No início de Junho de 2013, o então ainda ministro Vítor Gaspar tentava justificar, no Parlamento, a quebra do investimento no primeiro trimestre desse ano com a adversidade das «condições meteorológicas» que, segundo o titular da pasta das Finanças, teria prejudicado «a actividade da construção». A chuva - e não o impacto da sua visionária «austeridade expansionista» - seria pois a grande responsável pela contracção da economia nos primeiros meses do ano.
Porém, uma simples consulta do «Inquérito Qualitativo de Conjuntura à Construção e Obras Públicas», relativo a esse mesmo período, tratava de denunciar a mentira leviana do então ministro: de acordo com os empresários do sector, a insuficiência da procura constituía o principal obstáculo ao investimento (85%), seguindo-se a deterioração das perspectivas de venda (58%) e a dificuldade na obtenção de crédito bancário (54%). Quanto às famosas condições climatéricas desfavoráveis, surgiam na cauda da tabela, sendo referidas por apenas 5% dos inquiridos.
Na passada sexta-feira, no final da interpelação ao governo feita pelo BE, ao ser questionado sobre a diminuição do número de beneficiários de RSI, o vice-primeiro-ministro Paulo Portas decidiu ter o seu momento «Vítor Gaspar», ensaiando uma resposta pouco limpa e nada cautelar. Segundo Portas, os ex-beneficiários em questão teriam deixado «de ter rendimento mínimo porque, por acaso, tinham mais de 100 mil euros na conta bancária», o que levou o deputado Pedro Marques a anunciar que o PS iria dirigir uma pergunta por escrito ao governo, tendo em vista saber quantos, dos cem mil beneficiários do RSI que perderam recentemente o direito à prestação, «tinham 100 mil euros no banco».
Infelizmente, com a extinção, pelo actual executivo, da Comissão Nacional do Rendimento Social de Inserção (CNRSI) - que produzia relatórios da execução da medida e de caracterização dos beneficiários - torna-se hoje mais difícil aceder a dados detalhados que escrutinem a afirmação do ministro Paulo Portas. O que é pena, pois o último relatório desta comissão, de Junho de 2011, permitia por exemplo concluir que as situações de «fraude e abuso» (por incumprimento do programa de inserção, falsas declarações, falta à convocatória do IEFP, recusa do plano pessoal de emprego ou posse de património mobiliário superior ao limite, entre outras), representavam apenas cerca de 3% dos motivos de cessação da prestação, desmentindo portanto a tese, insistentemente propagada pela direita (e em particular pelo irrevogável partido de Paulo Portas), de que o RSI constituía um simples «subsídio à preguiça», concedido a uns malandros que dele não precisavam e apenas não pretendiam trabalhar.
Ora, é exactamente no quadro desta mesma sanha persecutória e miséria moral que se inscreve a insidiosa afirmação proferida por Paulo Portas. De facto, não só o Regulamento de Acesso ao RSI em vigor não determina a cessação da prestação a agregados familiares com depósitos bancários superiores a 100 mil euros (mas sim superiores a 25 mil euros), como a redução no número de beneficiários se verificou, paulatinamente, muito antes da fixação desse limite, para efeitos acesso ao RSI. O que a mentira descabelada de Paulo Portas procura esconder é pois outra coisa: ao apertar progressivo dos critérios de acesso à prestação, juntou-se, mais recentemente, um outro factor de exclusão, decorrente de regras administrativas responsáveis por sucessivos erros e atrasos dos serviços e que apenas servem para dificultar e até impedir, burocraticamente, o acesso e a permanência das famílias e indivíduos no RSI. Mas aguardemos, com expectante curiosidade, pela resposta que o ministro democrata-cristão Mota Soares fará chegar entretanto ao deputado socialista Pedro Marques.
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1 comentário:
Mais uma vez uma denuncia mais do que oportuna, pondo a nu a sordidez de quem opta por tratar destas questões da forma como o faz.
Relembro apenas algo sobre as justificações de Gaspar que parece que também se enganava a ler o boletim meteorológico
http://visao.sapo.pt/gaspar-tambem-se-engana-a-ler-o-boletim-meteorologico=f734685
De
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