quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O que fazemos com o que lemos?


«“a corrida quieta da leitura” (Maria Filomena Molder)

Cada livro dá uma velocidade de leitura; um livro deveria ter na sua capa ou na contracapa indicações de velocidade máxima e mínima de leitura: não ler a mais do que quarenta páginas por hora. (ideia a desenvolver)

Claro que a velocidade engana: livros imbecis, mas também livros perfeitos, podem ser lidos a uma grande velocidade, suponhamos: cem páginas por hora. Não é tanto a velocidade potencial de leitura de um livro que dá a sua qualidade, é mais o local aonde se chega com essa velocidade.
E que importa estar num carro que vai a uma grande velocidade, se ele chega a um sítio que eu não desejo (rapidamente, é certo)?
E que importa estar num carro que vai a uma velocidade lenta para que os seus passageiros possam apreciar a paisagem, se a paisagem não é relevante?
Contemplar quando estamos em viagem se a coisa contemplada for interessante.

Claro, dirão, ler é bom para os sentimentos, para os abanar: por favor, não introduza dados quantitativos no prazer da leitura.
Porém, não esquecer: o que faz cada um com o que leu à velocidade que leu? Paisagens e sítios de chegada. Contabilidade económica da leitura.
(Não podemos ler tudo. Somos mortais, meu caro.)»

– Gonçalo M. Tavares, Breves Notas sobre as Ligações (Llansol, Molder e Zambrano), Relógio d’Água, Lisboa, 2009, pp. 65-66.

2 comentários:

Anónimo disse...

"como um romance" do meu imaginativo daniel pennac. os direitos dos leitores , enuncia ele.

lenço de papel; cabide de simplicidades disse...

Não me houvera de lembrar da velocidade de leitura. Que ideia mais economicista para não lhe chamar outra coisinha.