Os economistas neoliberais afirmam que os todos países ganham com a especialização internacional associada à liberalização do comércio. Segundo a linha habitual de argumentação, a liberalização leva as economias a empregar os recursos produtivos disponíveis nas actividades em que podem ser mais eficientemente utilizados. Para além disso, defende-se que a maior exposição à concorrência cria o incentivo a aumentos de produtividade. Como resultado da maior eficiência assim obtida e da redução das taxas alfandegárias, os consumidores têm acesso a produtos a preços mais baixos.
Esta linha de argumentação possui três problemas fundamentais. Primeiro, exclui por hipótese quaisquer dificuldades que possam existir no ajustamento das economias às novas condições. Uma vez que, na prática, não é possível reafectar trabalhadores, máquinas e equipamentos de umas actividades (aquelas que não resistem à concorrência internacional) para as outras, o resultado da liberalização é muitas vezes o desemprego prolongado e a inutilização da capacidade produtiva existente.
Segundo, subvalorizam-se os efeitos da liberalização do comércio internacional ao nível da distribuição dos rendimentos. Mesmo que o resultado global fosse positivo, nada garante que os benefícios seriam repartidos por toda a população - o que é ainda menos provável em países onde não existem mecanismos de repartição do rendimento, como é o caso de muitos países em desenvolvimento. Daí que a globalização neoliberal tenha no aumento das desigualdades sociais e, muito frequentemente, no aumento da pobreza um dos seus traços característicos.
Finalmente, ignoram-se os efeitos de longo prazo resultantes da liberalização. Mesmo que no curto-prazo os seus resultados sejam positivos, a liberalização total condena muitos países a uma especialização em sectores de actividade caracterizados por reduzidos aumentos de produtividade e, logo, a um crescimento lento das condições de vida das populações.
O comércio internacional é fonte de vários tipos de benefícios, a começar pela difusão de conhecimentos e de tecnologias. Mas existe uma diferença entre aceitar que o comércio internacional é importante para o desenvolvimento económico e dizer que o comércio livre de qualquer restrição ou interferência pública é o melhor remédio para o desenvolvimento.
As postas anteriores desta série mostram que os países que são hoje desenvolvidos sabiam bem a lição.
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6 comentários:
Um excelente resumo dos problemas fundamentais do comércio "livre". A ler e reler por muitos à Esquerda, como Daniel Oliveira tem mostrado com alguns dos seus posts mais recentes, que cairam na lenga-lenga neoliberal de que o comércio "livre" não só ajuda os pobres (o que é genericamente falso) como ainda por cima é a melhor maneira de os ajudar.
Até a Oxfam, que há uns tempos atrás andava a clamar que o desenvolvimento dos países no Terceiro Mundo necessitava acima de tudo duma maior abertura dos mercados dos países desenvolvidos aos produtos agrícolas do Terceiro Mundo, já reconhece que a situação é bem mais complexa do que ingénuos gostariam de acreditar. Leaim por exemplo o seu último relatório sobre a agricultura em reposta ao World Development Report 2008:
http://www.oxfam.org/en/policy/briefingnotes/bn_what_agenda_for_agriculture_WDR_0710
Um extracto da página 3:
"Earnings from export opportunities, while valuable, often only accrue to better-resourced farmers and agri-businesses, and not to smallholders. In this scenario, liberalisation compounds inequality, and often compounds gender inequality (an aspect completely absent from the Report’s analysis of trade reforms).
Ultimately, the WDR’s prescriptions – ‘liberalise and provide transitional support’ – fail to recognise that liberalised trade is the result of successful growth rather than its cause. Rapid liberalisation can undermine a sector before it is ready to compete. The lesson of history is that ‘successful’ countries succeeded through what would be considered ‘unorthodox’ means under the WDR prescriptions. The agriculture policies pursued by Indonesia, Malaysia, and Korea, for example, which all used state trading monopolies and import licences and quotas, would not be compatible with the prescriptions in the Report."
A colonização de África e India tinha como único objectivo a apropriação de comercio até então livre.
Foram os monopólios exclusivos que concentraram os capitais na Europa.
As potencias europeias não eram mais ricas ou civilizadas que por exemplo a India - o objectivo de Portugal, a Espanha e mais tarde Inglaterra.
Estas nações tinham apenas a vantagem do poder das armas e assim impuseram os seus interesses.
Durante a Revolução Industrial, a economia deles foi moldada de forma a fornecer apenas matérias primas. Porque os bens transformados tinham de ser importados de volta ás colónias.
Caro Pedro Viana,
relativamente à visão voluntarista sobre os benefícios da liberalização do comércio para os mais pobres acrescentaria ainda um apecto.
Não só a Oxfam como outras ONGs ligadas ao desenvolvimento defenderam durante vários anos que os países subdesenvolvidos deveriam usar a questão do acesso aos mercados agrícolas dos país ricos como moeda de troca para a liberalização nos sectores industriais.
Hoje percebe-se que essa estratégia, para a esmagadora maioria dos países do 3º Mundo, seria receber nada em troca de coisa nenhuma. São muito poucos os países que ganhariam com a redução das taxas alfandegárias sobre produtos agrícolas cujos mercados são protegidos pelos países ricos - Brasil, Argentina e pouco mais. É nestes países que o tipo de produção (carne, cereais, etc.) mais se aproxima daquilo que os países ricos tentam proteger. Pelo contrário, a maioria dos países em desenvolvimento são importadores líquidos destes produtos - o que significa que tenderiam a perder com o fim da subsidiação das actividade agrícola na UE e nos EUA (pois veriam os preços desses produtos aumentar).
Ricardo Paes Mamede, como disseste e bem o modelo proteccionista da PAC e a subsidiarização de toda a indústria agroalamentar nos estados unidos proporcionariam que os elevados custos de produção desses produtos fossem eles concorrenciais num mercado aberto. Paradoxalmente estes mesmos países que subsidiam esta indústria pretendem que se liberalize todo o sector das pescas com o livre acesso aos mares e pesqueiros dos países subdesenvolvidos, delapidadndo não só os recursos pesqueiros como também destruindo toda a pesca tradicional e de sobrevivência que aí se pratica. Uma vez mais o desenvolvimento é relegado para segundo plano pois uma vez mais todos produtos provenientes da pesca seriam e já são (marrocos, mauritânia, Guiné e Senegal)mais baratos do que os que são provenientes da pesca local. Resultados: Os normais, desemprego, fome, subdesenvolvimento, pressão migratória, destruição da indústria e economia local.
Pode indicar-me uns quantos exemplos de países onde a "globalização neo-liberal" tenha conduzido, de acordo com as suas próprias palavras, ao aumento da pobreza?
Miguel RH
Está tudo muito bem quanto ao comércio LiVRE; o qual deve também ser JUSTO...
Porque é que na recente cimeira UE-África países houve que "torceram o nariz" aos acordos comerciais-tipo que lhes queriam IMPÔR? Porque a justiça deles estava AUSENTE...
E nem foram os países dirigidos por ditadores horrendos, nem por violadores contumazes dos direitos humanos...
Esses (com neste blogue oportunamente se assinalou) são mais "flexíveis", porque o seu incomensurável e arqui-criticado poder repousa, em última análise, nos... críticos! Públicas virtudes e privados vícios - eis do que devemos orgulhar-nos... Triste sina!...
Vitor Correia
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