terça-feira, 26 de outubro de 2010

Foice em Seara Alheia

Vai na blogoesfera uma animada polémica entre dois economistas, Ricardo Reis, professor em Nova Iorque e João Galamba, deputado independente pelo PS. Boa parte da discussão é dedicada ao que se disse ou não disse no colóquio da Assembleia da República, com recurso a argumentos de autoridade pelo meio. Não me interessa, até porque não estive presente. Todavia, este post de Ricardo Reis merece uns breves comentários. Para este economista não é nada claro que os actuais cortes orçamentais tenham efeitos recessivos na economia. Há muitos estudos e teorias de sinal contrário em relação ao assunto, argumenta. Nomeadamente um trabalho de Alesina e Ardagna e o, já mencionado aqui, estudo do FMI. E assim o economista se mostra agnóstico quanto aos efeitos do actual orçamento. Cautela e modéstia intelectual? Nem por isso. Quando se argumenta que isto pode dar para os dois lados (crescimento ou recessão) está a defender-se a actual política de austeridade, que aliás vai de encontro às preferências de Reis: corte-se nos salários e na despesa social para mostrar credibilidade.

De qualquer forma, Reis parece, pelo menos, estar inclinado para os efeitos positivos da austeridade. Se este artigo não bastasse, comecei a ficar desconfiado da honestidade da posição de Reis na forma como argumenta que o efeito expansionista da austeridade orçamental foi “bem estudado e inspeccionado empiricamente”. Os dois estudos não são completamente independentes. O FMI é muito crítico nas escolhas metodológicas de Alesina e Ardagna. E fiquei ainda mais perplexo ao ler a forma como estes últimos prescindem de estudar os efeitos das taxas de juro e de câmbio (controlados no seu modelo, é certo, mas nem à forma de o fazer temos acesso), dois factores que também Reis prefere ignorar.

Finalmente, "pasmei" em saber que economistas que defendem uma redução salarial entre 10% e 20% em Portugal, como Blanchard, são de esquerda. Para Reis, o FMI deve ser uma instituição ao serviço dos trabalhadores. Pelo menos temos a vantagem de saber que, para Ricardo Reis, há economistas de esquerda e de direita, por mais desnorteado que ele pareça. Aliás pelo tom da sua posta ele deve afirmar-se nem carne, nem peixe. Um mero técnico do tofu.

A minha posição metodológica está longe dos debates entre o FMI e o Alesina. Só através estudo cuidado da realidade da economia portuguesa nos últimos anos e, recusando amálgamas estatísticas, podemos ter um melhor conhecimento do que o futuro nos reserva. Exemplo disso é este trabalho histórico do Instituto Roosevelt, analisando todas as variáveis onde, embora (ou se calhar, por isso) sem modelos econométricos, se conclui que austeridade em tempos de crise, sobretudo num contexto de impossibilidade de desvalorização cambial, só tem um efeito: recessão. Mais, como mostrámos aqui, pelo efeito dos balanços financeiros em que famílias, empresas e estado tornam remota, ao procurar aliviar simultaneamente o peso do fardo dívida, uma recuperação da economia portuguesa. Diagnósticos diferentes dão prescrições diferentes, como esta do CEPR, que argumenta bem pela necessidade actual de estímulo nas economias periféricas (no caso Espanha). Li no jornal que Reis falou da necessidade de se pensar na reestruturação da dívida. Ainda bem. Convém é que o processo seja liderado pelos devedores e não pelos credores.

14 comentários:

João Galamba disse...

Nuno,

Como é óbvio concordo com tudo o que aqui escreves. Entretanto, já respondi a Ricardo Reis.

Abraço
JG

Eduardo disse...

Não querendo incomodar e não esperando resposta, onde está o efeito expansionista das políticas de aumento da despesa que tivemos nos últimos 10 anos? É que fomos o terceiro país do mundo que menos cresceu na última década...

Tiago Santos disse...

