quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Os coveiros


Da minha coluna de opinião no Diário Económico de hoje:

Sabemos já que a encarnação do neoliberalismo tardio que dá pelo nome de XIX Governo Constitucional – e que, aliás, seria mais apropriadamente apodado de Desgoverno Inconstitucional – é especialmente medíocre e predatória. Predatória na forma como ataca sem escrúpulos as conquistas do desenvolvimento português, bem como os direitos dos mais vulneráveis, para garantir benesses diversas a compadres e a complacência dos suseranos internacionais. Medíocre nos seus actores, nas suas pretensas "estratégias", nos argumentos falaciosos utilizados.

Tomemos o exemplo da Segurança Social, que segundo Passos Coelho terá inevitavelmente de sofrer alterações dada a sua pretensa insustentabilidade. Acaba de informar o País que "há pessoas que têm reformas pagas por aqueles que estão a trabalhar" (oh, surpresa: temos um sistema que ainda é principalmente de repartição e não de capitalização) para em seguida afirmar que os que agora trabalham "nunca terão" reformas a esse nível (anunciando assim apenas a intenção de desmantelar o sistema). Os contornos precisos não são claros, mas o modelo é conhecido: menor componente de solidariedade redistributiva; adiamentos consecutivos da idade da reforma; abertura de todo o espaço à capitalização privada via sistema financeiro, com apenas uma rede mínima de apoio aos indigentes. Esquecendo, respectivamente, que este é já um dos países mais desiguais da Europa e da OCDE e que a solidariedade redistributiva via Segurança Social é essencial para limitar o crescimento dessa desigualdade; que é absurdo alegar a necessidade do adiamento da idade da reforma quando mais de 1/5 da população activa está efectivamente desempregada e impedida de contribuir; e que os sistemas privados têm mostrado historicamente ser menos eficientes (devido às comissões) e muito mais propensos ao risco de colapso. Falam da esperança média de vida, mas o problema real é a morte provocada do desenvolvimento português.

Não surpreende: estamos perante os coveiros de Portugal.

3 comentários:

Anónimo disse...

por falar em pensionistas privilegiados, por que razão se mantém o direito dos juízes do Tribunal Constitucional (art. 23.ºa) da LTC: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/legislacao0101.html#art23A

Anónimo disse...

Excelente artigo, parabéns.
Apenas faltou dizer que a Segurança Social portuguesa é perfeitamente sustentável, com superavits na maioria dos anos anteriores, que se prevê a sua sustentabilidade nos próximos 50 anos, com apenas o recurso a 0,2% do PIB, isto apesar do golpe financeiro que foi a entrada no sistema dos rurais e empregadas domésticas, que não tinham contribuído.

João Carlos Graça disse...

Caro Alexandre
Bem vistas as coisas, já mesmo a noção de que a segurança social tem de ser financeiramente sustentável não é, ela própria, mais do uma falácia, como sublinha bem o Michel Hudson, aqui: http://www.counterpunch.org/2012/12/31/the-financial-war-against-the-economy-at-large/

"The emerging financial oligarchy seeks to shift taxes off banks and their major customers (real estate, natural resources and monopolies) onto labor.
Given the need to win voter acquiescence, this aim is best achieved by rolling back everyone’s taxes.
The easiest way to do this is to shrink government spending, headed by Social Security, Medicare and Medicaid. Yet these are the programs that enjoy the strongest voter support.
This fact has inspired what may be called the Big Lie of our epoch: the pretense that governments can only create money to pay the financial sector, and that the beneficiaries of social programs should be entirely responsible for paying for Social Security, Medicare and Medicaid, not the wealthy.
This Big Lie is used to reverse the concept of progressive taxation, turning the tax system into a ploy of the financial sector to levy tribute on the economy at large".