quinta-feira, 19 de março de 2020

750.000 bofetadas à Comissão e Eurogrupo


Parece que as luzes estão acesas no BCE. A chamada bazuca de Lagarde é uma espécie de Draghi 2.0, incluindo as declarações da Presidente do BCE, dizendo que não há limites para o que estão dispostos a fazer. Já ouvimos qualquer coisa assim antes. O problema é que há, de facto, limites à eficácia desta espiral de política monetária ultra-expansionista. Lagarde, aliás, não pode ser acusada de não o compreender. Tem-no dito de todas as formas em todas as ocasiões que teve desde que foi eleita.

A política monetária não chega. Lagarde está há semanas num jogo do sério com as restantes instituições europeias para tentar combinar a política monetária com uma resposta orçamental que se veja. As declarações infelizes de há poucos dias resultaram de uma tentativa desastrada (e desastrosa) de dizer à Comissão e ao Eurogrupo: "se vocês não avançam, eu também não". Um bluff sem sucesso. Nesse sentido, esta fuga para a frente é também uma desistência. Passamos do policy mix para o policy max. Uma coisa é certa: a Ursula e o Super-Mário só se podem queixar de si próprios.

O problema é que não é só o tamanho que conta. Este programa, sem resposta orçamental, arrisca-se a não ter tração suficiente, ou seja, uma boa parte do dinheiro arrisca-se a ficar a marinar no sistema financeiro, inflacionando os ativos financeiros sem chegar à economia real. Quanto mais se avança numa política monetária ultra-expansionista, mais se agravam todos os efeitos secundários e os riscos de instabilidade financeira. Sobretudo, se essa política não for acompanhada de uma bazuca orçamental.

Aqui é que a questão se complica. O problema não é só de estupidez, embora haja muita na elite política Europeia. O problema é o do costume: o projeto Europeu em geral, e o do Euro em particular são profundamente defeituosos. A paralisia da Comissão e do Eurogrupo resulta em partes variáveis, conforme os protagonistas, de fanatismo ideológico, inconsciência e impotência. As respostas necessárias não passam nas instituições porque os Estados membros têm interesses divergentes, a União Europeia não tem mecanismos que os permitam reconciliar e a política monetária não é o instrumento adequado para o fazer porque não pode fazer o que é necessário: transferir recursos do centro para a periferia.

A própria Lagarde tem pouca moral para a sua impaciência. Mesmo que avaliemos esta decisão de forma inteiramente isolada, não é possível ignorar, nas nossas expectativas sobre o que se seguirá, o papel que Lagarde teve nos programas de ajustamento da Troika, enquanto Presidente do FMI. Lagarde continua até hoje a reafirmar os méritos da sua participação nas políticas que foram impostas aos países periféricos. Nada de novo aí. E, não por acaso, soma a isso a ideia de que políticas orçamentais expansionistas, só nos países com dívidas mais baixas. Nada de novo novamente.

Esta decisão coloca em destaque a ridícula inoperância das restantes instituições europeias. Mas é, na melhor das hipótese, uma fezada. O BCE atira-se para a frente, esperando que a Europa venha atrás. Na pior das hipóteses, é uma mera declaração para a posteridade. Lagarde não quer acabar na fotografia ao lado dos idiotas.

8 comentários:

José M. Sousa disse...

US government to give citizens emergency financial aid

https://www.theguardian.com/world/2020/mar/17/us-government-to-give-citizens-emergency-financial-aid

Jaime Santos disse...

Quando não fazem, é porque não fazem, quando fazem é porque não é assim. Até parece realmente que a Esquerda tem sido bem sucedida na implementação de políticas orçamentais expansionistas onde tem tido a sorte de ganhar eleições (veja-se a Venezuela).

Resultado, vão ser o Centro e a Direita a fazê-lo dada a crise presente. De facto, uma tecnocracia idiota sempre é melhor do que nenhuma tecnocracia...

Anónimo disse...

Excelente análise e muito correcta interpretação das forças em jogo.
Muito bem!

Jose disse...

Não presta, não presta, não presta!
Sem resposta orçamental não presta!

Todos os Estados a mandar miles de milhões para a economia e não há resposta orçamental?
É precisa a tutoria da Comissão, ou pura e simplesmente é preciso que sejam os outros a pagar?

Ou tudo que não faça crescer o Estado e o sector público não presta?

jotac disse...

Ficam bem é como professores; não se metamorfose na política, porque estes argumentos, sim, são de uma imbecilidade sem limites...ide aplicar essas teorias as cigarras nas ilhas desertas e levem o Cavaco de Caminho...

Paulo Guerra disse...

Concordo. Foi melhor que o dinheiro adormecido da Ursa mas medidas reais de apoio às empresas e aos trabalhadores afectados pela crise em economias de mercado nem vê-las. Nem na Europa nem em lado nenhuma até à data.

Anónimo disse...

Quando se soube da nomeação da Senhora Lagarde para Presidente do BCE podemos considerar como uma notícia preocupante.
Significa a continuação do Monetarismo da Escola de Chigago de Milton Frieedmen que é a política economica seguida pela UE depois da saída de Jaques Dellores.
Em Portugal deixámos de ter um Banco Emissor , passando a ter este unicamente as funções que dantes competiam á Inspecção Geral de Credito e Seguros.Em cosequência não é possivel estabelecer uma política monetaria e financeira, nem mesmo sequer economica.

Anónimo disse...

Paul De Grauwe no site Project Syndicate:

https://www.project-syndicate.org/commentary/ecb-needs-to-embrace-covid19-monetary-financing-by-paul-de-grauwe-2020-03

Nem tudo cheira a rosas neste site mas este curto bilhete de Paul De Grauwe faz todo o sentido.