Este texto do João Rodrigues suscitou alguns comentários confusos e/ou mal informados.
A gravidade da situação em que o país se encontra, de facto lançado no mesmo trilho da Grécia, recomenda um debate informado e a explicitação dos mecanismos económicos e políticos que sustentam as afirmações dos críticos (os meus argumentos estão aqui).
Em boa verdade, o essencial do que estamos a viver já foi experimentado por outros países. A Argentina é um caso recente de aplicação da “desvalorização interna”, de que resultou uma grande depressão, com toda a miséria social que isso significa (ver este filme). Neste, como noutros casos, só a desvalorização da moeda e a autonomia da política económica permitiu tirar o país do buraco em que caiu, algo que é impossível se permanecermos na zona euro.
Apesar das hesitações
iniciais (anunciou o incumprimento da dívida em Dezembro de 2001 e apenas um mês
depois abandonou a paridade fixa com o dólar) e da improvisação de todo o
processo de ruptura com o FMI, o ponto de viragem da economia argentina começou
logo no segundo trimestre após a bancarrota.
A Argentina é um
caso particular mas comporta algumas lições que devemos ter em conta. Pelo
menos esta: “A experiência da Argentina põe em causa o mito popular
de que as recessões causadas por crises financeiras implicam forçosamente uma
recuperação lenta e dolorosa” (Weisbrot e outros).
10 comentários:
Caro Jorge Bateira,
para além de uma perspectiva estritamente economicista e de uma cegueira ou insensibilidade à dimensão política dos problemas - que, de resto, NÃO são habitualmente seu timbre -, convém lembrar que a situação em Portugal não é comparável com a da Argentina (que não teve de sair unilateralmente de outra moeda continental, etc.).
É verdade que é comparável sob aspectos decisivos à da Grécia, e, justamente, falando da Grécia, convém lembrar que o Syriza, para combater o austeritarismo, recomenda, não o regresso ao dracma, mas a europeização da luta e a exportação da "questão social" para os restantes países da UE (retoma, aliás, em parte, a posição de uma célebre Carta Aberta de Mikis Theodorakis e Manolis Glezos em defesa da Grecia, da Democracia e da Europa, cf. http://www.kaosenlared.net/kaos-tv/item/9560-la-“carta-abierta”-de-manolis-glezos-y-mikis-theodorakis-con-unas-anotaciones-al-margen-sobre-la-correlación-de-fuerzas-aqu%C3%AD.html).
Convém também lembrar que, sempre na Grécia, os partidários do regresso ao dracma são, por um lado, um KKE estalinista, e, por outro, os nazis da Aurora Dourada.
Mas sobre todos estes aspectos políticos que V. não considera, suponho que já disse o suficiente no comentário que deixei no post do João Rodrigues. Fico, pois, curioso de saber como é que um primeiro passo para a implosão da UE - ou sua dissolução, como recomenda Agostinho Lopes - poderá melhorar a situação da grande maioria da população portuguesa e contribuir para a democratização da Europa e do mundo.
Há ainda a hipótese, que V. poderá endossar, formulada por O. Teixeira e, noutro contexto, por Jerónimo de Sousa: a expulsão do euro. Caso seja essa a sua linha de argumentação, a minha resposta é a que já dei há uns tempos ao Pedro Viana:
'"[s]e a UE quiser chutar a Grécia", ou Portugal, "para fora do euro", o que temos a fazer é recusar a "expulsão", reclamar o nosso direito à Europa e o direito da Europa aos direitos e liberdades historicamente conquistados, apelar aos cidadãos da Europa contra os seus governos e as medidas de expulsão, mostrando e afirmando que medidas como essa degradarão inevitavelmente as condições de existência da grande maioria de todas as populações da UE' (cf.http://viasfacto.blogspot.pt/2012/11/resposta-ao-joao-bernardo.html).
Não é de "independência nacional" que precisamos para vencer o austeritarismo. O caminho terá de ser antes: mais democracia para a Europa, mais Europa para mais democracia.