Caro Eduardo, há-de dizer-nos onde foi buscar essa das políticas de aumento de despesa dos últimos 10 anos...a sério...

Carlos Albuquerque disse...

Gostaria de subscrever a pergunta do Eduardo, com a diferença que esperava uma resposta.

Tiago Santos disse...

Pois...mas hão-de me dizer onde estiveram as políticas expansionistas da última década...é que eu não vi...

Carlos Albuquerque disse...

Tiago: Fui ver o Pordata, no tema "Contas Nacionais", 1-Administrações Públicas - Despesas, Receitas e Défice Público, onde se encontram as despesas das Administrações Públicas. Mesmo corrigindo com a inflação, o que vejo é que desde 1995 a despesa pública não parou de aumentar, com excepção de 2006.

Deveríamos acrescentar aqui os compromissos assumidos mas não pagos, como PPP's e outras dívidas garantidas pelo estado.

Porque é que toda esta despesa não nos assegura um excelente crescimento económico? Porque é que mais dívida, neste momento já a taxas exorbitantes, nos fará crescer o que não crescemos?

Como é que vamos pagar as PPPs cujos pagamentos foram adiados para 2014?

Se reestruturarmos a dívida, vamos ter crédito mais barato e abundante? Como vamos ser expansionistas se reestruturarmos a dívida? Vamos sair do Euro? Sair do Euro vai melhorar a qualidade de vida dos portugueses? Como vamos comprar alimentos e petróleo com uma moeda fraca e em desvalorização?

tempus fugit à pressa disse...

simples, quando a expansão ´da despesa nos últimos 25 anos é feita à custa do betão, do consumo e do alcatrão

o efeito expansionista é temporalmente muito limitadinho

estes professores de matemática
só lá chegam com calculadora
que tal vão os jogos do Jorge Nuno Silva?

tempus fugit à pressa disse...

Infelizmente tem muitos pontos válidos

Sair do Euro vai melhorar a qualidade de vida dos portugueses?
Da maioria 90% nem por isso

Como vamos comprar alimentos e petróleo com uma moeda fraca e em desvalorização?
Comemos menos, carros ficam parados como em 77

esqueceu-se foi dos medicamentos
com 2 milhões de idosos e hipocondríacos
como vamos pagar medicamentos de farmacêuticas que deslocalizaram a produção?

eu cá tomo poucos

podíamos voltar à medicina popular

Tiago Santos disse...

Caro Carlos Albuquerque...

Mas que raio de política expansionista é essa que está a falar?

Basta ler dois ou três posts aqui nos ladrões para perceber que ninguém aqui defende que os gastos do Estado por si só sejam alguma coisa de expansionista para uma economia.

A questão é que não houve nenhuma política expansionista. Que se gastou mais isso eu sei, mas se na escola onde estudou economia lhe disseram que gastar mais era uma política expansionista por si só, ensinaram-lhe mal.

"Porque é que toda esta despesa não nos assegura um excelente crescimento económico?"

Há-de-me dizer onde ouviu algum dos economistas aqui do sítio a defender que a despesa por si só leva a algum crescimento económico...

Está exactamente metido naquela história da mentirola dos economistas de Belém que o José Castro Caldas falava aqui há dias...

Carlos Albuquerque disse...

Tiago

Explique-me então, por favor, que política sugere neste momento para Portugal e, se for o caso, como a financiaria.

Carlos Albuquerque disse...

Só mais uma coisa, Tiago. Poderia ajudar-me a perceber porque razão o BE e o PCP apoiaram o TGV em Maio? É que se não foi pela convicção que essa despesa iria ajudar a economia, porque foi?

Tiago Santos disse...

http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2010/10/qual-e-mentirola-predilecta-dos.html

Leia este post do JCC e percebe o que lhe estou a dizer...

