domingo, 13 de dezembro de 2009

Tempo de espectros

A minha alma está parva e nem sei o que dizer: através do indispensável economia.info, fiquei a saber que a Comissão Europeia recomendou ao FMI a criação de uma taxa Tobin. É claro que isto pode servir apenas para nos distrair do que está em preparação nas desgraçadas periferias europeias, que podem e devem, como defende João Pinto e Castro, aliar-se: "A banqueiros salvais, a pobres roubais" (slogan de uma manifestação sindical em Espanha)? Entretanto, e porque os tempos são contraditórios, o reconhecimento público dos rendimentos excessivos dos irresponsáveis operadores financeiros não pára de crescer e a sensata vontade de os taxar também não: Chris Dillow argumenta, recorrendo a ampla evidência empírica, que a perversa cultura dos milionários bónus que lhes são pagos, parte de uma contraproducente e generalizada corrida aos incentivos pecuniários para motivar a performance, é o resultado do seu enorme poder e não da sua competência. Recupero uma crónica que escrevi no jornal i sobre estes assuntos:

Anda de novo um espectro pelo mundo do capital financeiro - o espectro da taxa Tobin, ou da taxação das transacções financeiras. Este espectro regressa a cada crise financeira. E tem ressurgido muitas vezes desde que em 1978 o economista James Tobin, que haveria de ganhar o prémio Nobel, propôs que se aplicasse um imposto modesto sobre as transacções nos mercados internacionais de divisas com o objectivo de reduzir a instabilidade cambial. Afinal de contas, o número de crises financeiras - cambiais e bancárias - mais do que triplicou desde os anos setenta, quando comparado com o período dos "trinta gloriosos anos" do pós-guerra marcado pelo maior peso da banca publica ou pela existência de controlos generalizados à circulação de capitais.

A história parece então corroborar as análises marxistas e keynesianas, convergentes neste campo: a instabilidade e a crise são indissociáveis das épocas do capitalismo em que mercados financeiros liberalizados e sobredimensionados comandam o processo económico. A liberdade do sector financeiro, com a proliferação de instrumentos financeiros cada vez mais sofisticados, serviu apenas para aumentar a sua opacidade, as rendas que este sector extrai aos outros sectores económicos e as remunerações dos seus operadores tornados míopes por uma desadequada estrutura de incentivos. No campo económico, à liberdade de uns corresponde sempre a vulnerabilidade de outros: os benefícios da finança são privados, mas os custos dos seus desmandos, dada a natureza deste sector, são sempre socializados. Os biliões que evitaram o colapso financeiro não podem ser esquecidos.

No entanto, até há pouco tempo, o espectro da taxa Tobin e de outras medidas de combate à instabilidade financeira era eficazmente esconjurado por uma santa aliança de reguladores, economistas e financeiros. A hipótese dos mercados financeiros eficientes era o seu cimento intelectual. A realidade encarregou-se de a desfazer e de recuperar a hipótese alternativa da instabilidade financeira indissociável da finança liberalizada. A notável entrevista de Adair Turner, presidente da autoridade de regulação financeira da Grã-Bretanha, à revista Prospect reflecte este estado de coisas: o seu diagnóstico dos males do sector financeiro e a sua defesa de uma taxa Tobin alargada parecem mostrar que desta vez será um pouco mais difícil esconjurar o espectro. Trata-se "somente" de uma questão de poder e de luta política. Porque do ponto de vista da validade, a grande narrativa da liberalização financeira está esgotada.

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