sábado, 22 de janeiro de 2022

Taxa de juro: apesar de você, preço mesmo político

Marriner Eccles, presidente da Reserva Federal dos EUA entre 1936 e 1948, explicou-nos: “é uma ilusão pensar que (...) o mercado controla a taxa de juro (...) não é verdade”. A história recente ilustra-o de modo particularmente gráfico. 


Através de comunicado de 16 de Dezembro de 2021 ficámos a saber que “[n]o primeiro trimestre de 2022, o Conselho do BCE espera realizar compras de ativos líquidos ao abrigo do PEPP a um ritmo mais baixo do que no trimestre anterior. No final de Março de 2022, o Conselho do BCE suspenderá as compras de ativos líquidos ao abrigo do PEPP”. 

Como evoluiu, a partir do dia seguinte, 17 de Dezembro de 2021, a taxa de juro das obrigações do tesouro de Portugal? 


O que diz João Leão acerca disto? 

“Sabemos que os mercados, ao nível do financiamento dos países e das empresas, estão a reagir e as taxas de juro estão aí a aumentar e esse é um desafio que vamos ter de enfrentar, pela primeira vez nos últimos anos, que é o aumento das taxas de juro para o futuro”. 

Sim, digamos que aumentos da taxa de juro, numa economia endividada em 767 mil milhões de euros e que produz anualmente 211 mil milhões de euros, constituem um desafio. Bem, calhando, desafio é capaz de não ser o adjetivo adequado para descrever a onda de insolvências e desemprego que nos esperaria se esse aumento atingisse valores significativos. 

Assim sendo, aumentos de taxas de juro em Portugal, porquê? 

Em Portugal, com a inflação, medida pela variação anual do Índice Harmonizado de Preços no Consumidor, nos 0,9%, ou, medida pela sua variação homóloga, nos 2,6%, a subida da taxa de juro, receita errada em qualquer dos casos, não pode ser usada como justificação. 

Então como se explica toda esta compreensão com uma alegadamente inevitável subida da taxa de juros?

Desde logo, porque parece interessar a fracções mais afoitas, mas não menos irrealistas, dos que mandam; grupos de credores do centro/norte da europa que parecem estar tão convencidos do seu poder, que acreditam que será sempre possível obrigar os devedores a pagar, não importa quanto quanto se degrade a relação entre r e g, entre juros e crescimento. Valha-nos, por hora, que parece também haver entre quem decide quem ainda não se tenha esquecido do que nos levou ao "whatever it takes".  

E depois, permitam-me, por favor, que recapitule: porque é necessário alimentar o tabu, fabricar controvérsia, enfim, deseducar o povo na mentira das taxas de juro controladas pelos mercados; caso contrário, se continuar este “entrelaçamento entre política monetária e política orçamental”, “existe o risco de que a consolidação orçamental necessária em alguns países do euro seja posta em causa”. 

Ou seja, com baixas taxas de juro é difícil continuar a esconder que tudo o pudermos fazer, podemos pagar. E, por isso, havendo dinheiro, torna-se impossível defender que tem de retomar-se o aprofundamento da reestruturação mercantil do Estado, o objetivo permanente da política neoliberal. 

Por exemplo, o sucesso do negócio da CUF em saúde, depende do sub-financiamento público, e da desarticulação subsequente, que consiga impor-se ao SNS. Sem poder dizer-se que o Estado não tem dinheiro, que o gastou em juros, isto não é politicamente fazível.  

Para outro exemplo, havendo dinheiro, relaxado o mecanismo disciplinador do desemprego por taxas de juro baixas, é difícil manter a intransigência nas relações de trabalho que assegura que os ganhos de produtividade, ainda que medíocres, porque resultam da sobre-exploração de mão de obra barata e insuficiente investimento, são inteiramente capturados pelo patronato

E, para um último exemplo, sem desviar dinheiro das reformas dos nossos, pode não ser possível voltar a suportar as extorsionárias taxas de juros de que beneficiaram as poupanças que se converteram em reformas deles. 

Logo, parece deduzir-se, um cenário de taxas de juro mais altas, “é um desafio que temos de enfrentar”, como nos afiança Sendeiro, ou melhor, Leão. Preparem-se. Estamos mesmo de regresso à idade das trevas


5 comentários:

Jose disse...

Na idade das luzes as taxas de juro são negativas?

Jaime Santos disse...

Não vale a pena explicar-lhe de novo que o que não podemos fazer, só podemos pagar com o dinheiro dos outros se o nosso próprio dinheiro valer alguma coisa. O que implica desde logo que seja convertível...

Quanto ao regresso à idade das trevas, se a Direita ganhar as eleições daqui por uma semana, como as sondagens parecem começar a indicar, ele é de facto capaz de chegar mais cedo.

Para o evitar tinha havido um bom remédio, deixar passar um OE 2022 que poderia não ser o melhor, mas que seria com certeza infinitamente melhor que o de Rui Rio.

Não há, Paulo Coimbra, uma maioria para fazer o que pretende, nem haverá. Aliás, a sua minoria é cada vez mais pequena.

A Esquerda é burra, perguntava Boaventura Sousa Santos ontem no Público? Parece-me que a resposta é óbvia...

Óscar Pereira disse...

Caro Jaime,

Para si, tenho apenas a dizer estas palavras de um tal John F. Kennedy:

Those who make peaceful revolution impossible will make violent revolution inevitable.

O discurso do TINA, induzido pelas idiotas regras do euro, já levou partidos neonazis a vários parlamentos por essa Europa fora -- incluindo, pela primeira vez depois da WWII, ao parlamento federal alemão. O que nos anos 90 era algo tido como inconcebível! Continue assim, a dizer que não há alternativa, e depois não se queixe do resultado... (o problema é que quando isto der mesmo para o torto, não vai ser só o Jaime a sofrer...)

Monteiro disse...

Quanto é que Portugal paga anualmente de juros? É que de Receita de IRC tem apenas 5 Mil Milhões de Euros...e ainda falam em baixar os impostos. Cambada.

Anónimo disse...

Avaliar Portugal com as regras com que se avalia um País indepedente?.
Portugal não é um País independente, com moeda, economia e finanças independentes, próprias, pelo que não pode ser avaliada a sua situação nestes, com estes, parâmetros, como se o fosse.
Portugal é, e continuará a ser, um bairro individado, pobre.
Um "centro de despesas" na contabilidade oficial da União Europeia/Euro.
No entanto, graças à impotência do "Governo nacional", do dito País, de legalmente defender interesses "nacionais" mas sim, ter que obedecer às normas centralizantes de Bruxelas, o dito "País" também é uma fonte de (incontrolada) receita para variados grupos privados, económicos e financeiros.