segunda-feira, 30 de março de 2020

Vulnerabilidades: pensar um país frágil

«Há coisas que custa invocar quando a vida está tão convulsa. Dizem-me, não confirmei, que há prateleiras cheias de meios-sapatos nas nossas zonas onde esta indústria se localiza. Sempre foi estúpido montar sapatos onde antes se sabia fazer tudo, mandando agora vir de muito longe algumas partes que aqui se produziam. Há 35 anos estudei a indústria metalomecânica de Águeda e a das bicicletas em particular. Tratava-se de um caso notável de um “sistema produtivo local”: aberto, mas autocentrado em culturas técnicas e na organização, no próprio território, das inter-relações essenciais, que articulavam vários setores e ramos de atividade. Dez anos depois voltei lá. (...) Já não se produziam bicicletas, montavam-se bicicletas. É hoje claro para todos que, para além de estúpido, isto é perigoso.
(...) Há relações que têm de ser desenvolvidas num quadro preciso, fiável e articulado. Não sob o ímpeto de transações sem lugar nem rosto. Para que o mundo se organize todo assim, e não como se fosse plano. Não há economia sem quem a realiza nem sem aqueles a quem ela se destina, no momento da repartição e da geração de bem-estar. A economia usa os mercados, não é os mercados.
(...) Uma economia é um sistema de produção e de provisão de bem-estar. Não sendo uma simples plataforma de transações, a economia mede-se pelo valor que cria, pela estrutura produtiva que adota, pelas capacidades que desenvolve, pelo nível de autossuficiência que garante, pela dependência face ao exterior que evita. É sujeito e objeto da economia política. Deve haver planeamento, intervenção e organização públicas para satisfazer necessidades e servir a comunidade. É um lugar para fazer e para aprender. Não para se perder nas linhas abstratas de um mapa sem territórios. Aprendemos que é possível parar. Aprendamos que é possível e necessário decidir em nome do povo!»

Excertos do artigo de José Reis, hoje no Público, que merece ser lido na íntegra (aqui). A enunciação de um conjunto de princípios muito importante, para repensar efetivamente o futuro, depois do agora.

1 comentário:

Jose disse...

A indústria têxtil teve nos mercados de África o seu sustento durante largos anos.
Depois foi a Europa que directamente ou através da deslocalização da sua indústria de confecções que a expandiu e consolidou. Nesse tempo ninguém se queixou.

Houve um tempo em que um pneu velho era trocado por um par de botas de couro, feitas à mão, com sola desse mesmo pneu.

Hoje o pessoal calça-se e veste-se para meio ano com o salário de uma semana. Ninguém se queixa.

O choradinho do melhor dos mundos, tem hoje nomes pomposos de ciência económica.