ausência de um instrumento de gestão orçamental de curto-prazo a nível da UE tem sido um factor condicionante fundamental na gestão dos bens e serviços públicos, conduzindo a decisões frequentemente ditadas mais pela necessidade de angariar receitas orçamentais no imediato do que por critérios de eficiência e equidade?
(iv) Considera ou não que a arquitectura institucional da UE - com uma Comissão e um Conselho não eleitos e um parlamento sem iniciativa legislativa - carece de mecanismos fundamentais para o equilíbrio democrático, tendo em conta os poderes que a UE foi acumulando, principalmente desde o Tratado de Maastricht?
(v) Parece-lhe ou não que a distribuição de domínios em que as decisões do Conselho são tomadas por maioria ou por unanimidade favorecem a tomada de decisões que vão no sentido de uma maior liberalização e dificultam a aprovação de aspectos como critérios sociais, laborais e ambientais mínimos à escala europeia?
(vi) Já agora, entre os «enormes avanços sociais do Tratado de Amesterdão e do próprio Tratado de Lisboa» consegue dar-me um exemplo de uma decisão que não exija a unanimidade dos votos do Conselho (tornando-o em algo mais do que uma declaração de intenções)?
(vii) Finalmente, considera ou não que o facto de qualquer alteração ao Tratado da UE ter de ser aprovada pela unanimidade dos países efectivamente blinda a trajectória liberal que tem caracterizado a UE (como parece reconhecer, embora a atribua à maioria nas instituições) ?
Sem responder a estas questões, frases como «a tese da natureza intrinsecamente (neo)liberal da UE é uma conveniente invenção da esquerda radical para justificar a sua visceral hostilidade à integração europeia», que insiste Vital Moreira em reproduzir, continuarão a soar como uma simples incapacidade para dar resposta às questões que qualquer europeísta de esquerda gostaria de ver respondidas.
E engana-se quando acusa esta 'esquerda radical' de criticar a UE «em nome de uma imaginária "integração alternativa", cuja natureza aliás não definem». Não é difícil enumerar, a título exemplificativo, alguns elementos básicos de um programa europeísta de esquerda para a UE:
- incluir nos objectivos do BCE o crescimento económico (tal como acontece no caso do Banco Federal Americano) e o pleno-emprego, corrigindo assim a obsessão exclusiva com a estabilidade de preços;
- promover a criação de instrumentos de política orçamental à escala europeia com fins de estabilização conjuntural (para além de um combate efectivo às assimetrias regionais);
- eliminar a concorrência fiscal através de um esforço de harmonização da fiscalidade sobre as empresas e sobre os ganhos de capital, impedindo que a livre circulação de capitais na UE continue a corroer a base fiscal dos países e da União;
- adoptar uma taxa Tobin Europeia para amenizar os movimentos de capitais especulativos.
Vital Moreira não precisa de gastar tempo a explicar que estas medidas são inviáveis no quadro actual da UE. Não temos dito outra coisa. Mas a sua inviabilidade não é técnica ou teórica. Ela deriva de um arranjo institucional que deixa poucas alternativas, mesmo que houvesse para tal maiorias claras entre os cidadãos europeus. É assim mesmo, o neoliberalismo está mesmo no sangue daquilo que é a UE nos dias de hoje. Abandonar a defesa do projecto europeu não é solução; aceitá-lo acrítica e entusiasticamente na forma que hoje assume é-o muito menos.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
6 comentários:
Uma pequena correcção:
"com uma Comissão e um Conselho não eleitos e um parlamento sem iniciativa legislativa"
Todos os membros do Conselho foram eleitos democraticamente (são dos diversos governos), o Presidente da Comissão é eleita pelo Parlamento Europeu, É no parlamento europeu que se votam a esmagadora maioria das "leis" europeias.
Julgo que é necessário fazer este esclarecimento sob pena de dar uma ideia errada da realidade europeia.
