Foi publicado hoje um artigo meu no Público sobre a crise europeia e os cenários que nos esperam. Entretanto, por coincidência, saiu hoje no Financial Times um artigo do Wolfgang Munchau que converge bastante com o que digo, embora com a inevitável perspectiva ortodoxa. Já que está disponível em linha, transcrevo aqui a totalidade do meu texto.
A indignação geral, nacional e europeia contra as agências de notação nos últimos dias é mais reveladora da impotência da União Europeia em lidar com a actual crise financeira do que de uma qualquer epifania das nossas elites relativamente às responsabilidades destas agências e dos mercados financeiros na crise.
A decisão da Moody's em baixar a notação da República Portuguesa ou a ameaça da Standard and Poor's de avaliar o plano francês de envolvimento do sector privado no reescalonamento da dívida grega como bancarrota dão sobretudo conta do falhanço das políticas de austeridade. Num contexto de forte endividamento externo de famílias, empresas e Estado, qualquer movimento de redução do défice público tem como consequência uma redução do produto e, logo, uma diminuição da receita fiscal.
Não é, por isso, surpreendente que sejam necessários novos pacotes de financiamento, associados a mais austeridade e mais desemprego. Por outro lado, os acontecimentos dos últimos dias mostram também até que ponto o poder político europeu se encontra refém do sistema financeiro europeu, que não aceita quaisquer perdas neste contexto e que exige um euro forte para as suas estratégias de expansão. Só tendo isso em consideração, e não o ligeiro aumento da inflação, é possível compreender os recessivos aumentos da taxa de juro por parte do Banco Central Europeu.
Na iminência do incumprimento grego e com a especulação a alastrar de forma aguda aos mercados de dívida espanhola e italiana, entrámos, definitivamente, numa nova fase da crise. Esta não é uma crise susceptível de ser circunscrita a um pequeno número de países sem grande peso na economia europeia. Trata-se de uma crise sistémica, com origem na arquitectura disfuncional de uma União Económica e Monetária (UEM) na qual a moeda comum, sem um correspondente orçamento comum, cavou o fosso de competitividade entre o centro e a periferia que está na raiz dos presentes problemas. É, pois, tempo de pensar quais os possíveis cenários que nos esperam, se quisermos estar mais bem preparados para pensar em alternativas e reagir atempadamente.
Neste contexto, são três os principais cenários alternativos que se colocam perante nós, cada um dos quais susceptível de pequenas variantes que não comprometem o seu sentido e implicações gerais. No primeiro cenário, depois de um provável incumprimento (e saída do euro) por parte da Grécia, a Europa decide mutualizar a dívida pública europeia através de emissão de euro-obrigações que cubram parcial ou totalmente as dívidas públicas nacionais. Os países em situação idêntica à de Portugal veriam assim os seus custos de financiamento descer. No entanto, um tal cenário implicaria necessariamente a criação de um ministério das Finanças europeu, que imporia a continuação da austeridade na periferia. Ainda que o risco de incumprimento no curto prazo desaparecesse em consequência, a ausência de instrumentos de política económica e a necessidade de permanentes saldos orçamentais primários positivos na periferia resultariam na continuação do declínio face ao centro, gerando uma tal degradação económico-social e perda de soberania que a futura implosão da UEM não seria mais do que adiada.
No segundo cenário, o rumo actual da situação permanece alterado, com uma UE incapaz de se pôr de acordo, tendo como consequência a entrada em incumprimento generalizado por parte dos pequenos países da periferia. Devido aos seus défices públicos, estes países ver-se-iam forçados a sair do euro sob pena de não conseguirem pagar salários e pensões. A banca entraria em colapso devido à sua dívida externa em euros e a concessão de crédito congelaria. Três crises eclodem em simultâneo: crise de dívida, crise bancária e crise cambial.
O resultado, no curto prazo, seria uma forte contracção do produto, aumento da inflação, desemprego e instabilidade social, à imagem do que sucedeu, numa primeira fase, na Argentina. Os países do centro assumiriam parte dos custos, recapitalizando o BCE e assumindo as perdas do incumprimento soberano através de transferências fiscais. Para estes países, seria politicamente mais fácil convencer os seus cépticos eleitores que tal pagamento é o custo de se terem livrado dos países "malcomportados".
