sábado, 9 de julho de 2011

Amartya Sen: "O euro derruba a Europa"

Hoje, a austeridade apresenta aos olhos dos financeiros vantagens imediatas, mas não é nada seguro que estes vigilantes percebam com clareza como é que a Grécia poderá voltar a crescer estando agora numa recessão brutal. Para além da travagem da economia induzida por estas enormes reduções orçamentais conduzidas com o intuito de manter a qualquer preço a Grécia na zona euro, as próprias características do euro mantêm elevados os preços dos bens e serviços gregos tornando-os muitas vezes não competitivos nos mercados internacionais. Para mim, é um pobre consolo recordar que fui um firme opositor do euro, sendo ao mesmo tempo muito favorável à unidade europeia pelas razões que Altiero Spinelli tinha sublinhado com tanta força. A minha inquietação provinha principalmente do facto de que cada país renunciava assim ao poder de decidir livremente sobre a sua política monetária e as desvalorizações da taxa de câmbio, tudo coisas que no passado foram de grande utilidade para os países que passaram por dificuldades. Isso permitia não perturbar excessivamente o quotidiano das populações para satisfazer um interesse obstinado em estabilizar os mercados financeiros.

Evidentemente é possível renunciar à independência monetária, mas na condição de haver integração política e orçamental, como é o caso dos Estados americanos. A formidável ideia de uma Europa unida e democrática mudou com o tempo, fez-se passar para segundo plano a política democrática e promoveu-se uma fidelidade absoluta a um programa incoerente de integração financeira. Repensar a zona euro levantaria inúmeros problemas, mas as questões espinhosas merecem ser discutidas com inteligência (a Europa deve empenhar-se em fazê-lo) tomando em consideração de forma realista e concreta o contexto, diferente e específico, de cada país. Andar ao sabor dos ventos financeiros que sopram um pensamento económico obtuso e marcado por graves lacunas, frequentemente ditado por agências que apresentam lamentáveis resultados no que toca à previsão e ao diagnóstico, é mesmo a última coisa de que a Europa necessita. É preciso eliminar a marginalização da tradição democrática europeia: é uma necessidade imperiosa. Nunca será demais insistir.

(Excerto de um artigo de Amartya Sen traduzido a partir da versão francesa publicada no Le Monde)

5 comentários:

Ana Paula Fitas disse...

Caro Jorge Bateira,
Com a indicação da hora de publicação posterior ao das Leituras Cruzadas de hoje, não posso deixar de acrescentar o link para este post.
OBrigado.
Abraço.

Anónimo disse...

Existe uma enorme contradição: a união política da Europa eliminaria a sua democraticidade. Os gregos não querem união, querem dinheiro para manterem o regime de patrocinato semi-clânico em que sempre viveram. O seu orgulho é o importante. Não há união entre a Dinamarca e a Grécia. De que unidade estão a falar?

Paulo Pereira disse...

A malta quis o EURO para ir passar férias fora e comprar produtos baratos.

Agora que a conta chegou com juros altos queixam-se.

Precisamos é de um governo que promovo a produção nacional.

João Carlos Graça disse...

Caro Anónimo
Olhe que talvez não, olhe que talvez não...
Ou antes: é verdade no fundamental, mas exactamente ao contrário do que opina (decerto por causa da famosa "dislexia").
Entendamo-nos: o "regime de patrocinato semi-clânico" é precisamente o regime político com o qual se identifica a pertença da Grécia à "UE".
A elite "compradora" nativa depende realmente daquela, claro. E expressa a sua consumada ars politica conseguindo convencer a massa dos gregos de que essa dependência factual da elite é dependência necessária do próprio país.
Ou seja: metamorfoseia a sua própria dependência REAL em dependência IMAGINÁRIA do conjunto da sociedade e do estado gregos.
O verdadeiro artista político é assim que se reconhece...
Ah, mas onde é que será que me parece já ter ouvido falar duma história parecida com esta?...

Paulo Pereira disse...

Qual é a dificuldade em converter até 50% do PIB da divida de todos os paises do Euro numa divida comum ?
.
Sem divida unica não é possivel moeda unica.