terça-feira, 18 de dezembro de 2007

As lições de Chang XII - Em muitas situações, as empresas públicas são mesmo a melhor solução

Há três argumentos principais que fundamentam a interferência directa do Estado na produção de bens e serviços.

O primeiro tem a ver com actividades cruciais para o desenvolvimento económico que envolvem investimentos avultados, riscos elevados e períodos de gestação longos - características que afastam os investidores privados, tipicamente motivados por lucros seguros e de curto prazo. De facto, na generalidade dos países que são hoje desenvolvidos as empresas públicas não surgiram para substituir o capitalismo mas para lançá-lo - com o Estado a assegurar os investimentos necessários à industrialização, quando o seu sucesso era ainda incerto.

O segundo argumento consiste na existência de ‘monopólios naturais’ - situações em que as condições tecnológicas fazem com que seja mais eficiente ter uma única empresa a produzir (é o caso, por exemplo, das redes de distribuição de electricidade, água, gás e caminhos-de-ferro). Nestes casos, o monopolista tem o poder de estabelecer unilateralmente os preços e outras condições de troca, o que torna recomendável que alguém controle o monopolista.

Finalmente, o Estado intervém directamente na produção quando tal é necessário para garantir a coesão social e territorial (por exemplo, se a localização de serviços postais fosse determinada por meras considerações de custo-benefício, muitas zonas periféricas tenderiam a ser excluídas).

Muitos liberais aceitam estes argumentos, mas replicam afirmando que qualquer um dos problemas referidos pode ser resolvido através de uma mistura instrumentos que envolvem a regulação, os impostos e os subsídios sobre a actividade privada - sem necessidade, portanto, da existência de empresas públicas.

O problema desta alternativa é que ela assume que é mais fácil levar a cabo uma regulação eficaz da actividade privada do que controlar directamente a produção. Na verdade, a regulação indirecta exige a presença de um Estado forte, capaz de organizar um esquema de incentivos sofisticado, métodos e instrumentos de monitorização robustos, um sistema jurídico que efectivamente penalize as infracções, bem como a força política suficiente para confrontar os interesses privados sempre que surjam divergências quanto aos termos da regulação. Ou seja, um Estado que não consegue pôr as empresas públicas a funcionar, dificilmente conseguirá regular devidamente a actividade das empresas privadas.

Noutros termos, menos Estado na produção directa implica mais (e melhor) Estado no controlo indirecto da produção. Quando as coisas correm mal, pouco há a fazer - como demonstram os casos dos ‘apagões’ na Califórnia em 2001 e a desorganização total dos caminhos-de-ferro ingleses em 2002, na sequência das respectivas privatizações. E quando o aparelho administrativo do Estado é rudimentar (como em muitos países em desenvolvimento) ou o seu poder relativo diminuto (como no caso de Portugal) aumentam os riscos de o interesse público ficar refém dos interesses particulares.

4 comentários:

NC disse...

Sem discordar com o conteúdo quanto ao controlo estatal dos monopólios naturais, devo no entanto acrecentar que a intervenção política no sector eléctrico na Península ibérica tem sido desastrosa. Lógica de mercado e estratégias de longo prazo: zero. Os efeitos não tardarão a fazer-se sentir e não foi por falta de aviso. Ao contrário do que defendem nada garante que o Estado, só por ser público (whatever it means), seja melhor gestor da coisa pública.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Texto límpido, claro, articulado, que explica sem divagações tudo o que é essencial compreender sobre o assunto.

Parabéns.

Autoriza-me que ajude a divulgá-lo por e-mail e através do meu blogue?

Ricardo Paes Mamede disse...

O Ladrões de Bicicletas é um blog sem 'copyright'. As ideias são mesmo para divulgar. Obrigado.

Anónimo disse...

Era interessante prosseguir esta dissertação esclarecendo a contradição entre a visão "estado representante do povo", presente neste texto, e a visão "estado representante das classes dominantes" dos teóricos que se sabe.
Ou seja, o estado com as empresas públicas está a fazer o jogo do povo contra o grande capital ? mesmo em Portugal ?