quarta-feira, 18 de março de 2020

A prioridade do Governo deve ser manter o emprego

O Governo, pela voz dos ministros das Finanças e da Economia, apresentou há instantes um conjunto de medidas de apoio à tesouraria das empresas e dos trabalhadores independentes, no âmbito do "estado de guerra" que toda a gente gosta de repetir.

Recorde-se que um "estado de guerra" é um daqueles momentos em que, na exaltação nacional e patriótica, deixa de haver barreiras para proteger o que poderá ser sagrado.

As empresas deverão ser apoiadas e a economia deve ser mantida. E o Estado tem de ter um papel fundamental nesse sentido. Mas não se pode deixar os empresários e a banca sozinhos. E sem condicionamento nos apoios.  

Nesse capítulo, as respostas dos dois ministros parecem sintomáticas do que vai estar em jogo. E não é no bom sentido. Os apoios serão dados às empresas - foco central dos apoios públicos - e não se estabelecerá qualquer tipo de condição a esses apoios, nomeadamente qualquer interdição de despedir. E para cobrir eventuais efeitos negativos - na procura agregada - a Segurança Social aí estará para apoiar... não os trabalhadores, mas as famílias.

Quando os dois ministros foram questionados pelo jornalista da Lusa sobre se não se iria passar algo parecido com o que se passou em Itália, em que as empresas começaram a despedir (vidé caso recente da Continental com 270 despedidos), o presidente do Eurogrupo nada disse sobre isso. E o ministro de Estado e da Economia respondeu:
Neste momento estamos a anunciar um conjunto de medidas dirigidas às empresas e aos trabalhadores independentes. A sua função essencial é aliviar a pressão dos compromissos de tesouraria perante a banca, e perante a Segurança Social e o Fisco, e assegurar a liquidez suficiente para poderem ir mantendo e preservando a sua capacidade produtiva e proteger os empregos. Medidas dirigidas à situação das familias serão comunicadas posteriormente.

"Poderem ir mantendo e preservando a sua capacidade produtiva e proteger os empregos", é um fraco objectivo. Estamos num "estado de guerra", mas empresas estão livres de despedir.   

Algo parecido disse o ministro das Finanças e presidente do Eurogrupo, quando - num esforço de convocação da Nação para o mesmo fim - dividiu "todos os portugueses" em empresas e famílias:
"Hoje enfrentamos incertezas. E perante incertezas a nossa única resposta tem de ser estarmos disponíveis para fazer tudo o que pudermos para a dissipar. E quando digo dissipar,  é transmitir a todos os portugusess - empresas, famílias - a todos os portugueses, a confiança para poder em conjunto enfrentar esta crise. Todos estamos convocados a fazê-lo, todos temos participar no mercado de trabalho, nas nossas relações sociais  (...) hoje estamos convocados para combater esta pandemia. Mas todos temos mesmo de o fazer.  Os resultados orçamentais serão aquilo que o resultado das acções de cada um de nos ditar.
Ora, as empresas não são cidadãos nacionais. Não têm honra, nem personalidade. São os que os seus trabalhadores forem. As empresas são importantes, mas têm funções e compromissos sociais também.

Já se passou por uns momentos semelhantes em que os responsáveis políticos apelaram ao estado de necessidade para aplicar perpetuamente um programa de emergência - centrado no apoio às empresas - que acabou por sacrificar os trabalhadores, os mais desprotegidos e provocou o maios descalabro económico e social de que há memória.

Neste momento, o essencial é preservar  o emprego. Não é apenas a tesouraria das empresas. Porque, quando a crise passar, se os empregos forem preservados, a economia fluirá normalmente. Mas se o desemprego for de novo uma realidade, assistir-se-á - novamente - ao que se passou no período pós-troica. Uma degradação e fragilização do vínculo laboral e uma degradação salarial e contratual que se transmite, depois, às opções estratégicas sectoriais do país.

Não se repita de novo o mesmo programa, o mesmo programa errado, a coberto de uma missão patriótica de um "estado de guerra".

7 comentários:

PauloRodrigues disse...