Cordialmente
msp
Não tenho qualquer dúvida que a Argentina estava em melhores condições de seguir uma via de "autonomia" do que Portugal, porque para começar tem muitos mais recursos naturais.
Eu entendo a posição de quem se quer afastar do "nacionalismo" (JVA+MSP), e pretende alterar a União Europeia realmente existente, que com mais integração, nos permitirá sair da crise. A única solução imaginável hoje passaria pelos eurobonds e talvez uma maior intervenção estatal na banca falida.
A questão aqui no meio é: onde cabe o socialismo? Por um lado, nunca uma união europeia apoiada em instituições criadas para servir a classe capitalista permitiria que nos apoiássemos nos eurobonds se não fosse para resolver a crise salvando a banca, mas aí alto e pára o baile.
Finalmente, não sei bem qual posição é a vossa em relação ao horizonte do capitalismo, penso que estamos todos do mesmo lado da barricada contra ele. Eu subscrevo uma posição mais soberanista, mas temo que redundará num fracasso se Portugal não conseguir criar novas alianças estratégicas. Talvez tivéssemos de engolir o sapo do populismo chavista e lulista para nos conseguirmos abastecer de energia.
Do ponto de vista colectivo, poderá ser desejável. Do meu ponto de vista, poderá ser possível. Do ponto de vista individual, poderá ser ruinoso.
Trata-se de cenário que arruinará a classe média, já empobrecida pela extorsão fiscal. A não ser que o indíviduo se prepare. Isto porque do Estado nem bom alento nem bom alimento!
http://nostragallus.blogspot.pt/2012/10/portu-risco-2.html
Porquê sair do Euro?
Já sabemos que o Euro é uma moeda controlada por uma pequena oligarquia planetária que se recusa a emprestar aos países diretamente, mas que empresta aos bancos por tuta-e-meia que, por sua vez, emprestam aos Estados, Empresas e Famílias a juros usurários.
Porque não tornar então o Euro numa moeda verdadeiramente europeia? Que seria emprestada diretamente aos Estados que não pagariam qualquer juro por ela. Que seria emprestada aos bancos comerciais que seria emprestada, a juros completamente controlados às Empresas e Famílias?
(diz qualquer coisa de esquerda, D’ Alema…)
Caro Jorge Bateira, além de ter vindo a acompanhar o que tem escrito por aqui, vejo no texto “Resgatar Portugal para um Futuro Decente”, que já conhecia, a consistência necessária para ser levado a sério (as referências bibliográficas também ajudam). Por isso subscrevo-o.
Também acho que “Portugal é um Estado-Nação como uma forte identidade, uma história e um património biofísico…”, uma ideia que nunca vai desaparecer por decreto, nem simplesmente por preconceito pós-moderno…Isto não significa de todo um “vas-t’en guerre” contra os outros povos, um nacionalismo a destempo (o quê, num país que existe há mais de um milénio?!), nem qualquer veleidade belicista, onde é que isto já ia…
Não percebo o cavalo de batalha que alguns fazem da “permanência de Portugal no Euro” (não estou a falar da permanência na UE!), justificando-a com o que eu chamaria de utopia esquerdista. Às vezes penso que toda esta polémica se esgotará, afinal, na procura de palco…
Uma sociedade sem classes, com um Estado em vias de perecimento – porque já desnecessário – não vai acontecer, assim, desta forma e num clique…Também não percebo tamanho ódio na razão pela qual essas pessoas (de esquerda?) defendem que o melhor é o Estado abrir mão de tudo o que tem interesse público (que aqui d’el rei, isto é o capitalismo de Estado…). Por exemplo, não seria melhor o Estado deter 51% da EDP, que defender a entrega de mão-beijada dessa ou doutra empresa ao capital financeiro?
Primeiro, e sempre, é necessário mudar completamente a natureza do Estado; depois é ir acabando com ele tal como o conhecemos.
