terça-feira, 3 de março de 2020

Bernie Sanders preocupa o poder, mas não as pessoas


A surpresa tomou conta dos analistas e meios de comunicação dos EUA nas últimas semanas. À medida que avança a campanha presidencial norte-americana e se vão contando votos nas primárias democratas, começa a tornar-se evidente que Bernie Sanders é o candidato que reúne maior apoio entre os eleitores. Depois de um início atribulado no Iowa, onde teve mais votos mas a contagem foi atrasada e se levantaram dúvidas sobre a aplicação utilizada, Sanders venceu os dois estados seguintes (New Hampshire e Nevada), ficou em segundo lugar na Carolina do Sul e as sondagens apontam para que saia com a liderança reforçada depois das votações de hoje nos 14 estados que vão a votos na chamada "Super Terça-Feira".

O Financial Times procurou perceber de onde vem o apoio ao senador de Vermont, que se apresenta como socialista num país onde a palavra costumava ser proibida. A conclusão a que chegou foi clara: Sanders tem a sua base de apoio nos trabalhadores e nas classes baixas e médias do país. O artigo aponta para a particularidade de o candidato reunir apoio expressivo entre trabalhadores de empresas digitais como o Facebook, Twitter, Google, Amazon, Tesla ou Uber, as mesmas que se opõem aos seus planos de taxar as multinacionais, aumentar o salário mínimo e ser mais exigente na regulação de aspetos como a proteção da privacidade.

Enquanto as multinacionais manifestam preocupação com a agenda progressista de Sanders (e, em certa medida, de Warren), os que trabalham para elas simpatizam. O caso da Amazon, conhecida pelas péssimas práticas laborais e pelos baixos salários, mostra bem esta tendência. É um dos aspetos que distingue as candidaturas de Bernie e de Joe Biden ou Michael Bloomberg, os candidatos mais fortes entre os centristas e os eleitores moderados, sobretudo após as desistências de Pete Buttigieg, Amy Klobuchar ou Tom Steyer.

A diferença torna-se ainda mais evidente quando se olha para quem contribui para as duas campanhas: Biden recolhe doações dos mais ricos, tendo o apoio de Wall Street, enquanto que Sanders construiu toda a campanha sem aceitar dinheiro de milionários e baseando-se em pequenas contribuições (só no final de 2019 foram mais de 34 milhões de dólares recolhidos entre quase 2 milhões de pessoas, como referido pelo Daniel Oliveira num artigo do Expresso). É o reflexo de um país em que os ganhos da globalização e do crescimento da finança não se fizeram sentir para todos os grupos - os mais ricos beneficiaram e acumularam riqueza, enquanto os restantes viram os salários estagnar e as condições de vida piorarem.

As primárias democratas estão cada vez mais centradas na disputa entre o campo progressista representado por Sanders e os centristas apoiados pelo núcleo do partido. Há quatro anos, ganharam os segundos (na altura, com a candidatura de Hillary Clinton) e o resultado foi a eleição de Trump. Veremos o que acontece este ano.

3 comentários:

Álvaro disse...

Na hipótese de B Sanders conseguir ir a votos contra Trump, provavelmente chegará lá exangue, à semelhança de McGovern em 1972, tanto pela sabotagem organizada a partir do seu partido como pela mafia republicana. Arrisco pensar que o melhor prémio que se pode retirar disto é a criação de melhores condições para as lutas futuras, não tanto o grande prémio pelo qual todos dizem lutar.

Jose disse...

Saber o que seja o 'socialismo' de Sanders para além dos inevitáveis mais impostos e mais Estado, ninguém parece querer falar sobre isso.

Que perder com Trump é alta probabilidade, parece motivar as desistências a favor do Sleeping Joe.
Tudo somado, o risco Trump mantém-se demasiado elevado.

Paulo Marques disse...

Ó Joseph, são tão mais impostos ao trabalho como os que vieram dos cortes aos ricos de Trump e a recente tranche à pressa para combater a peste: coisa nenhuma, que não há schwarze null auto imposto.
Já se ganhar o demente das contas certas, bem, será o Passos lá do sítio.