Finalmente, no terceiro cenário, os países da periferia negoceiam com a UE uma saída organizada do euro. O incumprimento soberano far-se-ia através da desvalorização cambial subsequente (os pagamentos seriam feitos em escudos em vez de euros). Introduzir-se-iam controlos de capitais de forma evitar a fuga destes e a banca teria de ser imediatamente nacionalizada e recapitalizada através de emissão monetária, de modo a prevenir os efeitos de uma crise bancária profunda. Seria necessário proceder ao aprovisionamento de alguns bens essenciais, da alimentação ao petróleo.
Numa segunda fase, as reservas de ouro seriam utilizadas para estabilizar a taxa de câmbio. No curto prazo, seria impossível evitar o impacto da saída do euro sobre o produto e a inflação. No entanto, se adoptada de forma organizada, tal opção restituiria ao Estado os instrumentos necessários à reconversão económica, tornando mais fácil combater o défice externo através da desvalorização cambial e defendendo o emprego e os serviços públicos.
Todos estes cenários envolvem custos. Todavia, pensar e debater estas três alternativas de forma séria proporciona benefícios evidentes à posição de Portugal no contexto europeu. Nessas condições, beneficiando do alastramento da crise a novos países e recusando a falida continuação da política da austeridade, não é impossível perspectivar uma aliança europeia que possa impor uma reestruturação da dívida favorável aos devedores e um reforço do orçamento europeu de forma a aumentar a sua capacidade redistributiva. Um primeiro cenário alterado, portanto, com uma reconfiguração radical da UE, que passaria também, por exemplo, por alterar os estatutos e as prioridades do BCE. No entanto, qualquer posição negocial só terá força se for credível nas suas ameaças, pelo que é fundamental considerarmos seriamente os outros dois cenários. Na verdade, se a adopção de uma tal posição comum se mostrar impossível em consequência da evolução política nos diferentes contextos nacionais, a necessidade de um plano B implicará encararmos seriamente a possibilidade do terceiro cenário, recusando discursos apocalípticos e perspectivando um país com futuro.
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5 comentários:
Ou seja :
Tanto a nivel de dirigentes nacionais como dirigentes europeus como ainda mundias ninguem faz a mais pequena ideia do que ai vem e muito menos do que é que pode ser feito para resolver a situação. Estamos metidos num bom "buraco" lá isso estamos. É mesmo o salve-se quem puder e não há duvida que uns quantos já trataram de se salvar e bem.
Foi publicado hoje um artigo meu no Público sobre a crise europeia
não li mas comprei, porque o continente está a dá-los com 100% de desconto em cartão...
A crise europeia anda a matar uns 60 bébés etíopes e somalis por dia
mai a velharia de 40 anos que de qualquer modo não chegava ao natal
no quénia as coisas tamém não andam grande coisa
Na líbia ficam uns 40 estropiados por dia x 200 ou 300 dias
é a crise europeia
maldita crise, mile vezes maledita
maledeta
male a dívida
as crises têm encruzilhadas?
ou correm em paralelo?
Mas com muitos paralelepípedos para arremesso.
Onde há crises a sério, raramente há força para os atirar.
Os líderes europeus não respingam a sério contra as agência da rata... porque são financiados pelos bancos colaboradores das agências!
E estão a receber comissão pelos juros usurários que cobram pela dívida soberana!
O que não falta na Eurozona é dinheiro, e as notações foram a desculpa para poderem implementar as medidas austeritárias... alguém acha que algum país da Eurozona não vai pagar os empréstimos? Agora é bem melhor para os bancos e seus compinchas políticos receberem a 30% do que a 5%... como recebem quando emprestam indirectamente à, essa sim falida, Califórnia!!!
Pois é, Nuno. O 1º cenário significa muito provavelmente a tal "continuação do declínio face ao centro, gerando uma tal degradação económico-social e perda de soberania que a futura implosão da UEM não seria mais do que adiada".
Procurando ser realista, e depois de um período relativamente longo de mero sofrimento sucker (por apatia e desorientação colectivas), o que é honestamente recomendável às periferias, aquilo que todo o bom médico recomendaria de boa-fé ao seu paciente, em nome do próprio juramento de Hipócrates e qualquer sem hipocrisia, é mesmo sem qualquer dúvida o cenário 3...
Ah, sim, e parabéns ao Maquiavel pela das "agências da rata..." Estamos a precisar de mais disso, que diabos. Sem reagirmos, sem "espírito" não vamos a lado nenhum...
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