sexta-feira, 13 de março de 2020

Medidas porosas

Antes de mais, veja-se - mesmo até ao fim - esta parte maravilhosa do programa Daily Show sobre a última comunicação de Trump, que bloqueou os voos da Europa (mas excluindo o Reino Unido e a Irlanda...). 

Agora voltemos para as medidas anunciadas ontem por António Costa: são muitas e foram anunciadas com pompa. “É uma luta pela nossa própria sobrevivência e pela protecção da vida dos portugueses”. Mas assim lidas superficialmente deixam passar a ideia de que Portugal se encontra a reboque do que a União Europeia faça - ou não faça - e que todas as medidas para contenção eficaz podem estar a ser adiadas por receios vários.

É possível que esta crítica seja excessiva. Mas se alguma coisa a China ensinou sobre o combate ao Covid19 é que as medidas - tão elogiadas pela Organização Mundial de Saúde - procuraram tornar os dois mundos estanques. E esse não é o caso das medidas portuguesas.

Veja-se alguns casos: 

* "Suspensão de todas as actividades lectivas e não lectivas presenciais nas escolas de todos os níveis de ensino a partir da próxima segunda-feira dia 16 de Março". Mas um mail da Direcção Geral de Saúde alerta os visados professores de que não há restrições de movimentos geográficos no país... para que possam espalhar os vírus;
* "Proibição do desembarque de passageiros de navios de cruzeiro, excepto dos residentes em Portugal". Mas vão esses passageiros portugueses ficar em quarentena ou, caso venham infectados, podem propagar o vírus livremente? Lembra a medida de Trump de bloquear os voos da Europa, mas não aos cidadãos nacionais! [e por sugestão de um leitor, há uma contradição entre o comportamento face aos que chegam de avião e aos que desembarcam de barco... Aliás, a presidente da Comissão Europeia já veio dizer que não é boa ideia bloquear as fronteiras. E depois deixa-se apenas a extrema-direita a clamar pelo fecho de fronteiras]  
* O que é a "Restrição de funcionamento de discotecas e similares"? Vão fechar? Por que não vão? E as tascas e os restaurantes? Etc.? E o comércio? Porquê só as discotecas?
* "Os centros comerciais e supermercados vão estabelecer limitações de frequência para assegurar possibilidade de manter distância de segurança." O que quer isto dizer? Como se escolhe quem entra e fica à porta? Vão ter seguranças para impedir a distância? Mais de duas pessoas na bicha para a caixa levam um choque eléctrico?
* "Um regime excepcional em matéria de recursos humanos" no sector da Saúde, que contempla: "suspensão de limites de trabalho extraordinário". O que quer isto dizer? Que o pessoal fica liberto para trabalhar sem limite? Deve-se esta medida ao facto de não se querer ferir as metas orçamentais? Não só os trabalhadores estão agora mais expostos, como é suposto ficarem ainda mais expostos? E pagam-lhes como? O que quer esta medida dizer? "E a mobilidade de trabalhadores"? Aguardam-se esclarecimentos.

São 30 medidas, mas assim, à primeira vista, parecem colocar em causa "a nossa sobrevivência".

7 comentários:

Jaime Santos disse...

A frase chave da sua mensagem é 'lidas superficialmente'. Pois, o diabo está nos detalhes e vamos esperar que eles sejam devidamente regulamentados e publicados e depois falamos, está bem?

Mas se as pessoas tiverem que abdicar de parte ou da totalidade das suas férias pagas depois de isto terminar como medida para proteger a Economia, olhe eu sou a favor, ok (com os devidos apoios ao sector de transportes e turismo, bem entendido)? E não me refiro apenas à classe dos prestadores de cuidados de saúde. Refiro-me a toda a gente.

Estamos em guerra. Não era por algo como isto que esperavam? Agora não se queixem...

Quanto à eventual quarentena ou isolamento de cidadãos portugueses desembarcados, a mesma pergunta se pode colocar a quem entre em Portugal vindo, por exemplo, de Espanha ou Itália. Se num navio não há relatos de casos, eu provavelmente confio mais na saúde de quem desembarca do que de alguém que muito legitimamente regressa a casa vindo de uma zona com muitos casos. Julgo que a Ministra disse que equaciona esta medida (da quarentena).

Já pediria a quem vive em Itália e tem condições de aí permanecer em segurança e com acesso a cuidados de saúde que se deixe aí ficar para evitar trazer o vírus. Mas não irei censurar quem por medo decidir regressar...

olga feio disse...

Também acho que existe muita contradição o já gerou uma situação de pânico em muitas camadas da população. O que se tem ouvido na maior parte dos orgãos de comunicação, a toda a hora, não tem ajudado nada. Salvo raras excepções. Mas também não sei se seria possível ter feito muito melhor porque infelizmente o que me parece isto é tudo muito novo, mesmo para os melhores. Mesmo assim, temos que ter uma enorme confiança em quem está nos comandos ao nível dos serviços da saúde. Temos que ir por aí. A conversa política interessa-me muito pouco. A todos os níveis. Estou de acordo com o que dizes, actuam por arrasto, por pressão, interessa-me pouco o que dizem.


Paulo Marques disse...

«Mas se as pessoas tiverem que abdicar de parte ou da totalidade das suas férias pagas depois de isto terminar como medida para proteger a Economia»

Em que é que um maior abalo na procura protegia a economia de alguma coisa? Além da condenação dos desempregados que isso acarreta.
Guerra total, na mente dos Jaimes, é guerra a meio gás porque não há dinheiro e a inflação é pior. Ridículo total.

João Ramos de Almeida disse...

Cara Olga,
Também só me interessa o que dizem porque acaba se traduzir em instrumento do que fazem. Ou não fazem. E concordo contigo sobre a toda a confiança a dar a quem está à frente dos serviços de saúde. Apenas gostava que houvesse coragem para tomar as medidas certas, a pensar em toda a gente. E não nestes joguinhos de meias tintas, de anca, a tentar agradar a todos. E para quê?

Caro Jaime,
A opção não é - mais uma vez - retirar dinheiro a toda a gente, com o fito - errado - de equilibrar contas externas à martelada. Há mais medidas e mais opções, não podem é actualmente ser tomadas porque os donos da impressora de notas estão em Frankfurt. Mas cada vez mais se vê o buraco em que estamos metidos.

Portando, caro Jaime, repense.

Paulo Coimbra disse...

Sai uma impressora electrónica - made in EUA, atenção! só pode ser coisa boa - para o Jaime Santos: https://twitter.com/StephanieKelton/status/1238199214057959424?fbclid=IwAR2FOYUY25yBwL-O8ETxOXznPeZGtCqK3fsUiVkzdjLIIa3cCD-zXwdg5go Talvez assim possa deixar em paz as férias pagas da malta.

De nada.

Geringonço disse...

Pois é, o Ben Bernanke (e outros banqueiros centrais) criam triliões do nada para salvar os Banqueiros e os restantes Capitalistas.

Mas os degenerados neoliberais "ai, ai, ai a hiperinflação!!!" quando alguém defende que este esquema seja utilizado para ajudar a economia produtiva e quem trabalha.

Este mundo está podre, provavelmente sempre esteve nesta condição...

E depois acham que nós não estamos em guerra?
Uma guerra entre as "elites" e os restantes...

Paulo Coimbra disse...

O vídeo é da facto imperdível. Nem sei se ria ou se chore.