domingo, 30 de março de 2014

Leituras

«Em 2012, o ano em que o país foi sujeito a um processo geral de empobrecimento, houve mais 85 mil pessoas atiradas para baixo dos limiares de subsistência. Se usarmos o rendimento de 2009 como referencial, são mais 360 mil pobres num ano. (...) O cerco montado aos candidatos a rendimento social de inserção, uma prestação atribuída a quem chegou ao fim da linha e já não dispõe de outras fontes de rendimento para se sustentar, tem tradução na intensidade da pobreza, que passou de 24,1% para os 27,3%. E o aperto em tudo o que é prestação social levou a que o contributo das transferências sociais relacionadas com doença, incapacidade, família, desemprego e inclusão contribuíssem cada vez menos para reduzir a pobreza. (...) É por isso que os cortes não concretizam a falaciosa "ética social na austeridade" e vulnerabilizam franjas cada vez maiores da população. (...) Em apenas um ano, a sociedade portuguesa ficou mais desigual, com mais pobres, maior intensidade de pobreza e maior taxa de privação material severa. Em reacção aos números, o primeiro-ministro veio dizer que é preciso proteger os portugueses que não podem dispensar apoios sociais e que é preciso reduzir "as desigualdades e injustiças sociais". O Documento de Estratégia Orçamental será a primeira oportunidade para demonstrá-lo.»

Elisabete Miranda, Os elos mais fracos

«Comecemos por desfazer um equívoco: este empobrecimento não era inevitável. Convém lembrar que os dados revelados pelo INE se referem aos rendimentos dos portugueses no ano de 2012, precisamente o ano em que o Governo foi mais longe na sua opção por uma austeridade "além da troika". Na verdade, esse foi o ano em que o Governo decidiu aplicar 9,6 mil milhões de euros de medidas de austeridade, duplicando o valor previsto no Memorando inicial da "troika" (4,8 mil milhões). (...) Acontece que esta política de austeridade reforçada teve graves consequências. Já se sabia que foi uma opção trágica para a economia e para o emprego, conduzindo a uma recessão muito mais profunda (-3.2% do PIB) e a um desemprego muito mais alto (15,7%) do que estava previsto. Mas faltava ainda saber o impacto da "estratégia de empobrecimento" no empobrecimento propriamente dito. Os resultados agora divulgados são elucidativos sobre o real significado do "sucesso" de que falam Passos Coelho e Paulo Portas. (...) Os dados são inequívocos e mostram que a política do Governo se transformou numa tremenda fábrica de fazer pobres. Em apenas ano e meio, esta absurda "estratégia de empobrecimento" provocou um duplo retrocesso social, de proporções gigantescas: um retrocesso de seis anos no combate às desigualdades e um retrocesso de oito anos no combate à pobreza.»

Pedro Silva Pereira, A fábrica de fazer pobres

«O Governo prometeu empenhar-se em fazer o País "sair desta situação, empobrecendo". Cumpriu uma parte: a do empobrecimento. Os dados esta semana publicados pelo INE relativos a 2012 mostram, de facto, como o Governo honrou a promessa de empobrecer a grande maioria dos portugueses. Há neste relatório duas informações essenciais sobre o que é o País depois do choque de empobrecimento prometido e cumprido. A primeira é a de que a austeridade agravou e espalhou a pobreza. Um milhão e cem mil pessoas - mais 200 mil do que em 2010 - vivem em condição de pobreza severa (ou seja, não conseguem satisfazer as suas necessidades mais elementares). Um em cada quatro portugueses é pobre - uma subida de 25% em apenas quatro anos. (...) Mas os números do INE revelam-nos uma segunda imagem do País sob as políticas de austeridade. A diferença entre o rendimento dos 10% mais ricos e dos 10% mais pobres passou de 9,2 vezes em 2009 para 10,7 vezes em 2012. Os números são como o algodão: não mentem. E neles vai clara a demonstração de que houve uma parte do País a quem a promessa governamental de empobrecimento não se aplicou de todo.»

José Manuel Pureza, Promessas cumpridas

«Vítor Bento, economista, conselheiro de Estado, disse, no mesmo dia em que novos dados sobre a gravidade do empobrecimento dos portugueses vieram a público, que "o país empobreceu menos do que parece. O país já era pobre, vivia era com vida de rico". (...) A legitimação do ataque a salários, pensões e reformas, do quase confisco administrativo e fiscal do rendimento das pessoas e das famílias, da facilitação do despedimento para criar um exército de mão-de-obra barata, enquadra-se na ideia de que é aí que está a "riqueza aparente" que uma sã economia não pode tolerar, primeiro porque as pessoas consomem mais do que o que devem, depois porque é preciso baixar os salários para o "custo" da mão-de-obra ser "competitivo". Atacar essa "riqueza" inexistente para abrir caminho à absoluta necessidade da pobreza, é um instrumento político, e é uma ideia sobre Portugal e os portugueses. Por isso, esperem por mais, porque se "o país empobreceu menos do que parece", é porque ele ainda não empobreceu tudo o que podia e devia.»

José Pacheco Pereira, O país que vivia "vida de rico"

3 comentários:

Jose disse...

Como sempre cabe aos velhos e novos pobres deste país pagar o maior preço pelos dislates dos seus dirigentes e dessa élite´lamuriosa que sempre os serve como mera ilustração dos seus elevados sentimentos sociais e como permanente factor de sustentação das suas teorias políticas.
Mas não se criminaliza a corrupção, e à demagogia e à mentira dão o nome de luta política!

Anónimo disse...

"É o capitalismo estúpido"
Con os mesmos donos que Portugal tinha antes de 25 de Abril de 1974.
Há para aí um documentário exemplar que mostra a carantonha,os tiques, as manobras, as mixórdias,a corruçpão e os levantares de mão solidários com o pútrido e nescio salazar por parte desses tais donos.Que governam de novo o país sob o comando ultraliberal dos passos e dos cavacos de ocasião.

Quanto aos pobres...pagam sempre a factura.E até há quem uive por mais desemprego e se exprima para com os funcionários do mesmo modo que os nazis se exprimiam face aos judeus.
De

Anónimo disse...

Demagogia é defender o pagamento de uma dívida à custa dos sacrifícios do povo.

Quem defende o pagamento da dívida só pode estar a soldo de interesses contrários ao bem estar do povo.

Seria bom que o MP investigasse bem as pessoas que continuam a endividar o país com recurso a operações financeiras pouco claras.