Fishman ficou conhecido no debate público português depois de ter publicado um artigo sobre Portugal no New York Times, com uma visão algo idealista, mas que sublinhava bem as pressões especulativas sobre o nosso país que antecederam a intervenção externa. Algo idealista porque, como na altura escrevi no Le Monde diplomatique - edição portuguesa, a intervenção externa não foi um simples golpe dos agentes que operam nos mercados financeiros contra a economia política progressista de um país que insiste em manter uma "economia mista" com laivos keynesianos. A pressão externa convergiu com um bloco político-económico interno, liderado por grandes grupos económicos e financeiros rentistas. Um bloco que ganhou com a aventura do euro e com os correspondentes enviesamentos para os sectores dos bens não-transaccionáveis que a sobrevalorização da moeda, o acesso mais fácil aos circuitos financeiros internacionais e uma política industrial insuficiente permitiram. Um bloco que é responsável pelo facto de a economia política nacional só ter conhecido duas palavras nas últimas duas décadas – liberalização e privatização –, hoje incompatíveis com o acervo de direitos sociais e laborais que foi o lastro de um curto período de democracia de alta intensidade no nosso país.
Fishman tinha publicado, em 2010, um artigo académico na revista Studies in Comparative International Development intitulado "Rethinking the Iberian Transformations: How Democratization Scenarios Shaped Labor Market Outcomes". O artigo está acessível através de qualquer universidade, mas um resumo pode ser encontrado aqui. Trata-se de um exercício de economia política comparada. Portugal aparece muito bem na fotografia em termos de capacidade de criação de emprego e de preocupação política com essa variável crucial. O estudo de Fishman refere-se ao período democrático, indicando precisamente que a ruptura revolucionária portuguesa e suas heranças político-ideológicas e institucionais, por comparação com a transição espanhola, explicam parte deste relativo sucesso português. No entanto, Fishman não considera as abissais desigualdades salariais nacionais, por exemplo. E é claro que uma integração mal conduzida, a austeridade, as pressões especulativas e suas sequelas puseram em causa, desde o início do milénio, tal trajectória, como Fishman aliás reconhece, embora o seu artigo não se concentre sobre essa fase mais recente, que viu o desemprego triplicar numa década.
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