segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Mais e melhor energia


A guerra na Ucrânia e a escalada sancionatória arrastaram a União Europeia (UE) para um cenário de crise energética, provando, uma vez mais, que os mercados liberalizados não resolvem nada, sobretudo em sectores estratégicos, como é o caso da energia. Foi neste contexto que, a 10 de Outubro, o governo português apresentou o Orçamento do Estado para 2023 (OE 2023), que viria a ser aprovado na generalidade a 27 de Outubro. O primeiro-ministro, António Costa, afirmou que o governo identificou rapidamente respostas para fazer face à crise energética, através de «medidas económicas robustas e eficazes». Será mesmo assim?

O governo apresentou um pacote de apoio às famílias e empresas que de robusto e eficaz parece ter muito pouco. No que diz respeito ao reforço dos rendimentos, uma das três prioridades estabelecidas no OE 2023, o executivo destacou as seguintes medidas para «mitigar as subidas de preços e de juros» na esfera da energia: a redução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) na electricidade para 6%, a possibilidade de 1,5 milhões de consumidores do mercado liberalizado de gás natural transitarem para o mercado regulado, e a injecção de 3 mil milhões de euros no sector energético.

O OE 2023 fica, portanto, muito aquém do necessário para atenuar os efeitos da crise energética em Portugal. Senão, vejamos: a redução do IVA na electricidade para 6% é selectiva e, consequentemente, iníqua, uma vez que incide apenas sobre os consumos actualmente abrangidos pela taxa intermédia de 13% (os primeiros 100 kWh consumidos por mês) nas potências contratadas até 6,9 kVA. O consumo remanescente continuará a ser taxado a 23%. De acordo com as contas da DECO. o impacto na factura será residual, variando entre 1,08 e 1,62 euros (para as famílias numerosas). Em Espanha, por exemplo, o governo começou por baixar a taxa de 21% para 10% em Junho de 2021 e, um ano depois, reduziu-a para 5%.

O gás engarrafado, ao qual recorrem mais de dois milhões de famílias, particularmente as mais pobres, continua a ser excluído da descida do IVA, e também não é abrangido pela tarifa social de energia (que inclui electricidade e gás natural, perfazendo um total de 860 mil beneficiários). Além disso, nada aponta para que a limitação do preço máximo de venda de gás engarrafado ao público, em vigor desde Agosto, se torne definitiva. Ao invés de controlar os preços, o governo continua a apostar em medidas assistencialistas e, consequentemente, estigmatizantes. Por exemplo, o programa «bilha solidária», criado em Março, consiste num apoio de dez euros por cada botija, no limite de uma unidade por mês, e destina-se aos beneficiários da tarifa social de energia eléctrica e às famílias titulares de uma das prestações sociais mínimas.

O ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, reconheceu recentemente que o programa não teve a adesão desejada, muito possivelmente por desconhecimento em relação ao mesmo. Ora, ao contrário do que sucede com a tarifa social de energia, que é atribuída automaticamente, a responsabilidade no acesso a apoios como a «bilha solidária» recai sobre os cidadãos, que têm de se dirigir às suas juntas de freguesia munidos de uma série de comprovativos que atestem a sua elegibilidade.

Já a transição dos consumidores do mercado liberalizado de gás natural para o mercado regulado (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 57-B/2022, de 6 de Setembro), em vigor desde 7 de Setembro, foi veiculada pelo governo como a maior salvaguarda face aos aumentos antecipados por diversos comercializadores ainda durante o verão. Em Agosto, a EDP Comercial anunciou um aumento médio de 30 euros na factura mensal de gás natural para 650 mil clientes, a partir de 1 de Outubro e, pelo menos, até ao final do ano. A possibilidade de regresso à tarifa regulada de gás natural abrange um universo potencial de 1,5 milhões de consumidores, nomeadamente agregados familiares e pequenos negócios, mas estabelece apenas um regime excepcional e temporário (prevê-se uma vigência de doze meses).

O resto do artigo pode ser lido no Le Monde diplomatique - edição portuguesa de Novembro.


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