Os episódios mais recentes da crise política estão a ampliar a compreensão de como opera a engenharia neoliberal – apoiando-se na globalização financeira e na captura do Estado pelos seus gestores e produtos, com a ajuda de instituições europeias e internacionais. Esta percepção pública é fundamental para se entender os interesses divergentes em jogo, que nenhuma «salvação nacional» resolveria, e para que se lute por soluções políticas capazes de afrontar as mil e uma formas de extorsão e de opacidade escondidas atrás da obediência servil aos mercados financeiros.
Durante muito tempo, tudo foi feito para que os achássemos abstractos, quase do reino da ficção. A economia real era a outra, a que produzia os bens e produtos necessários aos nosso consumo, circulação, comunicação, etc.. Nos jornais, as páginas de economia vinham no fim, para especialistas, e as notícias sobre produtos financeiros ou variações bolsistas pareciam ainda mais distantes, para o cidadão comum, do que os engarrafamentos em Lisboa ou no Porto diariamente levados por rádios e televisões a pacatas e recônditas aldeias serranas pareceriam aos seus habitantes. Caímos na armadilha da indistinção entre dualismo e dualidade. Como agora sabemos, não estamos perante dois mundos separados, um «cá» e um «lá», como no dualismo, mas perante realidades interligadas, dualidades, que interagem «aqui» de acordo com interesses e relações de forças.
Laboriosamente construída, esta falta de informação e de transparência foi, e é, uma pedra angular do sistema montado. A economista Sara Rocha mostra isso mesmo no artigo que chamamos à capa nesta edição («SWAP: quando as empresas públicas vão ao casino»). Ao mesmo tempo que explica o que são estes contratos, que descreve os seus contornos mais ou menos tóxicos e que alerta para a sua dimensão e previsíveis perdas para o erário público – em consequência de negócios, altamente lesivos, celebrados por instituições financeiras e do sector empresarial do Estado –, a autora mostra como estas engenharias foram montadas no contexto da União Europeia, logo com a obrigação de cumprimento dos critérios de Maastricht. Os processos de desorçamentação, subfinanciamento crónico e défices crescentes só pioraram com a falta de instrumentos de política económica e monetária imposta pela zona euro e, mais recentemente, com a imposição de políticas austeritárias no quadro do empréstimo da Troika (Banco Central Europeu, Fundo Europeu de Estabilização Financeira e Fundo Monetário Internacional).
Sandra Monteiro, Consistências tóxicas, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Agosto de 2013.
Muitos e bons artigos sobre crises e resistências e um livro, que pode e deve ser comprado com o jornal, sobre um debate que não vai parar, ou não fosse sobre a questão nacional, que é europeia, mais importante, e ao qual voltarei em próximo poste. Tudo num, ou com um, jornal que desintoxica.
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