Fui tirar a fotografia de candidato ao Centro de Trabalho do PCP, junto a Coimbra A, estação em risco, na semana passada. Na sala de exposições e debates, onde decorreu a sessão fotográfica, estava uma retrospetiva da pintura e desenho de um historiador da minha faculdade, infelizmente já falecido, chamado Jaime Ferreira. Uma proposta de história do pão é a obra de referência de um intelectual que vive no meio da arte e da memória engajadas. Desde os tempos de estudante que pintava e desenhava, muitas vezes sob pseudónimo, chegando a fazer capas para a revista Vértice que o lápis azul marcou.
Quando cheguei ao Centro onde se faz trabalho político reconheci a outra candidata independente da CDU, que também ia tirar a foto: Vanda Pereira trabalha como operadora de caixa num supermercado onde me abasteço regularmente e é uma valorosa dirigente sindical. É um setor feminizado e onde “sabe bem pagar tão pouco”. Este é o feminismo que conta. Já tivemos oportunidade de falar sobre lutas de classes. O espírito da Constituição da República Portuguesa de 1976 passa por aqui: nunca se desiste da “sociedade sem classes”, da igualdade cidadã baseada nos valores do trabalho com utilidade social, da distribuição ao ensino.
Na passada sexta-feira, participei no jantar-comício com Paulo Raimundo e Fernando Teixeira, que reuniu meio milhar de pessoas em Arzila, na sede do grupo folclórico: comeu-se uma sopa de legumes, um rancho e um arroz doce muito bons. Como se cozinha assim para tanta gente? Mistérios da criação coletiva. Tive lugar à mesa e isso é o mais importante. Atentai sempre nas mãos visíveis, mas que uns poucos, muito poderosos, querem invisibilizar. Certamente inspiradas pela comida e pelo ambiente, as intervenções tiveram uma toada justa: 103 anos de combate a todas as direitas. No fim cantou-se a Grândola e a Portuguesa. Ninguém passa bem sem rituais.
Lembrei-me de repente que há mais de um quarto de século, em 1995, acabado de entrar na JCP aos 18 anos, andámos por ali em campanha com Álvaro Cunhal. Falou em cima de uma carrinha de caixa aberta, “o cavalo branco ainda está em forma, bolas”, contaram-me que vociferou alguém, sem simpatia política, mas com admiração pela fibra. Nesse dia, almocei em frente dele na Figueira da Foz. Era setembro e estava aquela luz inconfundível da Figueira. Fui feliz e soube disso.
Ontem, domingo, fiz campanha na Feira de Lorvão, junto ao famoso mosteiro, que já foi hospital psiquiátrico. Estava pouca gente, mas se calhar até por isso deu para conversar calmamente com um concidadão, com quem de outra forma não falaria. Sair da minha bolha: “agradeço ao partido, porque graças a ele não termino em mim mesmo”, já dizia Pablo Neruda.
Desculpai, mas é que, paradoxalmente, sai-me ultimamente este registo mais pessoal no meio da ação coletiva. O nós, a intencionalidade coletiva, é mais do que a soma de eus, bem sei.
Também sei por introspeção que, para lá da medicina e da psicoterapia, não há, como magnificamente defendeu Mark Fisher em Realismo Capitalista, melhor antídoto para a melancolia política e a depressão do que a convergência com os outros, abrindo para a esperança mesmo em tempos sombrios: “um homem sozinho não é nada”, já dizia Manuel da Fonseca e disse mesmo bem.
Isto vai, amigos, isto vai.
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