segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Toda a economia é política


A crise económica do capitalismo global está a gerar uma situação paradoxal: por um lado, um reforço das políticas económicas que nos conduziram à actual crise e que prometem gerar ainda mais crises e desigualdades sociais e regionais, até à reversão política deste processo ou até à autodestruição do euro; por outro lado, uma intensificação do debate entre os estudiosos da economia acerca da melhor maneira de pensar as relações sociais e políticas subjacentes à provisão económica e acerca dos valores que devem orientar a sua reorganização democrática.

A crise reforçou duas tendências intelectuais positivas que podem, a prazo, ter consequências políticas fundamentais. Isto acreditando que as ideias são uma força material quando adquirem força cidadã. Em primeiro lugar, a crise reforçou o interesse das diversas ciências sociais – da sociologia à psicologia social – pelos processos económicos reais. Em segundo lugar, a crise deu alguma visibilidade a correntes que dentro da própria ciência económica há muito vinham dizendo que a “rainha das ciências sociais” vai nua: a fixação da maioria dos economistas por idealismos mercantis, por uma autêntica utopia económica, no que reproduziram a formação académica recebida, teve consequências científicas e políticas desastrosas.

A ciência económica convencional tornou-se incapaz de explicar os mecanismos dos capitalismos realmente existentes e as exigências de reforma para tornar os sistemas económicos mais sustentáveis social e ecologicamente. A coisa foi ainda pior: a ciência económica foi colonizada pelo dinheiro e tornou-se uma engenharia política ao serviço dos poderes capitalistas mais perniciosos. Em certa medida, a economia neoliberal criou as condições intelectuais e institucionais para a autodestruição económica real.

Neste contexto, a economia é mesmo demasiado importante para ser monopólio de uma economia convencional, que tem também imensas responsabilidades na desastrosa austeridade assimétrica que agora se segue. Esta convicção está na base da conferência internacional que organizamos no Centro de Estudos Sociais (CES), em Coimbra, entre os próximos dias 21 e 23 de Outubro. O leitor português é muito bem-vindo ao esforço internacional para “renovar a economia política”. Poderá assistir a dezenas de comunicações sobre economia em que o objecto de estudo é mais importante do que divisões disciplinares tantas vezes artificiais.

Alguns investigadores internacionais passarão por Coimbra: de Peter Hall da Universidade de Harvard, um dos especialistas nas variedades do capitalismo, ou seja, no que está na base, por exemplo, da distinção entre o igualitário capitalismo nórdico e o desigual e financeirizado capitalismo anglo-saxónico, até a Joan Martinez-Alier, um dos fundadores da economia ecológica, ou seja, do pensamento económico que toma em conta a natureza e os seus fluxos e tenta propor formas sustentáveis de produzir. Isto para não falar dos portugueses José Reis, um defensor da economia impura, ou da economista Ana Cordeiro Santos, que tem analisado o impacto real da ciência económica na construção das economias. Trata-se, para retomar os termos do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, também participante na conferência, de pensar a economia como “um conhecimento prudente para uma vida decente”. O que poderia ser mais realista?

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