E também percebe que, o TGV, só por si, não é bom nem mau para a economia. Por exemplo, diversos estudos, como este:

http://www.dpp.pt/pages/files/investimento_publico_privado.pdf

Mostram que existe uma relação positiva entre o investimento público e o crescimento e ainda que esse investimento tem rendibilidade bastante elevada, de forma que o seu efeito no PIB leva a um aumento das receitas públicas que paga o próprio investimento.

No entanto, é verdade que isto não diz nada sobre o investimento no TGV particularmente, mas chega para provar que o o investimento público não é, longe disso, igual a dinheiro atirado para o lixo.

Há outros pontos a acrescentar: este estudo fala da formação brutal de capital do sector público, não de despesa. O que o estudo ainda mostra é que o investimento da administração pública tem vindo a diminuir desde meados dos anos 90. A despesa não é toda igual...

Mas é verdade quando diz que não temos dinheiro no curto prazo para fazer o TGV. Isto apenas mostra que a estratégia para a saída da crise devia ser seguida a nível europeu, por exemplo com estimulos concertados à economia europeia que é o que fazem os EUA ou o Japão. Nós estamos presos a um colete de forças de uma UEM disfuncional e que se não mudar logo nos seus pressupostos, há muito pouco que possamos fazer realmente...

Carlos Albuquerque disse...

Tiago

O que o JCC diz não é difícil de entender. Mais difícil de entender é que nunca apareça uma alínea (f) que diga: quando o défice está nos 10% e as taxas de juro da dívida pública acima dos 6% não reduzir o défice é garantia de desastre imediato.

Como reconhece, o estado não tem neste momento qualquer alternativa senão reduzir custos. Então porque é que tantos economistas gastam tanto tempo a criticar a austeridade em vez de criticarem o modo como ela é posta em prática?

Quanto ao investimento público, não tenho dúvidas que, havendo meios, pode ser muito positivo. As dúvidas que tenho é quanto a investimento em infraestruturas de necessidade duvidosa, manutenção cara e ainda por cima em PPP.

Quanto ao TGV há análises de custo benefício detalhadas que mostram que o TGV pode ser vantajoso se tiver milhões de passageiros por ano e se contabilizarmos generosamente todos os tipos de benefícios, por muito vagos ou incertos que sejam.

Comprometer mais meios com base em pressupostos muito pouco realistas já é mau. Fazê-lo em situação de crise financeira gravíssima, como em Maio, está para além da minha compreensão.

Quanto ao que podemos fazer, há muito, sobretudo em duas direcções:
1) Procurar reduzir todo o tipo de desperdícios no sector público, sobretudo os desperdícios associados a benesses duvidosas dadas por razões políticas ou até ilícitas. Há indícios que sugerem que o estado gasta muito dinheiro devido à corrupção.
2) Procurar que os cortes sejam feitos com sensibilidade social protegendo os que menos podem e evitando agravar as desigualdades.

Tiago Santos disse...

"quando o défice está nos 10% e as taxas de juro da dívida pública acima dos 6% não reduzir o défice é garantia de desastre imediato."

É aqui que está, quanto a mim, o seu grande erro. Não é garantia de nada. Apenas significa que o sistema económico é disfuncional. Que o mesmo liberalismo que nos empurrou para esse valor de défice é o mesmo que nos impõe a taxa de juro de 6% para a divida pública.

Daí que eu, como todos os ladrões aqui do sitio defendemos que a solução deve ser encontrada ao nível da UE. Se é a países da UE e a bancos da UE que os países do sul da Europa devem mais, uma reestruturação das dividas de forma a que fossem pagas assim que se conseguisse crescimento económico, e por agora um plano concertado a nível europeu de estímulos à economia, com especial atenção para os países mais débeis era o caminho. Foi assim que os países europeus sairam rapidamente dos problemas da II GM. Penso que o caminho é esse novamente.

Quanto ao combate ao desperdício concordo plenamente, como concordo na crítica às PPP e concordo que se não fosse esse desperdício teriamos muito mais margem de manobra para estimular a economia a nível apenas nacional.