"incluir nos objectivos do BCE o crescimento económico (tal como acontece no caso do Banco Federal Americano) e o pleno-emprego, corrigindo assim a obsessão exclusiva com a estabilidade de preços;"
Não concordo muito com esta afirmação, parece-me que isso deve ser preocupação dos governos e não do BCE. Os governos têm à sua mão mecanismo que façam promover esse crescimento e o principio de separação de poderes julgo que é util. Pessoalmente julgo que o BCE tem tido um melhor comportamento que o FED, mas isto é uma mera opinião pessoal...
Três correcções à correcção: (i) os membros da Comissão são apontados por cada governo, em articulação (se o país em causa tiver pouco peso...) com o presidente da Comissão indigitado; ao Parlamento Europeu (PE) não cabe mais do que ratificar os nomes propostos; chamar a isto uma eleição significa ter uma mente particularmente aberta ao princípio das listas únicas; (ii) dizer que os membros do Conselho, por serem representantes dos governos de cada país, são eleitos é de uma grande generosidade (ou ingenuidade); eu não me lembro de ter sido exposto ao 'programa de governo' do principal órgão de decisão da UE - e gostaria de o ser, dado os poderes que tem; (iii) o PE tem hoje poder de co-decisão em muitas matérias (o que lhe dá uma capacidade muito limitada de alterar os articulados propostos pela Comissão e aprovados pelo Conselho), mas praticamente nenhum poder de iniciativa legislativa.
Caso o PE não aprove não existe presidente da Comissão. Admito que é muito dificil, mas, se a memória não me falta, esteve quase a acontecer com o Durão Barroso.
"(ii) dizer que os membros do Conselho, por serem representantes dos governos de cada país, são eleitos é de uma grande generosidade (ou ingenuidade); eu não me lembro de ter sido exposto ao 'programa de governo' do principal órgão de decisão da UE..."
Isto é um problema da nossa democracia em si e não do modelo. São variadas as politicas que são negligenciadas nas alturas de campanha, a Europa é claramente uma. Julgo que em vez de se perder tanto tempo com pormenores nas campanhas deveremos começar a debater os problemas atenpadamente e mais profundamente.
Julgo que muito provavelmente concordamos na visão de uma europa mais participativa e mais "democrata" no entanto é necessário que nós efectivamente queiramos isso. É necessário uma maior participação das pessoas na construção da Europa e isso exige trabalho por parte das pessoas.
Uma nota final para dizer que a errata só aparece pois quere-se transmitir a ideia de que a Europa está menos democrática e isso é falso.
E qualquer argumento que começe por uma noção errada da realidade não é um bom argumento.
Não conheço nenhuma medida convincente do grau de democraciade uma organização. É verdade que os vários tratados têm reforçado os poderes do PE, mas sempre de forma marginal (essencialmente, este continua a não ser uma instituição com iniciativa legislativa, apesar de ser o único órgão directamente eleito). Isto conjugado com o alargamento dos domínios de decisão por maioria (em vez da unanimidade), nos quais a UE assume o papel de uma instituição efectivamente supranacional, implica uma diminuição dos espaços de democracia. O reforço dos poderes de co-decisão do PE não conseguem iludir o facto de a Comissão e o Conselho proporem/tomarem cada vez mais decisões sobre a vida das pessoas sem que alguma vez sejam sujeitos ao voto dos cidadãos europeus (muito menos sujeitos à disputa eleitoral com propostas políticas alternativas sobre as decisões a tomar).
Caro Ricardo,
Parece-me que ambos concordamos com o facto de que o PE deveria termais poderes. Julgo é que temos visões relativamente à co-decisão.
Se o Parlamento não aprovar o presidente da comissão ele entra à mesma em funções?
Se uma determinada lei (sujeita a co-decisão) não for aprovada pelo PE ele entra em vigor?
Peço imensa desculpa, mas o seu site, é demasiado complicado, de dificil compreensão, deveria simplificar a sua ortografia e os seus textos são demasiados elaborados.É que nem toda a gente é doutor. A dinâmica é demasiado complexa.SIMPLIFIQUE.
Enviar um comentário