terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Eleições, democracia e reformas políticas (I)
Em 2009 tivemos três eleições, aproxima-se a presidencial de 2011 e este parlamento tem poderes de revisão constitucional. Portanto, não só a temática eleitoral está na ordem do dia como a reforma do sistema político voltará a estar em breve. Por isso, decidiu a Fundação Mário Soares e o Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa organizar o seu X Curso Livre (23-28/11/09) em torno destes tópicos: “Eleições e sistemas eleitorais no século XX português: um balanço”. E encarregaram-me de o coordenar, o que fiz com entusiasmo. Foram apresentados vários estudos comparativos sobre o processo de democratização (ou o seu refluxo), ou sobre o funcionamento da democracia, em Portugal (séculos XIX-XXI), tomando as eleições como ponto de observação. Foi um curso muito participado e terminou com um debate com representantes dos partidos.
Algumas notas sobre as conclusões do curso poderão ajudar-nos a antever os debates que se avizinham. Partindo da ideia de que as “eleições livres, justas e frequentes” são um pilar fundamental de um regime democrático, concluiu-se que, apesar de todos os regimes portugueses anteriores terem realizado eleições, a democratização plena só se verificou em 1974-76. Neste regime, a escolha do sistema eleitoral apontou sobretudo para o “modelo consensual” ou para a “visão proporcional das eleições enquanto instrumentos da democracia”. Ou seja, valorizando uma representação justa das várias correntes políticas no parlamento e, consequentemente, uma negociação parlamentar posterior, seja da constituição dos governos, seja das políticas públicas. Numa primeira fase (1976-87) a prática foi congruente com a “visão proporcional”. Porém, foi uma fase de elevada instabilidade governativa e, por isso, os portugueses passaram a concentrar os seus votos nos dois maiores partidos produzindo uma inflexão no sentido da “visão maioritária” (1987-2009): um sistema quase bipartidário; uma desproporcionalidade elevada; governos monopartidários (excepto a coligação PSD-CDS) de maioria absoluta ou quase (Guterres I e II).
As europeias e legislativas de 2009 indiciam nova viragem, resta saber se perene se conjuntural, no sentido da “visão proporcional”. Seja como for, a estabilidade dos governos portugueses entre 1987-2009 é a mais elevada de um conjunto de 24 países europeus. E, além disso, não podemos assacar ao sistema eleitoral qualquer fonte de instabilidade: tem uma proporcionalidade inferior à média europeia e está associado a um sistema partidário pouco fragmentado, mesmo depois de Setembro. Há problemas neste domínio, mas eles são de índole política e não institucional e, por isso, devem ser resolvidos sobretudo naquele domínio e não neste. Aliás, a direita já demonstrou que é capaz de se adaptar à “visão proporcional” (vide a coesa coligação PSD-CDS, cuja queda resultou da acção do Presidente, mas também a disponibilidade para cooperar num eventual governo expressa nas últimas legislativas), a esquerda é que ainda não se adaptou plenamente. Aliás, esta falta de cooperação à esquerda é, após 1989, um dado relativamente excepcional na Europa onde há uma esquerda radical relevante e regras proporcionais: foram apresentados vários exemplos de tais governos na Itália, Finlândia, Chipre, França, Noruega, Dinamarca, Suécia, Irlanda, Grécia e Espanha. Portanto, eventuais medidas de reforço da estabilidade não devem beliscar a proporcionalidade.
Publicado originalmente no Público de 30/11/2009.
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