quarta-feira, 18 de março de 2020

Um cenário extemporâneo e o que faz diferença

O primeiro caso de infeção de Covid-19 surgiu na China a 31 de dezembro, sendo divulgado a 23 de janeiro o primeiro valor de pessoas afetadas nesse país. Com um crescimento exponencial desde então, o ponto de inflexão seria atingido cerca de 50 dias depois da deteção do primeiro caso, iniciando-se a partir daí uma trajetória contínua de redução do número de infetados. Na União Europeia (UE28), o primeiro caso surge a 25 de janeiro, e também apenas cerca de um mês depois o número de infetados começa a aumentar exponencialmente, a um ritmo muito semelhante ao da China.


Se tudo dependesse apenas do «comportamento» do vírus e da dinâmica da própria epidemia, poderia estimar-se - decalcando a evolução a partir do caso da China - que a generalidade dos países europeus atingiria o ponto de inflexão durante o mês de abril (consoante a data de início da contaminação em cada caso). Mas basta olhar para a França - que se assim fosse já teria atingido o seu ponto de inflexão - para perceber que as coisas não funcionam de forma tão simples, podendo haver países a conseguir «antecipar» o ponto de inflexão face à China e outros a demorar mais a atingi-lo.

No mediatismo superficial dos números, desvalorizam-se de facto, muitas vezes, as diferenças de contexto. A dinâmica de contágio do Covid-19 não é alheia, por exemplo - e entre outros fatores - à adaptação do vírus às condições climáticas de cada país ou às diferenças de sistemas urbanos e de aglomeração (como demonstra o caso de Madrid). Tal como não se pode esperar que a epidemia, particularmente crítica no caso de pessoas idosas, tenha o mesmo impacto em países com estruturas demográficas mais jovens (como a China) e mais envelhecidas (como a Itália). Nenhum dos fatores de contexto explica tudo por si só, mas sim o conjunto de articulações entre eles, em cada caso.

E depois existe, obviamente, a política. Estes dias têm mostrado, com uma clareza cristalina, que é no «velho Estado», e à escala dos países, que se encontra a capacidade de resposta. Não só pelo facto de apenas os sistemas públicos de saúde estarem, apesar dos cortes e das «aberturas» ao privado, preparados e focados no que importa: salvar vidas. É também pela capacidade de os Estados nacionais coordenarem medidas concretas e responder, de forma congruente, à epidemia. Tudo tão claro e cristalino como a inoperância, desnorte e distopia que a União Europeia tem revelado, face ao papel que podia e devia já estar a ter. Como diz o João Rodrigues, «da UE, o melhor que se pode esperar é que não atrapalhe».

3 comentários:

José M. Sousa disse...



https://www.scientificamerican.com/article/destroyed-habitat-creates-the-perfect-conditions-for-coronavirus-to-emerge/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=earth&utm_content=link&utm_term=2020-03-18_top-stories&spMailingID=64329550&spUserID=NTM5NzIzMzA1NQS2&spJobID=1842236072&spReportId=MTg0MjIzNjA3MgS2

Figueiredo disse...

Este comentário não está relacionado com o conteúdo da publicação, mas é preciso alertar para o seguinte tendo em conta o avanço da ofensiva, de que não é necessário decretar o estado de emergência, as tropas dos Estados Unidos da América do Norte (EUA) que desembarcaram nas últimas semanas na Europa, vão retirar-se do exercício «OTAN Defender a Europa 2020»:

- The US Army is rethinking how to do its largest European exercise in 25 years amid a coronavirus lockdown
https://www.businessinsider.com/army-rethinking-defender-europe-20-amid-coronavirus-lockdown-2020-3

Anónimo disse...

Novidades por parte do BCE/ECB:

https://www.ecb.europa.eu/press/pr/date/2020/html/ecb.pr200318_1~3949d6f266.en.html

ECB announces €750 billion Pandemic Emergency Purchase Programme (PEPP)