sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Sobre escolhas orçamentais

Esta semana foi debatida uma proposta da Iniciativa (neo)Liberal para alteração dos escalões mais baixos do IRS e cujo impacto orçamental a UTAO calculou em aproximadamente 3 mil milhões de euros, ou seja 22,8% da Receita de IRS.

Perante isto, no twitter, os críticos fizeram a pergunta sobre de onde vem o dinheiro para compensar este buraco orçamental, o que levou a algumas respostas bem bizarras.

Segundo os seus proponentes, a descida do imposto teria como efeito um estímulo económico sobre a procura que, através do aumento do consumo e do efeito do clássico multiplicador keynesiano, ia compensar em grande medida a perda de receita. A perda no orçamento seria, portanto, (bem) abaixo dos 3 mil milhões. A existência deste efeito não é muito controversa, mas também mostraram que não tinham feito qualquer conta relativamente ao impacto real que a medida efetivamente teria.


Não sei se esperava ver os nossos (neo)Liberais a defenderem ideias keynesianas. Mas é óbvio que o recurso à ideia de estímulo orçamental keynesiano foi hipócrita e não corresponde a nenhum propósito real da medida. No entanto, a crítica em si também foi deslocada. Se há pergunta que a direita gosta de fazer relativamente às propostas da esquerda, é essa. E diga-se, a bem da verdade, que muitas das propostas da esquerda custam dinheiro.

No fim de contas, o que este episódio mostra é que afinal a diferença não é, nunca foi, sobre haver ou não haver dinheiro, mas sim, sobre o que se faz com ele. De facto, quando os (neo)liberais se servem do multiplicador keynesiano para defender a sua proposta têm de ser confrontados com o facto de que o mesmo efeito multiplicador existe num aumento da despesa ou do investimento público e provavelmente até com um efeito expansionista maior.

A partir deste ponto, percebemos que, afinal, a questão essencial é sobre o que queremos fazer, enquanto sociedade, com o dinheiro. Devolver o IRS a uma classe média depauperada não será, certamente, a pior das propostas (principalmente comparando com outras que a mesma IL tem feito recentemente), mas podemos propor outras coisas que, com certeza, terão um impacto mais positivo para quem menos tem: as minhas propostas seriam o investimento público no SNS, na Educação, na Habitação e nos Transportes.

Uma boa ilustração dessa extrema necessidade encontra-se nestes dados que o Miguel Faria e Castro tem vindo a expor recorrentemente e que mostram a extrema necessidade de recuperar o investimento público e que explicam, por sua vez, o estado de degradação a que chegaram tantos serviços públicos essenciais:



É aí que está a diferença. No limite, se a quebra da receita levar à necessidade de privatização de serviços públicos e decorrente aumento dos custos privados dos cidadãos com esses serviços, até o considerarão um efeito positivo. A Iniciativa (neo)Liberal, no fim de contas, procura apenas substituir serviços públicos pelo individualismo capitalista onde uns (sempre) ganham e outros (sempre) perdem. Contra estas propostas, a nossa tem de ser a de reforçar o uso dos instrumentos coletivos que permitem uma vida digna para todos.

3 comentários:

Anónimo disse...

"E diga-se, a bem da verdade, que muitas das propostas da esquerda custam dinheiro".

Eu estou em crer que não quis dizer que o dinheiro "custa", mas que o dinheiro "vale".

O que custa é a vida; ou melhor, custam ou beneficiam os efeitos de um determinado valor (quer seja lido em dinheiro ou, por exemplo, numa terceira ponte sobre o Tejo) que se podem ter sobre a vida social. Ou seja, apenas se "custa" numa perspectiva individualóide, e que leva este blog a criticar tanto e corretamente quando se extrapola para uma economia de Estado.

Obviamente, a proposta do IL nada tem que ver com crescimento económico por via do consumo, mas, na onda da redução do valor dos rendimentos, transferir mais 3 mil milhões de euros de dinheiro público - em valor - para o capital, com altos custos sobre os serviços e necessidades públicas.

Nota: não deixa de ser engraçado a forma infantil como estes "liberais" entendem o conceito de "consumo"; para eles, como as coisas sempre "custam", faz com que não hajam alternativas.

Anónimo disse...

Das extensas matérias económicas, que há uns bons anos atrás, me tive que dedicar com afinco – desde a macro e micro introdução ao estudo das ditas cujas, passando pela econometria e culminando na regional -, e sempre com a “bíblia” Samuelson ao lado (em voga na altura e moda que creio que persiste ainda hoje), a ilação válida que retirei, foi a confirmação do juízo que previamente tinha já formulado muito antes: a economia apresenta soluções (ceteris paribus, naturalmente!), para não problemas.
O verdadeiro problema irresolúvel que sempre subsistiu, subsiste e subsistirá, é o da distribuição (não o/a da Sonae Distribuição, embora faça também parte do problema).
E acoplado a este, a bazófia axiomática primordial (do ponto vista económico), dos recursos escassos.
Se o são, nos termos em que querem que o seja, então mais uma forte razão para que a “distribuição” seja o foco principal e o problema fundamental – mais eficiência, eficácia e justiça deverá comportar a sua distribuição.
Do corpo teórico convencional, excluo igualmente o “não é a consciência do homem que determina o seu ser social, mas o seu ser social que determina a consciência”, gizado pelo Pai Natal da Renânia, porque manifestamente se esqueceu do “inconsciente”. Seria com certeza muito mais sublime e desafiador a teoria económica do Freudxismo.
O verdadeiro motor e o coração da economia têm sido, desde antanho, a INVEJA - tenho que ter mais que o meu vizinho e, se ele já tem, tenho que “criar” um artefacto ou uma tendência “inovadoras”.
Mas inveja por inveja, nem Samuelson nem Schumpeter. A outra Bíblia, a original, já contém vastíssimos capítulos versando o tema.
Já no campo da economia doméstica, fico sempre estarrecido cada vez que ouço que o nosso PIB cresceu ou cresceu acima da média da EU (perdão, da UE).
O indicador PIB neste país, sempre foi para mim, “Pobreza e Ignorância Brutas” e julgo que seria muito mais fiável e justo aferi-lo por este prisma. E assim construir todo um novo modelo teórico-prático económico, ainda que extravagante, com verdadeiras soluções para um sim-problema.

Rui Pedro Dias

Anónimo disse...

E a culpada não é a Rússia mas os Estados Unidos. Acordem...
The costs and consequences of Europe’s energy crisis are growing Despite appearances, the worst is yet to come

https://www.economist.com/briefing/2022/11/24/the-costs-and-consequences-of-europes-energy-crisis-are-growing?fbclid=IwAR2Dera9HylyXd1DuaP6tj_qiw0gxgfp2E6U9Wqa_vkVNpN_siJSFL-4Lvg