sábado, 15 de dezembro de 2007

Pleno emprego


«Num regime de pleno emprego permanente, a ameaça de despedimento deixaria de desempenhar o seu papel como medida disciplinar. A posição social do patrão seria ameaçada e a confiança e a consciência de classe dos trabalhadores cresceria. As greves por aumentos salariais e por melhorias nas condições de trabalho criariam tensões políticas (. . .) a ‘disciplina nas fábricas’ e a ‘estabilidade política’ são mais apreciadas pelos homens de negócios do que os lucros. O seu instinto de classe diz-lhes que o pleno emprego permanente é nocivo para si e que o desemprego é uma parte integrante de um sistema capitalista ‘normal’». Michal Kalecki, um dos mais importantes economistas pós-keynesianos. A luta de classes da economia política marxista bem articulada com ideias sobre a importância da procura efectiva. Keynes e Marx combinados. A política económica orientada para o pleno emprego como via para a acumulação de forças capaz de impor politicamente uma estratégia igualitária de provisão de bens e serviços e de «reformas fundamentais» no regime de propriedade. Estávamos nos anos quarenta e o liberalismo recuava por todo o lado. Ontem como hoje tudo se joga na política económica. Quem fixou, nos anos noventa, as regras das políticas monetária e orçamental na União Europeia percebeu Kalecki muito bem. É que o desemprego duradouro é a melhor forma de ‘partir a espinha’ ao movimento sindical e assim recriar os mecanismos disciplinares que facilitam a tarefa de desmantelamento do estado social e de compressão dos salários. Por isso é que as ideias keynesianas podem ter, ao contrário do que muita gente à esquerda ainda possa pensar, implicações profundamente radicais. Para além disso, não há nenhum sistema económico viável sem contra-poderes fortes no espaço da produção.

4 comentários:

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Não é só numa situação de pleno emprego que a ameaça de despedimento deixa de desempenhar o seu papel como medida disciplinar. A existência de prestações sociais como o subsídio de desemprego tem o mesmo efeito. Por isso é que a direita as quer reduzir ou abolir, e não por causa duma pretensa inevitabilidade demográfica.

Ricardo Noronha disse...

"Política económica orientada para o pleno emprego". Exactamente em que mecanismos é que estás a pensar para dar uma expressão concreta à procura efectiva ?
Uma política expansionista à escala europeia? Mais investimento público e menos estabilidade orçamental? Um programa de obras públicas?
De resto a afirmação de Kalecki é incontestável mas incompleta.A luta de classes não existe apenas dentro das empresas e há várias formas de recompor politicamente a classe trabalhadora a partir da acção dos desempregados e da solidariedade dos sindicatos.
O que me parece não estar muito equacionado é o facto do pleno emprego ter caído, juntamente com o consenso keynesiano, precisamente em resposta a uma elevada conflituosidade social e laboral. Parece-me que o desemprego foi a resposta patronal a uma crise de valorização do capital (queda da taxa de lucro), através da retracção dos investimentos e de uma nova divisão mundial do trabalho (emergência dos tigres asiáticos e crescimento dos investimentos na América Latina). E se ainda vivemos sob o signo dessa resposta patronal, o lançamento de políticas keynesianas não corre o risco de acabar como o governo mitterrand de meados dos anos 80?
Teu, de cara destapada e humildemente,
Ricardo

João Rodrigues disse...

Concordo consigo José Luiz Sarmento. Um SD "generoso" também atenua o poder patronal. Acho que a erosão deste tipo de prestações está relacionado com o desemprego elevado.

Orçamento comunitário reforçado, emissão de divida pública europeia ou harmonização fiscal poderiam criar condições para uma política europeia expansionista sustentável assente em investimentos públicos em áreas como o ambiente, transportes públicos, formação, expansão dos serviços sociais, etc. Julgo que a Europa é um bom espaço para isso. E para a regulação da finança que teria de acompanhar uma política económica deste género.

Concordo genericamente com a tua análise Ricardo. E podemos acabar como o governo Miterrand. Este tinha duas alternativas: ou abdicar e aceitar as teses liberais da desinflação competitiva ou reforçar o controlo democrático da economia. "Escolheu" a primeira. O final dos anos setenta e principio dos anos oitenta foi de facto um período charneira. O que aconteceu nesse período só prova o interesse da tese de Kalecki sobre as consequência políticas do pleno emprego.

Fábio disse...

Só gostaria de fazer uma observação, a obra de Kalecki é contemporânea a de Keynes. De forma alguma ele pode ser considerado um pós keynesiano. Inclusive a obra de Kalecki foi publicada antes, porém em polonês e alguma coisa em francês.