quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Querido diário - Moedas: “Não há alternativas viáveis ao ajustamento”

Público, 10/11/2012

As declarações de Carlos Moedas foram feitas aquando da sexta avaliação pela troica, da aplicação do Programa previsto no Memorando de Entendimento, num momento em que a coligação entre PSD e CDS já dava sinais de brecha. Já se dera a manifestação de Setembro por causa do agravamento em 7 pontos percentuais da TSU dos trabalhadores; já tinham sido chumbadas pelo TC medidas que visavam cortar na "despesa pública" - ou seja, nos direitos dos funcionários públicos -; e já fora apresentado a proposta de OE para 2013, com o "enorme aumento de impostos". Do ajustamento feito, previsto para 2013, cerca de 70% recaía sobre assalariados e pensionistas, mas o ministro das Finanças Vítor Gaspar continuava a afirmar que se tratava de uma maior equidade de esforço entre o Trabalho e o Capital...

Era inevitável? Carlos Moedas achava que sim. Era só preciso "afinar o rumo". Mas claro que havia alternativas. Bastava que se evitasse a desvalorização salarial em curso, tida como factor de aumento da competitividade externa. Desvalorização essa que, cumulativamente, fez com que os salários médios sejam hoje dominantemente muito baixos, fazendo até com que os economistas de direita se lamentem deles, embora sem nunca diagnosticarem que o que esteve na base dessa desvalorização, foi precisamente a política então seguida e que se mantém em vigor...

O problema estava, pois, nas ideias de quem estava à frente do Governo, a apostar teimosa e cegamente todas as "fichas" num programa que, segundo se supunha no início do seu mandato, iria mudar Portugal. O Memorando era tido como "um ponto de partida fundamental", já que a "austeridade na despesa do Estado" - como defendem hoje PSD, IL e Chega! - "virá a constituir, a prazo, uma alavanca para a melhoria da produtividade".

Programa do XIX Governo, o primeiro de Passos Coelho, pag2

A austeridade era "a oportunidade de corrigir erros passados". "Dada a natureza estruturante de algumas medidas", previstas no Memorando de Entendimento com a troica, "uma boa execução do Programa [com letra maiúscula] representará a realização de reformas estruturais há muito prometidas aos Portugueses, mas sempre adiadas".

E para esse programa - chamado "O Desafio da Mudança", Carlos Moedas tinha uma função fundamental: veja-se ao fundo da primeira página do Programa de Governo: estava à frente de Unidade de Missão para o Acompanhamento do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro acordado com a troica:
Programa do XIX Governo, pag.1

Ficam então mais estes documentos para quem agora já acha - valha-nos alguma coisa! - que afinal o esforço foi em sacrifício, em sofrimento, dolorido, em vão, porque ninguém gosta de fazer sofrer os seus concidadãos.

Valha-nos isso, que é já uma meia assunção de que o programa era um programa errado. Tal como o serão todos os que - sem fazer um diagnóstico claro das causas da situação - visem metodologias semelhantes às de 2012 e que -. descarados! - já estão na calha outra vez. E estão na calha, a repetir-se, porque os objetivos são idênticos. Ainda! Reduzir o papel do Estado na provisão dos direitos constitucionalmenbte consignados e entregá-los a agentes privados, os quais beneficiarão - privadamente - dessa privatização sem controlo.

Andamos nisto há décadas. Por todo o mundo.

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