Esperemos que o objetivo não seja alimentar oligarquias insustentáveis e empresas inviáveis, como aconteceu no passado (desde os tempos da monarquia).
Os super-valorizados ministros Centeno e Siza Vieira parecem estar a "esquecer" que a crise já está aí.
Para além de tudo o que uma crise traz de mau, há algo que deve descrever como "BOM": uma crise limpa do tecido económico a "carne podre".
Manter "cadáveres" ligados ao "ventilador" é uma medida pró-ciclíca.
Mas claro que e desde 2008, ninguém está a pensar em adoptar medidas contra-ciclícas.
A economia está mal: o remédio é torna-la pior.
A merkel vai-lhes dar umas medalhas de cartão prensado.

Andre Fer disse...

Quando o Ministro fala em empresas refere-se às PME e não aos grandes grupos. Ao pequeno tecido que cria e divide riqueza em Portugal e tem suportado a recuperação económica.

É claro que vão existir despedimentos porque da mesma forma que os médicos não conseguem salvar toda gente as empresas também não conseguirão salvar todos os trabalhadores. Aliás duvido que muitas empresas se safem sequer desta curta depressão.

Entre o oportunismo e bom senso existe uma grande diferença mas o mais preocupante é a sua mentalidade limitada e o oportunismo demonstrado nos seus argumentos, não é muito diferente dos argumentos dos grandes grupos que critica.

Pelo seu texto deduzo que o ideal seria impedir despedimentos. Já pensou sequer no ridículo do que propõe? Uma PME pode salvar 10 pessoas ao despedir 2 trabalhadores. Uma grande empresa pode despedir 270 trabalhadores por mero oportunismo contabilístico ou porque precisa mesmo, depende do caso não?

O julgamento dessas decisões será futuro e é uma questão de lei laboral e do direito.

Jose disse...

Manter emprego e despedimento.

Manter empresa que pára de laborar e manter emprego - lay-off custo zero?
Estado de guerra e lay-off custo zero. Há notícia que quem fez aproximadamente isso teve que saquear a Europa e escravizar uns tantos milhões.

Cada um com seu lay-off e não cada família assistida com mínimos, levanta a questão de saber-se se em confinamento temos diferenciação de mérito ou tão só diferenciação de estado.

Que cada empresa que sobreviva, retoma emprego pelo quadro de pessoal que hoje tem, parece ser a óbvia consequência do respeito pela legalidade - se quiserem complicar a retoma, ponham-se a inventar regras sobre quantidades e prioridades.

Enunciar princípios fica sempre bem; encontrar soluções novas para situações novas mobiliza novos princípios.

Anónimo disse...

Perante o que se está a passar é essencial proibir o desemprego, qualquer governo que não haja nesse sentido está deliberadamente a agravar a gravidade e a extensão desta crise. Quando as pessoas não estão no centro de todas das preocupações não há qualquer razão para respeitar um governo que não nos respeita.

Figueiredo disse...

«...Recorde-se que um "estado de guerra" é um daqueles momentos em que, na exaltação nacional e patriótica, deixa de haver barreiras para proteger o que poderá ser sagrado...»

Exactamente, e como tal devemos seguir o exemplo de Espanha:

- Espanha decreta nacionalização de hospitais privados para lidar com coronavírus
https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/mundo/2020/03/espanha-decreta-nacionalizacao-de-hospitais-privados-para-lidar-com-co.html

No combate ao Covid-19, devemos seguir o mesmo exemplo e não só, no combate a esta pandemia devemos também nacionalizar todas as empresas que foram privatizadas, pela nossa saúde, pela Saúde Pública e o bem-estar dos Portugueses e do país.

Paulo Marques disse...

Jose,

manter ou retomar o emprego para vender a quem, se se aceita que a procura desapareça e que a ajuda seja crédito a devolver depois de produzir para stock?

Jose disse...

Lay-off

Custo zero - A empresa que pára de laborar deixa de pagar salários; muito mais se requer para que não incorra em custos ou em cessação de pagamentos.

Custo zero - Ao trabalhador seria manter-lhe o rendimento líquido, o que seria no total impossível é em muitos casos injustificável. O mínimo será que ao agregado familiar seja assegurado o rendimento que sustente a sua subsistência na inactividade; muito mais se requer para que não incorra em cessação de pagamentos por compromissos que estejam assumidos.

O que vai ser feito por via de créditos que não se limitem a cobrir, sem custo, diferimentos é enfraquecer o que já é débil; é a proliferação dos capitais negativos; um oceano de calotes e vigarices em tribunais apinhados e inconsequentes, aplicando leis que quando muito defendem o fisco.