(Uma mensagem para os camaradas democratas: por favor, não abusem da leitura do Bakunine…)
Se o sistema capitalista europeu, nosso inimigo, fez a decisao de criar os Estados Unidos da Europa e está a sair-lhe o tiro pela culatra,(porque nao consegue competir com os paises asiáticos e os EUA,e aumenta a insatisfaçao popular), ele fez uma má decisao, para ele, claro. Eu vou aproveitar a sua má decisao para o derrotar e evitar que ele volte a situacao anterior.
Isto é claro se eu quero aniquilar e fazer desaparecer o meu inimigo; se eu quiser viver com ele, podemos negociar o regresso a situacao anterior.
Caro Miguel Serras Pereira e restantes comentadores.
Lamento não ter ainda tido tempo para responder aos vossos comentários como eles merecem. Talvez amanhã.
As minhas dúvidas avolumam-se. Em certa medida ocomentário de MSP é pertinente: a nossa situação tem muitas diferenças com a Argentina, a começar pela nossa presença na UE( não tanto a saída de 1 moeda continental pois a desindexação ao dólor foi como que uma saída de uma moeda continental).
Parece-me que se evitaria a saída do euro com a autorização por parte do BCE de o BP emitir moeda para pagamento da dívida. E seria menos doloroso e arriscado para o país, que se poderia confrontar, depois da saída do euro, com ataques à moeda portuguesa que a poderiam arrasar.Só se Portugalconseguisse uma moeda comum com os países lusófonos se evitariam ataques especulativos.
Diz o Jorge Bateira, a propósito do artigo que cita, que a Argentina é um caso particular, mas comporta algumas lições que devemos ter em conta.
Certo, certo. Para mim, a grande lição é não atribuir demasiada importância à desvalorização da moeda e ao incremento das exportações. Pelos vistos, na Argentina, este factor foi pouco importante, mais que secundário.
Do mesmo artigo:
«Table 1 shows the real contributions to GDP growth by expenditure. It can be seen that the role of exports is not very large during the expansion of 2002-2008. It peaks at 1.8 percentage points of GDP in 2005 and 2010, and amounts to a cumulative 7.6 percentage points, or about 12 percent of the growth during the expansion. The story for net exports is even worse, with net exports (exports minus imports) showing a negative cumulative contribution over the period. The recovery is driven by consumption and investment (fixed capital formation), which account for 45.4 and 26.4 percentage points of growth, respectively.»
Para pessoas idealistas que lutam por uma sociedade tão diferente da que temos hoje em dia penso que por vezes prendemos demasiado este tipo de debates ao Real. Tenho postado vários comentários no vias de facto para chamar a atenção para um caso muito simples: se em Cuba se tivessem feito as contas do que havia a ganhar e a perder com a revolução, evidentemente não a teriam feito. Basta recordar que foi dada a liberdade para todos os capitalistas abandonarem a ilha de um dia para o outro, com todas as suas economias. Assim como os intelectuais, cuja maioria evidentemente aproveitou para fugir para os EUA onde poderiam auferir de um salário muito mais elevado do que ficando numa Cuba nas mãos da classe trabalhadora.
Apesar disto, Cuba fez a sua revolução e as repercussões que isso teve no mundo foram grandes. O mundo já era multipolar (EUA, URSS), mas surgiu ali mais uma oportunidade para o terceiro mundo não se alinhar e preferir uma via que, ainda que passasse pelo nacionalismo, tinha uma componente inegável de internacionalismo com impactos reais na américa latina e em áfrica.
Não estou a dizer que Cuba algum dia se tenha transformado um paraíso socialista, mas depois de 59 contribuiu para que esse horizonte fosse uma possibilidade. E se essa possibilidade existiu foi porque houve vários movimentos nacionalistas. Se o terceiro mundo tivesse esperado por uma revolução internacionalista saída das nações mais avançadas, ainda hoje eram colónias. E pensando desta maneira tenho pena de ser catalogado como um nacionalista/fascista de esquerda que tem uma visão de nações plutocráticas e nações exploradas, etc.. Estou cansado das divagações "internacionalistas".
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